15/05/2023

TESOUROS LITERÁRIOS

Os tempos mudaram, principalmente quando se trata de tecnologia. Essa revolução tecnológica, principalmente nos meios de comunicação, atingiu em cheio as relações interpessoais, de forma a mudar inclusive, os relacionamentos. Referimo-nos, especificamente, a uma carta escrita à mão. Alguns bons anos atrás, uma conquista amorosa exigia trabalho, esforço, romantismo e um pouco de sorte. E para isso não havia Internet, redes sociais e todas as facilidades de que dispomos hoje em dia.

Os meios de comunicação passaram por grandes transformações. A invenção da internet modificou tudo aquilo que conhecíamos a respeito das formas de comunicação. Essa rede que integra mundialmente, milhares de computadores foi capaz de aproximar pessoas, diminuindo longas distâncias e reduzindo o tempo de transmissão de uma informação. Atualmente, os celulares são um dos meios de comunicação mais utilizados no mundo.

Longe de mim de ser contra as mudanças ou o progresso. Nada disso! Mas é sempre positivo podermos lembrar ou recuperar os costumes do passado e aplicá-los, por exemplo, aos nossos relacionamentos, a fim de recuperar os gestos românticos.

O romantismo era mais atenuado em anos anteriores, não era como hoje que as pessoas agem diferente. Quando alguém se apaixonava por uma pessoa, elas escreviam uma carta, perfumavam e mandavam uma lembrancinha. Um ato bem romântico que deixou de existir com a chegada da tecnologia.

A mudança da escrita é tão clara que atualmente, em vista da evolução da tecnologia, a caligrafia que tinha tanta relevância, acabou perdendo o primor por conta do acesso aos computadores.

Um pedaço de papel com palavras escritas a caneta ou a lápis, era responsável por manter as pessoas informadas sobre a vida de amigos e de familiares.

Hoje em dia estamos tão acostumados com a comunicação instantânea que parece perda de tempo só pensar em usar uma caneta. Porque dá mais trabalho: escrever, envelopar, selar, postar, esperar. É muito mais fácil enviar um e-mail ou conversar por vídeo.

A comunicação surgiu da necessidade do ser humano de passar informação uns aos outros. Após o surgimento da escrita, a carta tornou-se um meio de comunicação bastante utilizado para enviar informações, estabelecendo uma comunicação interpessoal.

A história da escrita começou no período da pré-história, quando os homens faziam desenhos nas paredes das cavernas como uma forma de se comunicar. Esses desenhos, chamados de pinturas rupestres, consistiam na transmissão de ideias desses povos, pois representavam seus desejos e necessidades. A arte rupestre foi o início da comunicação entre os seres humanos. As primeiras formas de escrita eram diferentes e surgiram na Mesopotâmia, China, Egito e América Central.

Durante sua história, a carta foi escrita em muitos tipos de materiais e muitos foram os canais pelos quais era enviada. Assim, as primeiras cartas foram escritas com um material chamado de papiro, um tipo de papel feito com uma planta chamada papiro, 3.000 anos antes de Jesus nascer. Muitos anos depois, no século 2 antes de Cristo, em uma região na Turquia chamada de Pérgamo, foi inventado o pergaminho, um tipo de papel feito de pele de carneiros e bezerros. O papel que utilizamos nos dias atuais foi inventado 100 anos depois do nascimento de Cristo por um chinês chamado T’sai Lun.

Outro importante fato histórico, a ser observado, se refere ao modo como as cartas chegavam até seu destinatário. Os pombos foram utilizados por muito tempo como meio de envio de mensagens. Os cavalos foram também uma outra forma de envio postal utilizada.  Já no Egito, mais de 4 mil anos antes da Era Cristã, já existiam os sigmanacis, mensageiros que levavam recados escritos a pé ou montados em cavalos e camelos.

Através dos séculos a troca de informações define impérios, governos e até mesmo guerras. Enviar mensagens para longas distâncias em pouco tempo sempre foi um desafio. Por isso, o telégrafo foi uma revolução no século 18. Com essa máquina, era possível digitar uma mensagem que chegava em poucos instantes no local desejado através de código.

No Brasil, as cartas chegaram junto com os primeiros portugueses. Assim que a esquadra de Cabral aportou, Pero Vaz de Caminha enviou uma correspondência ao rei, comunicando o descobrimento das novas terras. Na carta, Pero Vaz de Caminha mostra como foi o primeiro encontro entre os portugueses e os indígenas. Um pequeno trecho: “Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel.”

“A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência.”

A história epistolar está cheia de cartas abertas, aqueles que são escritos com a intenção de serem lidos por um grande público.

Por exemplo, a carta escrita por Martin Luther King Júnior destinada aos Companheiros Clérigos, conhecida com a Carta da prisão de Birmingham. King escreveu: “A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar”. “'Qualquer pessoa que vive dentro dos Estados Unidos nunca pode ser considerada um estranho em qualquer lugar dentro de seus limites”.

Temos a carta de Gandhi para Adolf Hitler: “É evidente que, no momento, o senhor é a única pessoa do mundo capaz de impedir uma guerra que pode reduzir a humanidade ao estado de barbárie. O senhor pagaria esse preço, por mais valioso que lhe pareça o objetivo que tem em mente?” A carta, datada de 23 de julho de 1939, pedia que o ditador evitasse conflitos armados. O escrito nunca chegou ao destinatário por uma intervenção do governo britânico. Poucos meses depois, em setembro, a Alemanha invadiu a Polônia no episódio que marcou o início da Segunda Guerra Mundial.

Não podemos esquecer, entre os livros que formam a Bíblia, as 21 cartas escritas por Paulo e outros seguidores de Cristo, direcionadas aos povos, como os romanos e os habitantes da cidade de Corinto, na Grécia Antiga.

Algumas cartas marcam a história do nosso país, como por exemplo, as escritas por Princesa Isabel, Getúlio Vargas e Jânio Quadros.

Por uma carta, mais especificamente uma carta de lei, a Princesa Isabel, em 1888, extinguiu a escravidão do Brasil. O documento, escrito com caligrafia rebuscada, brasão imperial e tinta em tons de preto, azul, vermelho e dourado, ficou conhecido como Lei Áurea.

Ressaltamos, também, as duas cartas deixadas por Getúlio Vargas, horas antes do suicídio, em 24 de agosto de 1954, e dirigida ao povo brasileiro. Uma carta escrita e outra datilografada, que a imprensa divulgou como oficial. Há controvérsias quanto a autoria, mas nunca conseguiu-se provar quem realmente teria escrito se não o próprio Vargas.  Em ambas, destaca-se o final contundente: “... lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história. ”

E dentro do mesmo contexto, a carta melancólica de despedida de Jânio Quadros. Getúlio Vargas, está longe de ser o único presidente a usar cartas para justificar ou tomar decisões. O ex-presidente do Brasil Jânio Quadros (1917-1992) usou o recurso para anunciar sua renúncia, depois de sete meses no comando do país. “Fui vencido pela reação e assim deixo o governo. Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem prevenções, nem rancores”, escreveu.

