Os tempos mudaram, principalmente quando se trata de tecnologia. Essa revolução tecnológica, principalmente nos meios de comunicação, atingiu em cheio as relações interpessoais, de forma a mudar inclusive, os relacionamentos. Referimo-nos, especificamente, a uma carta escrita à mão. Alguns bons anos atrás, uma conquista amorosa exigia trabalho, esforço, romantismo e um pouco de sorte. E para isso não havia Internet, redes sociais e todas as facilidades de que dispomos hoje em dia.
Os meios de comunicação passaram por grandes transformações. A invenção da internet modificou tudo aquilo que conhecíamos a respeito das formas de comunicação. Essa rede que integra mundialmente, milhares de computadores foi capaz de aproximar pessoas, diminuindo longas distâncias e reduzindo o tempo de transmissão de uma informação. Atualmente, os celulares são um dos meios de comunicação mais utilizados no mundo.
Longe de mim de ser contra as mudanças ou o progresso. Nada disso! Mas é sempre positivo podermos lembrar ou recuperar os costumes do passado e aplicá-los, por exemplo, aos nossos relacionamentos, a fim de recuperar os gestos românticos.
O romantismo era mais atenuado em anos anteriores, não era como hoje que as pessoas agem diferente. Quando alguém se apaixonava por uma pessoa, elas escreviam uma carta, perfumavam e mandavam uma lembrancinha. Um ato bem romântico que deixou de existir com a chegada da tecnologia.
A mudança da escrita é tão clara que atualmente, em vista da evolução da tecnologia, a caligrafia que tinha tanta relevância, acabou perdendo o primor por conta do acesso aos computadores.
Um pedaço de papel com palavras escritas a caneta ou a lápis, era responsável por manter as pessoas informadas sobre a vida de amigos e de familiares.
Hoje em dia estamos tão acostumados com a comunicação instantânea que parece perda de tempo só pensar em usar uma caneta. Porque dá mais trabalho: escrever, envelopar, selar, postar, esperar. É muito mais fácil enviar um e-mail ou conversar por vídeo.
A comunicação surgiu da necessidade do ser humano de passar informação uns aos outros. Após o surgimento da escrita, a carta tornou-se um meio de comunicação bastante utilizado para enviar informações, estabelecendo uma comunicação interpessoal.
A história da escrita começou no período da pré-história, quando os homens faziam desenhos nas paredes das cavernas como uma forma de se comunicar. Esses desenhos, chamados de pinturas rupestres, consistiam na transmissão de ideias desses povos, pois representavam seus desejos e necessidades. A arte rupestre foi o início da comunicação entre os seres humanos. As primeiras formas de escrita eram diferentes e surgiram na Mesopotâmia, China, Egito e América Central.
Durante sua história, a carta foi escrita em muitos tipos de materiais e muitos foram os canais pelos quais era enviada. Assim, as primeiras cartas foram escritas com um material chamado de papiro, um tipo de papel feito com uma planta chamada papiro, 3.000 anos antes de Jesus nascer. Muitos anos depois, no século 2 antes de Cristo, em uma região na Turquia chamada de Pérgamo, foi inventado o pergaminho, um tipo de papel feito de pele de carneiros e bezerros. O papel que utilizamos nos dias atuais foi inventado 100 anos depois do nascimento de Cristo por um chinês chamado T’sai Lun.
Outro importante fato histórico, a ser observado, se refere ao modo como as cartas chegavam até seu destinatário. Os pombos foram utilizados por muito tempo como meio de envio de mensagens. Os cavalos foram também uma outra forma de envio postal utilizada. Já no Egito, mais de 4 mil anos antes da Era Cristã, já existiam os sigmanacis, mensageiros que levavam recados escritos a pé ou montados em cavalos e camelos.
Através dos séculos a troca de informações define impérios, governos e até mesmo guerras. Enviar mensagens para longas distâncias em pouco tempo sempre foi um desafio. Por isso, o telégrafo foi uma revolução no século 18. Com essa máquina, era possível digitar uma mensagem que chegava em poucos instantes no local desejado através de código.
No Brasil, as cartas chegaram junto com os primeiros portugueses. Assim que a esquadra de Cabral aportou, Pero Vaz de Caminha enviou uma correspondência ao rei, comunicando o descobrimento das novas terras. Na carta, Pero Vaz de Caminha mostra como foi o primeiro encontro entre os portugueses e os indígenas. Um pequeno trecho: “Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel.”
“A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência.”
A história epistolar está cheia de cartas abertas, aqueles que são escritos com a intenção de serem lidos por um grande público.
Por exemplo, a carta escrita por Martin Luther King Júnior destinada aos Companheiros Clérigos, conhecida com a Carta da prisão de Birmingham. King escreveu: “A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar”. “'Qualquer pessoa que vive dentro dos Estados Unidos nunca pode ser considerada um estranho em qualquer lugar dentro de seus limites”.
Temos a carta de Gandhi para Adolf Hitler: “É evidente que, no momento, o senhor é a única pessoa do mundo capaz de impedir uma guerra que pode reduzir a humanidade ao estado de barbárie. O senhor pagaria esse preço, por mais valioso que lhe pareça o objetivo que tem em mente?” A carta, datada de 23 de julho de 1939, pedia que o ditador evitasse conflitos armados. O escrito nunca chegou ao destinatário por uma intervenção do governo britânico. Poucos meses depois, em setembro, a Alemanha invadiu a Polônia no episódio que marcou o início da Segunda Guerra Mundial.