Importante lembrar, o filme “Central do Brasil”, obra cinematográfica de Walter Salles. No filme, a personagem de Fernanda Montenegro, através da personagem Dora, uma amargurada ex-professora, escreve cartas para pessoas que não aprenderam a ler e escrever. Infelizmente, para não fugir da regra, ela embolsa o dinheiro sem sequer postar as cartas. No filme, conhecemos fragmentos de histórias de um povo sofrido, mas cheio de sonhos e esperança.  Nesse contexto, se apresenta o problema do analfabetismo, falta de oportunidades, desigualdade no país e a desonestidade brasileira. Esse filme, recebeu diversas premiações em Festivais no mundo todo, sendo indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro no ano seguinte de sua estreia.

As cartas sempre estiveram presentes em minha vida, na infância e pré-adolescência escrevia cartas para meus avós e quando cheguei na juventude, comecei escrever cartas de amor para minha amada Maria. Até hoje guardo as 34 cartas que escrevi no período, principalmente de namoro/noivado, sem contar as cartas também escritas por ela, nesse período.  Todas elas me levam de volta ao passado. Considero meu “tesouro literário”. O ato de abrir o envelope e ler algumas palavras de quem a gente gosta, a quem queremos bem, tem um valor indizível, invisível, incomensurável. Eu me lembro de quando contava os dias para receber a resposta das cartas enviadas.

A escrita ajudava-nos muitas vezes a expressar de forma mais clara os sentimentos que palpitam no nosso interior. Para escrever uma boa carta de amor não era preciso ser um Pablo Neruda. Ele dedicava-se a esta arte. 

Escrever uma carta, dedicar tempo a pensar em versos, em frases que encantam, ou mesmo, de maneira simples tentar traduzir sentimentos em palavras de amor, parece distante para muitas pessoas  na correria dos dias atuais.

A carta manuscrita ainda é um meio carinhoso de comunicação com às pessoas amadas. A carta carrega coragem em suas linhas, e os “ecos vibrantes da saudade” nas entrelinhas. Ela tem singularidades incomparáveis. Sempre irá carregar um pouco de quem você é, de como está, como se sente. A carta escrita à mão carrega muito mais do que palavras. É troca de amor e de dor, de alegria e tristeza, de sabedoria e aprendizado, de mudança e permanência. Enfim, é veículo de sentimentos reais.

Conforme escreveu o professor português Vasco Botelho de Amaral, “As cartas amorosas imortalizam vivências e sentimentos do casal. Funcionam não apenas como um modo de comunicar, mas em especial de tornar presente, de substituir aquele que a escreveu – e que está ausente – pelo que está escrito”.

Em meio a tantas palavras é difícil não se emocionar, não se divertir, não se remeter a um mundo que quase não existe mais. É tão bom ler cartas! Não sei se meus filhos ou netos lerão cartas. Acho que só "e-mails" que possivelmente serão rapidamente deletados. É uma pena...

A carta é um abraço dado à distância. É a expressão do amor em silêncio. É por isso que o papel que contém palavras impressas do e-mail recebido nunca será a mesma coisa que a carta escrita de próprio punho.

Em um mundo onde tudo é tão rápido e instantâneo, dedicar tempo e emoção para escrever uma carta é realmente uma demonstração de apreço pelo destinatário da carta.

Hoje, só abrimos as seguintes correspondências: contas, propagandas, panfletos de ofertas. Só. Uma lástima.

Ainda bem que existe o período do Natal, pois é nessa época que aumenta a demanda de cartas pessoais, pois Papai Noel é o responsável por esse aumento.

O evangelho diz que o homem sábio sabe tirar do seu tesouro coisas velhas e coisas novas (Mateus 13, 52). Portanto, precisamos saber tirar lições do passado e do presente, para direcionar melhor o nosso futuro! Ter a coragem de enxergar aquilo que funciona e que não funciona, e fazer escolhas livres, conscientes e responsáveis.

Se por um lado é verdade que algumas coisas do passado não servem mais para hoje, também é verdade que precisamos resgatar muitas coisas, que deram e podem continuar dando certo hoje.

17/04/2023

Até quando vamos brincar de passarinhar indígenas?

O tempo passas mas as lembranças ficam. É nesse contexto, que recordo dos meus primeiros ensinamentos sobre a história do Brasil, ainda no antigo primário (hoje ensino fundamental). Inicialmente, aprendemos que em 22 abril de 1500 os navegadores portugueses descobriram o Brasil. Hoje temos a consciência que na realidade Portugal não descobriu o Brasil, ele ocupou, invadiu, submetendo dessa maneira diversos nativos aqui existentes. Se o Brasil já possuía uma população, não se tratou de uma descoberta, e sim de uma conquista.

O primeiro documento escrito relatando a existência dos nativos é a Carta de Pero Vaz Caminha a El Rey D. Manuel. A primeira referência de Caminha ao gentio da terra é a seguinte "E dali houvemos vista de homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo os navios pequenos disseram, por chegarem primeiro". Informa ainda em sua Carta que os índios " ... não lavram, nem criam", o que contribui para a ideia do índio preguiçoso, que ainda hoje vive no imaginário de muitos. Também é relatado que os índios se espantaram ao entrar em contato pela primeira vez com uma galinha. Não conheciam o cavalo, o boi e a galinha.

Esses nativos trocaram presentes com os lusos sendo que entre os presentes dados pelos primeiros, estavam papagaios e araras que eram espécies de aves totalmente desconhecidos até o momento, pelos navegadores europeus. Ao chegar à Europa, a corte portuguesa ficou impressionada com a beleza das plumas daquelas aves. Por esse motivo, por algum tempo, chamaram a terra de onde aquelas aves haviam sido trazidas de "Terra dos Papagaios".

Que bela terra encontrada pelos irmãos portugueses. Podemos até comparar com o paraíso bíblico.  Um verdadeiro jardim do Éden para cultivar, pescar e viver. Mas infelizmente, assim como relatado no Livro dos Gênesis, apareceram as serpentes em forma de portugueses e fizeram os reais brasileiros sentirem-se nus, e passaram a serem conhecedores do bem e do mal.  

O primeiro contato entre nativos e portugueses foi de muita estranheza para ambas as partes. As duas culturas eram muito diferentes e pertenciam a mundos completamente distintos. Alguns historiadores, caracterizam esse momento como um “encontro de culturas” e outros como um “desencontro de culturas”, visto que as relações foram estabelecidas desde o início, pautadas numa hierarquia, a qual pressupunha a superioridade do homem branco (europeu) em relação ao “outro” dito selvagem/não “civilizado” (indígena).

É nesse cenário, e a partir desse choque de culturas, que se tem início a colonização portuguesa no Brasil, o qual corresponde a um processo massivo de extermínio de povos indígenas, invasões e conflitos entre portugueses e indígenas, doenças contagiosas oriundas de Portugal se espalhando no Brasil e exploração das terras brasileiras. Ou seja, o “descobrimento” do Brasil é um processo marcado pela violência colonial.

No primeiro século de contato, 90% dos indígenas foram exterminados, principalmente por meio de doenças trazidas pelos colonizadores, como a gripe, o sarampo e a varíola. Nos séculos seguintes, milhares de vítimas morreram ou foram escravizadas nas plantações de cana-de-açúcar e na extração de minérios e borracha.

Não podemos esquecer expedições realizadas no século XVIII, denominadas Entradas e Bandeiras, que tiveram como objetivo a captura de índios para o trabalho escravo e a procura por metais preciosos, como ouro, prata e diamante.

O bandeirantismo, foi responsável pela morte e exploração de um grande número de indígenas. Usualmente, livros didáticos, reconstituições históricas, meios de comunicação costumam ressaltar uma imagem heroica dos bandeirantes paulistas que desbravaram os sertões brasileiros. Um verdadeiro genocídio sem controle.

Declarada a independência do país e instalado o regime monárquico, pouco se fez em favor dos povos indígenas. Os Governos, imperial e provinciais, promoveram várias iniciativas no sentido de eliminar os contingentes indígenas, que viviam nas áreas de interesse para o estabelecimento de imigrantes europeus. Nas áreas de colonização europeia, a insegurança provocou diversas interpelações dos governos europeus ao governo brasileiro, reclamando segurança para seus súditos.

A Proclamação da República não alterou de imediato esse quadro. Pelo contrário, acentuou-o. A construção da estrada de ferro noroeste do Brasil, em São Paulo, no início do século, provocou a quase dizimarão a um grupo Kaingang. A violência foi tal que um relato da época informa que o divertimento dos trabalhadores da estrada, aos domingos era brincar de "passarinhar índio” ou seja, matavam os índios da mesma forma em que se caçavam pássaros. É nesse contexto que em 1910, o governo, por iniciativa do marechal Cândido da Silva Rondon, descendente de índios, em tarefa de demarcação das fronteiras, criou o Serviço de Proteção do Índio (SPI) e reservas florestais protegidas, para sobrevivência das aldeias. Em 1967, o SPI foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A trajetória dessas duas organizações oscilava entre proteger os indígenas e favorecer os proprietários fundiários na expansão dos latifúndios.

Durante o Regime Militar, entre as décadas de 70 e 80, a Amazônia passou a ser povoada, por conta do lema “terra sem homens para homens sem-terra”. Também, na fase do “progresso” do Brasil, as regiões aldeadas por indígenas passaram a ser povoadas por fazendeiros, a fim de intensificar a agropecuária. Entretanto, este povoamento foi realizado sem nenhum controle ambiental. Hidrelétricas, rodovias e a agropecuária passaram a ser desenvolvidas, desmatando as florestas e matando indígenas. É a época da Transamazônica, da barragem de Tucuruí e da de Balbina, do Projeto Carajás.

Pela geopolítica traçada pelo governo militar, a Amazônia tinha o papel de fornecedor de matérias-primas, para compensar o déficit do balanço de pagamentos gerado pela aquisição de petróleo, a descoberta aurífera tem papel significativo como garantia de pagamento dos juros da dívida externa do Brasil, bem como para lastrear compras à vista do petróleo importado, uma vez que as reservas cambiais brasileiras se encontravam praticamente esgotadas.

Vale ressaltar que a garimpagem sempre esteve presente na história do Brasil e, encontrou pela frente sociedades indígenas indefesas que constituíram presas fáceis a seu domínio avassalador. Na época das entradas e bandeiras e nas formas posteriores assumidas pela garimpagem, seus reflexos negativos sobre as sociedades indígenas nunca despertaram interesse ou protesto da opinião pública nacional e internacional. Todavia, a intensificação da garimpagem no Brasil no início da década de 80 (descoberta do garimpo de Serra Pelada), segundo ciclo do ouro amazônico e brasileiro, renovada e fortalecida em seu potencial de destruição do meio ambiente com a utilização de potentes equipamentos de extração, principalmente na Amazônia, trouxe, em avantajada escala, o martírio para várias sociedades indígenas; contudo, desta vez, a opinião pública, nacional e internacional, não deixou os índios sozinhos na dor e no infortúnio de que sempre foram vítimas na história do Brasil.

Espalhados por todo o Brasil, os Povos Indígenas têm fundamental importância na história e na cultura do nosso país. Infelizmente, muitas tribos, influenciadas pela cultura dos brancos, perderam muitos traços culturais. Podemos dizer que foram violentados em seus domínios pela introdução de doenças, que até então desconheciam, tais como o sarampo, a varíola, a gripe, a tuberculose, a sífilis, e a gonorreia.  Os principais problemas que as comunidades indígenas enfrentam hoje são a consequência daqueles que surgiram há anos. Nos dias atuais há problemas como a miséria, o alcoolismo, o suicídio, a violência interpessoal, que afetam consideravelmente essa população.

Infelizmente, a discriminação sistêmica e estrutural contra os povos indígenas tem sido exacerbada em alguns seguimentos da sociedade brasileira.  O pior, que alguns políticos alimentam essa discriminação. Relembrando algumas declarações: "Os índios estão cansados de serem índios. Eles querem beneficiar-se com os programas do Governo" (Ex. Ministro Mario Andreazza - 1973). Neste contexto, não é de estranhar a fanfarronice do Ex. Deputado Gastão Müller (1973): "Se os fazendeiros quisessem, poderiam ter partido para uma luta armada e seria muito fácil vencer os índios". Mas recentemente: “Se eleito, eu vou dar uma foiçada na Funai, mas uma foiçada no pescoço. Não tem outro caminho. Não serve mais" (2018); “Pena que a cavalaria brasileira não tenha sido tão eficiente quanto a americana, que exterminou os índios” (1998). Acredito que este parlamentar tenha feito alusão ao genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos durante o século XIX, que resultou no massacre de milhões e na destruição irreversível de várias culturas. Ou então assistia muitos filmes de bang-bang, também conhecidos como westerns, retratam muito bem este momento da história triste dos Estados Unidos, mostrando o conflito entre índios e colonos americanos. Afirmações como estas, talvez explique os fatos lamentáveis ocorridos com os Yanomamis em seu território. Uma verdadeira crise humanitária, um verdadeiro genocídio.

Lembramos que o tradicional Dia do Índio, comemorado todo 19 de abril, passou a ser chamado oficialmente de Dia dos Povos Indígenas (Lei 14.402, de 2022). A mudança do nome da celebração tem o objetivo de explicitar a diversidade das culturas dos povos originários. O termo ‘indígena’, que significa ‘originário’, ou ‘nativo de um local específico, é uma forma mais precisa pela qual podemos nos referir aos diversos povos que, desde antes da colonização, vivem nas terras que hoje formam o Brasil.