Não podemos esquecer, entre os livros que formam a Bíblia, as 21 cartas escritas por Paulo e outros seguidores de Cristo, direcionadas aos povos, como os romanos e os habitantes da cidade de Corinto, na Grécia Antiga.
Algumas cartas marcam a história do nosso país, como por exemplo, as escritas por Princesa Isabel, Getúlio Vargas e Jânio Quadros.
Por uma carta, mais especificamente uma carta de lei, a Princesa Isabel, em 1888, extinguiu a escravidão do Brasil. O documento, escrito com caligrafia rebuscada, brasão imperial e tinta em tons de preto, azul, vermelho e dourado, ficou conhecido como Lei Áurea.
Ressaltamos, também, as duas cartas deixadas por Getúlio Vargas, horas antes do suicídio, em 24 de agosto de 1954, e dirigida ao povo brasileiro. Uma carta escrita e outra datilografada, que a imprensa divulgou como oficial. Há controvérsias quanto a autoria, mas nunca conseguiu-se provar quem realmente teria escrito se não o próprio Vargas. Em ambas, destaca-se o final contundente: “... lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história. ”
E dentro do mesmo contexto, a carta melancólica de despedida de Jânio Quadros. Getúlio Vargas, está longe de ser o único presidente a usar cartas para justificar ou tomar decisões. O ex-presidente do Brasil Jânio Quadros (1917-1992) usou o recurso para anunciar sua renúncia, depois de sete meses no comando do país. “Fui vencido pela reação e assim deixo o governo. Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem prevenções, nem rancores”, escreveu.
Importante lembrar, o filme “Central do Brasil”, obra cinematográfica de Walter Salles. No filme, a personagem de Fernanda Montenegro, através da personagem Dora, uma amargurada ex-professora, escreve cartas para pessoas que não aprenderam a ler e escrever. Infelizmente, para não fugir da regra, ela embolsa o dinheiro sem sequer postar as cartas. No filme, conhecemos fragmentos de histórias de um povo sofrido, mas cheio de sonhos e esperança. Nesse contexto, se apresenta o problema do analfabetismo, falta de oportunidades, desigualdade no país e a desonestidade brasileira. Esse filme, recebeu diversas premiações em Festivais no mundo todo, sendo indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro no ano seguinte de sua estreia.
As cartas sempre estiveram presentes em minha vida, na infância e pré-adolescência escrevia cartas para meus avós e quando cheguei na juventude, comecei escrever cartas de amor para minha amada Maria. Até hoje guardo as 34 cartas que escrevi no período, principalmente de namoro/noivado, sem contar as cartas também escritas por ela, nesse período. Todas elas me levam de volta ao passado. Considero meu “tesouro literário”. O ato de abrir o envelope e ler algumas palavras de quem a gente gosta, a quem queremos bem, tem um valor indizível, invisível, incomensurável. Eu me lembro de quando contava os dias para receber a resposta das cartas enviadas.
A escrita ajudava-nos muitas vezes a expressar de forma mais clara os sentimentos que palpitam no nosso interior. Para escrever uma boa carta de amor não era preciso ser um Pablo Neruda. Ele dedicava-se a esta arte.
Escrever uma carta, dedicar tempo a pensar em versos, em frases que encantam, ou mesmo, de maneira simples tentar traduzir sentimentos em palavras de amor, parece distante para muitas pessoas na correria dos dias atuais.
A carta manuscrita ainda é um meio carinhoso de comunicação com às pessoas amadas. A carta carrega coragem em suas linhas, e os “ecos vibrantes da saudade” nas entrelinhas. Ela tem singularidades incomparáveis. Sempre irá carregar um pouco de quem você é, de como está, como se sente. A carta escrita à mão carrega muito mais do que palavras. É troca de amor e de dor, de alegria e tristeza, de sabedoria e aprendizado, de mudança e permanência. Enfim, é veículo de sentimentos reais.
Conforme escreveu o professor português Vasco Botelho de Amaral, “As cartas amorosas imortalizam vivências e sentimentos do casal. Funcionam não apenas como um modo de comunicar, mas em especial de tornar presente, de substituir aquele que a escreveu – e que está ausente – pelo que está escrito”.
Em meio a tantas palavras é difícil não se emocionar, não se divertir, não se remeter a um mundo que quase não existe mais. É tão bom ler cartas! Não sei se meus filhos ou netos lerão cartas. Acho que só "e-mails" que possivelmente serão rapidamente deletados. É uma pena...
A carta é um abraço dado à distância. É a expressão do amor em silêncio. É por isso que o papel que contém palavras impressas do e-mail recebido nunca será a mesma coisa que a carta escrita de próprio punho.
Em um mundo onde tudo é tão rápido e instantâneo, dedicar tempo e emoção para escrever uma carta é realmente uma demonstração de apreço pelo destinatário da carta.
Hoje, só abrimos as seguintes correspondências: contas, propagandas, panfletos de ofertas. Só. Uma lástima.
Ainda bem que existe o período do Natal, pois é nessa época que aumenta a demanda de cartas pessoais, pois Papai Noel é o responsável por esse aumento.
O evangelho diz que o homem sábio sabe tirar do seu tesouro coisas velhas e coisas novas (Mateus 13, 52). Portanto, precisamos saber tirar lições do passado e do presente, para direcionar melhor o nosso futuro! Ter a coragem de enxergar aquilo que funciona e que não funciona, e fazer escolhas livres, conscientes e responsáveis.
Se por um lado é verdade que algumas coisas do passado não servem mais para hoje, também é verdade que precisamos resgatar muitas coisas, que deram e podem continuar dando certo hoje.