Será que temos motivo para a total celebração da data sabendo que o desaparecimento das línguas e da cultura indígena continua evoluindo no Brasil, principalmente na região da Amazônia? Possivelmente não. Mas é um espaço de reflexão, fazer uma autocrítica, e planejar estratégias de como avançar no total cumprimento da Constituição Federal promulgada em 1988 (primeira a trazer um capítulo sobre os povos indígenas), onde reconhece os "direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam". Eles não são proprietários dessas terras que pertencem à União, mas têm garantido o usufruto das riquezas do solo e dos rios.

Apesar dos defensores dos índios estarem vencendo brilhantemente a batalha ideológica, seus inimigos têm vencido a guerra real que se trava na sociedade brasileira contra os grupos indígenas, despojando-os de seus territórios e mesmo exterminando-os fisicamente. É tempo de transferir a luta do campo puramente ideológico para tentar alcançar alguma eficácia política.

Muito ainda precisa ser feito para amenizar as lutas dos povos indígenas no Brasil. Os direitos dos povos indígenas, ainda são desrespeitados e ignorados pelas forças do Estado, o que abre margem para grandes indústrias hidrelétricas, de mineração e do agronegócio explorarem terras que não as pertencem, reduzindo ainda mais as possibilidades de moradia e alimentação de milhares de indígenas. 

Para além dos desafios territoriais, os povos indígenas enfrentam, ainda nos dias de hoje, problemas com racismo, preconceito, violação aos direitos das mulheres indígenas, falta de acesso à saúde e serviços públicos, além da alimentação escassa e pobre em nutrientes.

A terra é para os povos indígenas, fonte e mãe da vida. O espaço vital a garantia de sua existência e reprodução ou reconstituição enquanto povos. A terra não é, como na mentalidade capitalista, semente fator econômico-produtivo ou um bem comercial, de propriedade individual, que pode ser adquirido, transferido ou alienado, segundo as leis do mercado. A terra, na visão dos povos indígenas, é mais que um pedaço de chão. Não é apenas base de sustento, mas o lugar territorial onde jazem os ancestrais, onde se reproduz a cultura, a identidade e a organização social própria. Não é a terra que pertence ao homem, é o homem que pertence a terra.

É com os olhos fixos no veredito da História, tradução do julgamento de Deus, que o Brasil deve solucionar o problema dos indígenas. Não como problema de segurança nacional e economia, mas como imperativo da dignidade humana e da honra do povo brasileiro.

A preservação do meio ambiente, é uma condição fundamental para a reprodução da vida, nos moldes tradicionais, nas comunidades indígenas.

Há que se considerar então, que existe relação de respeito entre o índio e a natureza, podendo-se afirmar que o índio, para sua sobrevivência, dentro dos métodos tradicionais, não agride o meio ambiente, como faz o homem que vive na sociedade hegemônica. A terra para o indígena é o seu meio de sobrevivência. Sem ela não há vida.

O Marechal Rondo, em trágica profecia, já em 1916, dizia: "Mais tarde ou mais cedo, conforme lhes soprar o vento dos interesses pessoais, esses proprietários - coram Deum soboles (ante a face de Deus) – expelirão dali os índios que, por uma inversão monstruosa, dos fatos, da razão e da moral, serão considerados e tratados como se fossem eles os intrusos, salteadores e ladrões".

19/03/2023

“Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!”

De todos ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, acredito que a fé e o perdão (principalmente por assassinato de entes queridos), devam ser os mais difíceis de se praticar. Todavia, possivelmente para todos nós humanos, o perdão não é uma tarefa fácil. Nesse momento, me veio na memória uma frase de um amigo no dia do assassinato do seu filho: “Pimenta nos olhos dos outros é refresco”. Apenas substitui o termo chulo. O ditado popular quer dizer que o sofrimento alheio não dói na gente, que é fácil falar quando o problema é com outra pessoa.

No caso específico de ter “Fé”, entendo que todos tenhamos, nem que seja do tamanho de um grão de mostarda. Sobre esse aspecto, compartilho com o que o escritor potiguar Antônio Barnabé Filho, escreveu no seu livro “Buscai o Espírito Santo”: “Nossa fé pode ser comparada à construção de uma torre de concreto: começa o alicerce e, aos poucos e lentamente, vão crescendo tijolo a tijolo. A diferença é que na construção da fé parece que venta muito ou falta matéria-prima”.

Não podemos esquecer que ter fé é crer firmemente em algo, sem ter em mãos nenhuma evidência de que seja verdadeiro ou real o objeto da crença.  É a energia que alimenta todas as crenças e religiões do planeta, desde os primórdios da humanidade. Jesus, em seus ensinamentos, teóricos e práticos, demonstrou integralmente a importância da fé, e o seu potencial inquestionável.

Os próprios apóstolos, seguidores de Jesus, sofriam com a falta de fé. Lembrando do Evangelho de Mateus (8, 23-26): “E, entrando ele no barco, seus discípulos o seguiram; E eis que no mar se levantou uma tempestade, tão grande que o barco era coberto pelas ondas; ele, porém, estava dormindo. E os seus discípulos, aproximando-se, o despertaram, dizendo: Senhor, salva-nos! que perecemos. E ele disse-lhes: Por que temeis, homens de pouca fé? Então, levantando-se, repreendeu os ventos e o mar, e seguiu-se uma grande bonança”.

Não temos como não exaltar a grandeza da fé do povo do sertão nordestino. Seja na abundância da chuva ou na escassez da seca, o sertanejo não muda sua fé. A fé, por estas bandas, resiste a muito mais do que pequenas provações diárias: Resiste à fome, à sede, à tristeza de ver o rebanho morto. Mas, provavelmente, boa parte do Brasil tem ao menos uma gota do sangue nordestino. Sangue devoto.

Quanto ao perdão, repito, não é tarefa fácil e nunca foi. Por isso começamos escrever sobre o perdão lembrando que nós erramos o tempo inteiro, mas não aceitamos que errem conosco. Na verdade, fazemos dos erros dos outros uma justificativa para os nossos próprios.

Desde pequeno, temos vivido sistematicamente sob o princípio de que é preciso ser perfeito e nunca falhar, porque quem falha merece ser punido, repreendido e condenado, mas isso é exatamente o que não queremos para nós mesmos.

Já ouvi inúmeras histórias, de como fulano ou sicrano não perdoariam a ação dos outros. Mas sempre me pergunto, será que há algo que é inerentemente imperdoável? Em muitas circunstâncias, aquilo que tem um peso muito grande para você, pode ser pequeno para o outro e, às vezes, até insignificante. Traição, morte, dor, dor, injustiça, incompetência, falta de ética, perda de dinheiro, mentira, crueldade? Todo mundo tem uma lista negra. Muitas pessoas assumem claramente as suas dores e mágoas, abraçam seus ressentimentos e terminam reiterando sua incapacidade de oferecer perdão aos seus algozes. Tem pessoas que cultivam mágoas como alguém cultiva um jardim. “Não tenho como perdoar o que ele me fez”; “Ninguém nunca passou pelo o que eu passei”; “Eu quero perdoar, mas não consigo”; “Ele foi muito cruel comigo, então, tem que pagar por isso”; “Passe o tempo que passar, eu nunca vou me esquecer do que aconteceu”. Um verdadeiro círculo vicioso: relembrar a mágoa, ressentir a dor e voltar ao desejo de vingança.

Relembramos do atentado que São João Paulo II sofreu em 13 de maio de 1981, e poucos dias depois mostrou ao mundo a força do perdão. Quatro dias após o atentado, João Paulo II, por meio de uma gravação feita no leito do hospital, com voz fraca, disse: “Rezo pelo irmão que me atirou, a quem eu sinceramente perdoei. Unidos a Cristo, Sacerdote e Vítima, eu ofereço meus sofrimentos pela Igreja e pelo mundo”. Em 27 de dezembro de 1983, o Papa João Paulo II, foi até a prisão Rebíbia de Roma, entrou na cela de seu agressor, o jovem Mehmet Ali Agca, e o abraçou.

Não podemos esquecer das famílias judias que foram capazes de perdoar seus algozes nazistas, Historias iguais a essa se multiplicam pelo mundo afora e inadvertidamente nos levam a pensar que, de fato, oferecer perdão é um ato sobre-humano. É preciso ser uma espécie de super-humano para conseguir perdoar de verdade. E que perdão tem a ver com bondade ou superioridade. E que essas pessoas devem ser muito elevadas espiritualmente para não mais desejarem vingança ou justiça por tudo o que lhes aconteceu.

Todavia, perdoar não tem a ver como ser (ou não) bondoso; com ser (ou não) superior. Perdoar é, na realidade, uma questão de inteligência. No entanto, não como medida de proteção contra as pessoas e acontecimentos que foram “culpados” por seu sofrimento, mas por oferecer a você uma possibilidade única de conquistar uma vida mais leve, plena, saudável, feliz e bem-sucedida – pessoal e profissional.

Perdoar, diferentemente do que pode parecer à primeira vista, não é esquecer, mas deixar de se importar, mudar o foco dos seus pensamentos e ações. O perdão faz parte de um processo que, muitas vezes, é doloroso, mas extremamente necessário para a nossa libertação. É como mexer em uma ferida. Resistimos em mexer nela, em abrir e passar o remédio necessário. Mas é dessa forma que ela irá cicatrizar a não doer mais. Expor o ferimento da alma e tratá-lo, não é um ato confortável, mas crucial para que possamos alcançar a cura.

Quando perdoamos alguém, nós nos tornamos livres do passado e de mágoas que nos fazem mal. A falta de perdão desperta sentimentos pecaminosos em nosso coração contra quem fez algo contra nós. Quando perdoamos, somos livres destes pensamentos maus. Com a mente liberta, fica mais fácil nos aproximarmos de Deus e fica mais fácil também nos aproximarmos das pessoas

Estudos já demonstraram que, cada vez que nos recordamos dos acontecimentos que elegemos como imperdoáveis, nosso organismo reage quimicamente a essa lembrança como na primeira vez, aumentando a pressão arterial e os níveis de estresse. Em longo prazo, esse processo pode estar associado ao surgimento de doenças cardiovasculares, além de diabetes e câncer.

De acordo com pesquisadores da Universidade do Tennessee, nos Estados Unidos, as pessoas tendem a se sentir menos hostis, irritadas e chateadas quando param de se vingar e perdoam, o que melhora a qualidade do sono, a tensão, a raiva, a fadiga e a depressão.

É importante separar o joio do trigo. Por exemplo. Esposas que sofrem algum tipo de violência doméstica. Qualquer mulher nessa situação deve recolher imediatamente às medidas legais para garantir que não mais seja vitimada por seu parceiro. No entanto, se possível, ela deve fazê-lo não por raiva ou vingança, mas porque foi efetivamente lesada e lesionada, e tem, em seu favor, uma legislação toda concebida para protegê-la.

As vítimas de violência doméstica também podem (se assim quiserem) perdoar seus parceiros a partir da compaixão, mas que isso não significa, necessariamente, retomar a relação. O que o perdão faz é nos dar a capacidade de deixar o passado para trás. Quando perdoamos, recuperamos nosso bem-estar, nossa autoestima, nosso amor próprio e nossa satisfação pessoal independentemente de fatos e pessoas. Passamos a viver uma vida mais leve, feliz e satisfeita, mesmo com e apesar de tudo o que nos aconteceu. E, principalmente, encontramos uma paz interior duradoura e indescritível.

O perdão é uma ação que requer prática constante. Ele não acontece como num passe de mágica. É preciso praticá-lo todos os dias. Ninguém acorda um belo dia e dirá: “Agora perdoei”. Trata-se de um caminho, uma escolha que só você pode tomar para se libertar do passado e construir um presente e um futuro plenos de amor e compaixão.

Perdoar não significa esquecer ou mesmo acolher de volta aqueles que o magoaram. Significa apenas seguir em frente, sem ressentir ou se vingar pela sua dor. A dor ficou no passado e, no presente positivo que você escolheu construir, não há mais espaço para que ela ecoe!

O perdão é importante para a vida espiritual porque envolve o amor. Quem não perdoa, atrofia a sua capacidade de amar. O perdão é uma das coisas mais libertadoras que alguém pode fazer. A falta de perdão é como uma pedra amarrada na perna de alguém, que a arrasta para o fundo do mar.

Segundo o Evangelho Mateus (18:21-22), Pedro, aproximando-se, de Jesus perguntou-lhe: “Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes? Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete”.

Concluímos, reforçando que o perdão necessariamente não nos fará esquecer o que passou (não! o perdão não é Alzheimer!); apenas nos permitirá relembrar aquela história sem ressenti-la, ou seja, sem senti-la novamente.

Acredito que tudo que acontece em nossa vida sempre merece uma reflexão. Que esse artigo nos permita uma reflexão sobre o perdão e que possa ajudar a espalhar dentro de nós mesmos e entre nossos amigos, familiares, vizinhos e todos os seres humanos na Terra, o PERDÃO.

O bom humor é como o sal

Em 1950, nosso rei do baião, Luiz Gonzaga, gravou a música “A dança da moda”, composta em parceria com o pernambucano Zé Dantas. Na primeira estrofe da música temos: “No Rio tá tudo mudado, nas noites de São João, em vez de polca e rancheira, o povo só dança e só pede o baião”. Fico imaginando como seria essa composição se fosse escrita nos dias atuais. Nem polca, rancheira, xaxado, xote e nem baião, atualmente as festas juninas, foram invadidas por músicas sertanejas e outros estilos músicas. Infelizmente mudanças desse tipo tem ocorrido, com muita intensidade, em vários segmentos de nossa sociedade. Por exemplo, até os programas humorísticos ou melhor dizendo, as formas de se trazer humor para as pessoas tiveram uma mudança radical. Estamos falando dos vídeos compartilhados, tanto pela rede TikTok ou Kwai, que permite a criação rápida de vídeos divertidos e facilitar o compartilhamento com outras plataformas como WhatsApp e Instagram.

Mas, quando se trata de humor, temos que lembrar que o humor está presente na civilização desde às sociedades mais primitivas. Ele é uma capacidade que o ser humano tem de olhar a realidade e ressignificá-la, tornando-a algo engraçado e conferindo-lhe olhar crítico. O humor é uma das formas mais universais de comunicação.

O tempo, provoca profundas transformações na sociedade. Alteram-se os hábitos, visões, valores e até mesmo as formas de governo. O humor acompanha essas mudanças. Ele é produzido historicamente, cada momento possui sua linguagem humorística. Piadas de sucesso, antigamente, dificilmente teriam o mesmo impacto hoje.

Se voltarmos no tempo, na Idade média, as cortes europeias, contratavam os bobos da corte, para divertir os reis e seu séquito. Como um palhaço, era considerado cômico e muitas vezes desagradável, por apontar de forma grotesca os vícios e as características da sociedade. Além de fazer a corte rir, ele também declamava poesias, dançava, tocava algum instrumento e era o cerimonialista das festas. Os bobos da corte não eram nada bobos. Eles possuíam várias habilidades. Alguns bobos, inclusive, sentavam-se à mesa de banquetes com o Rei e seus convidados, e tinham a liberdade de falar coisas aos monarcas que os demais membros da corte não ousariam.

Palhaços, figura popular conhecida por trazer diversão e muitas gargalhadas para seu público. Esse personagem, há muito tempo faz parte da infância das pessoas e até hoje marca presença na vida das crianças. Entretanto, a origem deles, costuma ser confundida com a história do circo. Por isso, não se sabe ao certo quando esse personagem surgiu. Talvez dos próprios bobos da corte, que também usavam máscaras divertidas e diferentes, roupas largas e sapatos engraçados.

Na década de 80, começaram a surgir grupos de palhaços que visitam hospitais e outras instituições de saúde, a fim de modificar o ambiente clínico. Hoje em dia, palhaços hospitalares, palhaços sociais, doutores palhaços ou senhores palhaços são profissionais já reconhecidos e diferenciados. No Brasil existem centenas de iniciativas. Aqui faço uma homenagem a três palhaços brasileiros que fizeram alegria do povo brasileiro: Benjamin de Oliveira (primeiro palhaço negro do Brasil), Arrelia e Carequinha.

Neste momento, um filme passa em minha mente. Um filme real, pois me faz lembrar do meu pai, quando no início da década de 60, levou eu e minha irmã para assistirmos no cinema, que ficava no Bairro de Jaguaribe em João Pessoa, um filme de Jerry Lewis, chamado “O Professor Aloprado”. Conhecido como "Rei da Comédia", ele é um dos maiores comediantes de todos os tempos. Tornou-se famoso por suas comédias estilo pastelão feita nos palcos, filmes, programas de rádio, de televisão e em suas músicas. Boas lembranças!

Nessa época, também fazia sucesso os atores Moe, Larry e Curley, grupo cômico norte-americano, conhecidos no Brasil como Os Três Patetas. Seus filmes estiveram em atividade de 1922 a 1970 com seus curtas e longa metragens. Suas comédias, caracterizavam-se pela farsa e pastelão.

Também tive, na minha infância e adolescência, alegria de assistir e consequentemente rir, com vários humoristas desse pais, tais como: Mazzaropi, Costinha, Golias, Dercy Gonçalves, Agildo Ribeiro, Grande Otelo, Roni Rios (interpretava a velha surda da Praça é Nossa), e não temos com não lembrar do quarteto dos Trapalhões (Didi, Dedé, Mussum e Zacarias).

Nessa grande família de humoristas que surgiram no Brasil e fizeram seu nome na história desse pais, quero destacar Chico Anísio e Jô Soares. Não é exagero falar que Chico Anysio foi um dos maiores humoristas da história do Brasil, se não o maior. O comediante, com toda sua versatilidade, deu vida a diversos papeis e em programas distintos. Arrancou gargalhadas de gerações de brasileiros pobres, remediados e ricos, intelectuais e analfabetos. Sua postura crítica não conhecia limites. Na galeria de tipos cômicos criados por ele, é possível detectar vergonhas nacionais como o coronelismo, o populismo, o analfabetismo. Quem não se lembra do Pantaleão (“É mentira, Terta?”), do deputado Justo Veríssimo (“Quero que pobre se exploda!”), o pai de santo Painho (“Affe! Eu tô morta!), Bozó (“E-eu trabalho na Globo, tá legal?”), Bento Carneiro (vampiro brasileiro), o malandro Azambuja, o boleiro atrapalhado Coalhada, o funcionário público Nazareno, o Baiano, e sem esquecer do Professor Raimundo (“E o salário, ó...”).

Assim como Chico Anísio não temos como não lembrar e exaltar o nosso inesquecível Jô Soares. As novas gerações podem não lembrar, mas Jô Soares foi um dos expoentes da comédia brasileira. Detentor de um talento nato e versátil. Tudo ele acabava levando para o lado do humor, da alegria.

Na televisão, explorou os mais diversos caminhos e deu vida a mais de 200 personagens. As figuras apresentadas no programa Viva o gordo! como Capitão Gay, um super-herói gay que fazia críticas veladas à ditadura, Zé da Galera, torcedor fanático da seleção brasileira, ligava para Tele Santana pedindo alterações nas escalações do time e convocação de outros jogadores, Reizinho, um monarca sempre com problemas no reino, se destacaram nos anos 1980. Um frase do Jô ficou marcada nos últimos dias no hospital, antes de sua morte: "viver não é problemático, difícil é fazer humor".

Com certeza você já ouviu o ditado “rir é o melhor remédio para todos os males”. Se tem algum fundamento científico não posso afirmar mas uma função importante do humor é facilitar as relações sociais, sendo o primeiro passo para a aproximação das pessoas e o estabelecimento da confiança entre elas e dentro de um grupo. Por exemplo, o bom humor no trabalho é uma ferramenta para conectar pessoas, aliviar a tensão e incentivar um clima organizacional positivo. Ter um bom estado de ânimo é importante, principalmente, para quem desempenha cargo de liderança, pois ajuda a manter um ambiente descontraído, fortalecendo sua liderança perante sua equipe.

Alguns pensadores medievais julgavam o riso como demoníaco, sob o pretexto de que Jesus nunca havia rido, como forma de renúncia aos prazeres mundanos, porém para o filósofo grego Aristóteles, o riso seria “próprio do homem”, sinal da racionalidade humana, a necessária ligação do homem com os deuses através das ideias que elevam o espírito (teoria da felicidade). Assim, o riso é uma das poucas coisas que já vieram perfeitas no homem, em suma era (e é) a visão do criador, um presente que não deve ser maculado, pois contem em si, neste aspecto, como imagem e semelhança do Criador.

Na Inglaterra vitoriana, em meados do século XIX, as mulheres não riam. Elas escondiam a boca com o leque. A moça que ria em público era mal falada. Hoje, o sorriso feminino é usado como um instrumento de sedução.

O filósofo alemão, Friedrich Wilhelm Nietzsche, afirmou que o homem sofre tão profundamente que ele teve que inventar o riso. Nesse sentido, é um meio para tornar mais agradável, e gratificante, a existência humana.

Quem na vida cotidiana não gosta de escutar uma piada ou até mesmo contar? Quem nunca não escutou uma piada do Joãozinho (garotinho que faz perguntas ou comentários que provocam espanto em adultos) ou piadas sobre portugueses? Ou mesmo piadas consideradas de “tolerância zero” acerca de Seu Lunga? Personagem do interior do Ceará, famoso pela sua rispidez quando fazem perguntas estúpidas.

Todavia, saber contar piadas é um dom, uma arte que promove um contínuo exercício de memória. O mais chato dos chatos contadores de piada é aquele que, antes mesmo de começar a contá-la, já está rindo. As piadas não pertencem à cultura refinada, mas sim ao entretenimento e lazer de todas as classes.

Hoje não podemos mais brincar ou contar piadas com temas que brincávamos antigamente, e a gente precisa entender e se adequar a isso. Precisamos evoluir, por outro lado, o humor se democratizou bastante.

No século XII, Santo Tomás de Aquino já escrevia que "brincar é necessário para levar uma vida humana", defendendo que as piadas seriam importantes para repor as "forças do espírito".

O que seria da vida sem humor? O poder de uma boa gargalhada é inegável. Ela libera imediatamente hormônios que nos dão uma sensação de bem-estar. É daí que parte o clichê “rir é o melhor remédio”.

O humor é um dos principais sinalizadores das emoções humanas e naturalmente, é praticamente impossível estar sempre bem-humorado. Por mais que o indivíduo tente esconder seus conflitos internos, o humor sempre acaba transmitindo a verdade.

Rir faz a pressão sanguínea baixar, além de aumentar a quantidade de oxigênio no sangue, o que só faz bem ao coração. Como nessa hora de empolgação muito ar é inalado, os pulmões são ventilados e ficam mais limpos. Dar risada também ajuda a aumentar a quantidade de células protetoras no corpo. Assim, o risco de ficar doente é menor. Além disso, a endorfina produzida quando você está de bom humor faz sentir menos dor. Uma boa gargalhada movimenta os músculos do abdômen, do rosto, das pernas, das costas.

Há quem diga que o bom humor é como o sal: um pouco pode ser a medida certa. Um “muito” pode estragar tudo.

Quando nossos filhos eram menores, inclusive bebês, nós os ensinamos a rir fazendo carinhos, cócegas, massagens, etc. Pois nós somos os mesmos e eles também. Isso reforça a necessidade ou melhor, de lembrarmos que os filhos precisam de um ambiente no qual, habitualmente, está presente o bom humor. Quando isso não acontece, o lar mergulha pouco a pouco em um torpor parecido à tristeza, que nunca é produtiva nem diminui em nada os problemas.

Freud, o pai da psicanálise, define o humor como “o mais elevado grau de sofisticação do ser humano, a manifestação mais sofisticada do espírito humano”. Ele foi autor de dois grandes trabalhos sobre senso de humor, característica que atribuía a si mesmo. Nos trabalhos, falou sobre piadas, trocadilhos, sobre o cômico.

É preciso fazer um esforço para encarar a vida com mais leveza. Viver com leveza é praticamente um ideal de vida. Com tantos afazeres e perrengues na rotina, precisamos de momentos que aliviam a tensão e aumentam a descontração entre às pessoas. 

Então, devemos sempre lembrar e tomar como experiência a música “Emoções” de Roberto Carlos: “Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi”.

17/01/2023

“Voa, canarinho voa, mostra pra esse povo que és um rei”

Rádio portátil Mitsubishi M8x

Logo após a eliminação da nossa querida canarinho, da Copa do Mundo do Catar, recebi uma mensagem, através do whatsapp, do amigo paraibano Marcílio Coutinho, cobrando uma crônica sobre a Copa. De imediato achei uma boa ideia escrever sobre o assunto.

Um filme passou na minha mente sobre a primeira copa do mundo, a qual tive conhecimento. Ocorreu em 1966, vendo o meu querido pai José Romeu Viana escutando jogos da Copa do Mundo na Inglaterra, pelo rádio portátil Mitsubishi M8x. Nessa época, morávamos em Solânea na Paraíba. Apesar de ainda não entender de futebol, os resultados da seleção brasileira, não o deixaram feliz. Todavia, quatro anos depois, já com o futebol mais vivo na minha vida, tive a alegria de vibrar com todas as vitórias da nossa seleção na Copa do Mundo de 1970. Infelizmente tivemos que acompanhar os jogos pelo rádio, pois na cidade em que eu morava, a recepção dos canais de TV deixava a desejar. Após cada jogo da seleção, eu e meus amigos do bairro, dirigimos para um pequeno campo de futebol, perto de minha residência, para virarmos os Pelés, Rivelinos, Tostãos e Jairzinhos da época.

Não há como não lembrar da ótima marchinha de Miguel Gustavo, que converteu-se no hino semioficial da Seleção: “Noventa milhões em ação / Pra frente, Brasil, do meu coração (...) De repente é aquela corrente pra frente / Parece que todo o Brasil deu a mão (...) Todos juntos, vamos, pra frente, Brasil”.  Tempo bom!

Quatro anos depois assisti pela primeira vez uma Copa do Mundo pela televisão (imagem colorida). Bem, a alegria foi apenas assistir os jogos, pois a seleção foi um fracasso. Como diz a música do cantor Cazuza, “O Tempo Não Para”. Cinquenta e dois anos se passaram da Copa de 70. Nesse período, algumas alegrias e muita tristeza com a nossa Canarinho. Mas isso faz parte. Não somos os únicos a jogarmos futebol sobre a face da terra.

Nesse momento, vamos passear um pouco no tempo. Começaremos com a quarta Copa do Mundo, que foi realizada no Brasil em 1950. Foi a primeira Copa do Mundo depois da interrupção de 12 anos causada pela Segunda Guerra. Destruídos e abalados pela longa guerra, nenhum dos países europeus tinha condição de sediar a quarta Copa do Mundo. O Brasil foi o único candidato.

Após trilhar um caminho de goleadas nas primeiras fases do mundial, o Brasil chegou como o grande favorito no jogo decisivo, contra a seleção do Uruguai, precisando apenas de um empate para levantar a primeira taça mundial. Mas infelizmente o resultado foi 2 a 1 para o Uruguai. O Brasil, deixou escapar um título que era tido como certo. A partir dali, começava o maior julgamento na história do futebol. A seleção brasileira abriu o placar, mas cedeu o empate. O resultado ainda era o suficiente para a seleção canarinha, mas o goleiro Barbosa tomou um gol, em um lance relativamente fácil.

A culpa da eliminação caiu toda sobre as costas do goleiro Barbosa. Aquele que na época era considerado o melhor arqueiro do país, ficou marcado como o maior responsável pela derrota da seleção.  O lance marcou sua carreira e até hoje ele é conhecido como o “homem que fez o Brasil chorar”. Na verdade o que aconteceu, foi que o Uruguai jogou bem e o Brasil teve uma tarde infeliz. Vale lembrar que poucos meses antes, as duas seleções haviam se enfrentado num amistoso preparatório e o Uruguai tinha levado a melhor: 4 x 3.

Depois da ressaca do Maracanaço, no mundial de 1950, a seleção brasileira passou por uma reformulação, tendo em vista a Copa do Mundo de 1954, que se realizaria na Suíça, terra dos relógios e chocolates. Passou a contar com jogadores que fariam história com a amarelinha, mas não em 1954. O elenco contava com, entre outros, Nilton Santos, Djalma Santos e Didi. Naquela Copa, o Brasil dava aula de qualidade técnica quando entrava em campo. Até o uniforme foi mudado. A famosa camisa amarela fez a sua estreia em Copas, substituindo a branca, considerada um dos fatores de "azar" na derrota para o Uruguai, em 1950. Nas quartas de final, a rival foi a poderosa Hungria, que não deu chances ao Brasil. O Brasil perdeu por 2 x 1 e foi eliminado. Neste jogo, a vítima foi o zagueiro Pinheiro. Logo aos quatro minutos de jogo o defensor tentou sair driblando dentro de sua própria área e entregou a bola para os adversários abrirem o placar.

Depois de cinco tempestades em Copa do Mundo, veio a bonança. Ganhamos a primeira Copa do Mundo em 1958 e quatro anos depois a segunda Copa do Mundo. Como dizia Nelson Rodrigues, a seleção passou a ser a pátria de chuteiras.

Mas nem tudo são flores, principalmente no futebol. Quatro anos depois fomos para a “Terra da Rainha" disputar nossa sétima Copa do Mundo. O Brasil vinha agora de um bicampeonato com os títulos de 1958 e 1962, período que surgiram os dois maiores gênios do futebol brasileiros: Rei Pelé e Mané Garrincha.  Todavia, a campanha em 1966 foi um vexame histórico refletido no 11º lugar da Seleção. A seleção brasileira apresentou um futebol apático, sem criatividade, sendo facilmente dominada por equipes um pouco mais estruturadas, como Hungria e Portugal.

Durante os anos, vários fatores foram apontados como responsáveis pela queda precoce, dentre os quais o envelhecimento dos bicampeões mundiais, que fizeram parte do grupo, casos de Gilmar, Bellini, Djalma Santos e Garrincha.

Mas, graças a Deus, na Copa do Mundo realizada em 1970, o Brasil se redime de 1966 e, comandado por genialidade de Pelé e craques como Tostão, Jairzinho, Gerson, Rivellino & Cia., conquista o tri e, para sempre, a Jules Rimet.

Depois da conquista do Mundial em 1970, o Brasil passou por uma grande renovação na preparação para a Copa do Mundo de 1974. A Seleção avançou à Segunda Fase, mas foi eliminada pelo Carrossel Holandês. Para a imprensa, o mau desempenho era resultado do estrelismo dos jogadores, pouco comprometidos com a missão nacional de ganhar o tetracampeonato e uma nova superioridade técnica dos times europeus. Políticos propuseram a instalação de uma CPI para investigar a CBD, atribuindo o fracasso à má gestão.

Na Copa do Mundo de 1978, a expectativa era de um futebol revolucionário, mas o que se viu foi o contrário. Um futebol muito burocrático e de pouca inspiração. O Brasil não fez uma boa Copa, longe disso, mas uma goleada suspeita dos donos da casa no Peru tirou o Brasil da final. O treinador Claudio Coutinho foi massacrado pela imprensa, mesmo com o terceiro lugar no mundial. O pior, terminou a Copa invicto. O técnico Cláudio Coutinho, então, cunhou uma expressão que até hoje serve para definir o desempenho brasileiro naquele mundial: "somos os campeões morais".

Em 1982, a seleção canarinha era favorita, já que apresentava o melhor futebol disparado. Para muitos, a seleção de 1982 era tão boa quanto a de 1970 mas acabou eliminada na segunda fase da Copa de 1982, após derrota para a Itália. O Brasil parou contra o disciplinado time italiano de Paolo Rossi. A atuação de Rossi foi espetacular, fazendo os 3 gols da Itália, mas para os brasileiros, o maior culpado pela derrota foi Toninho Cerezo. Em um momento da partida, Toninho tentou sair jogando, mas um erro de passe terminou no segundo gol da Itália. Depois, o Brasil tomou outro gol, que ocasionou sua desclassificação do torneio. Uns culpam Telê Santana por não ter segurado o empate. Alguma lembrança da Copa do Catar? Outros olham para os erros individuais de Júnior no primeiro e no terceiro gol. Na verdade, o erro coletivo de marcação no primeiro gol e falha na bola parada, explicam derrota largamente romantizada. A derrota foi batizada pela imprensa de “Tragédia do Sarriá”. Um trauma eterno de uma seleção que não conquistou a Copa, mas conquistou o mundo.

Após a decepção da Seleção Brasileira na Copa de 1982, o Brasil teria uma nova chance para buscar o tetracampeonato na Copa de 1986, realizada no México, após desistência da Colômbia, porém nas quartas de finais, o Brasil foi eliminado pela França. Durante o jogo, a seleção brasileira teve um pênalti assinalado ao seu favor. O craque Zico foi para a cobrança, mas não fez o gol. Infelizmente o jogo foi para a disputa de pênaltis e a França bateu o Brasil. Assim como nas copas anteriores ensinaram, nem mesmo os grandes craques brasileiros escaparam de falhar em momentos cruciais na competição. Porém, na Copa do Mundo de 1986 no México, essa máxima ultrapassou todos os limites, pois pela primeira vez, o ídolo máximo do Brasil, seria crucificado.

Na Décima quarta copa do Mundo realizada na Itália, a seleção canarinho parou nas oitavas após perder para Argentina. Faltando dez minutos para o final, Maradona resolveu acordar no jogo, driblou boa parte da defesa brasileira e tocou para Caniggia mandar a bola para a rede de Taffarel. O técnico Sebastião Lazaroni, caiu em desgraça após a Copa. O curioso é que a melhor atuação da equipe foi justamente na partida da eliminação.

Finalmente, em 1994, nos Estados Unidos, a canarinho ganhou pela quarta vez uma Copa do Mundo. O Brasil chegou aos Estados Unidos desacreditado. A seleção sofreu para passar pelas eliminatórias sul-americanas. Porém, durante a Copa, o time mostrou consistência e tranquilidade para buscar os resultados e levá-lo a final contra a Itália. Pela primeira vez, o título seria decidido nos pênaltis. E o time brasileiro foi mais competente. O planeta bola se tornava novamente verde-amarelo.

Escrever sobre participação do Brasil na Copa do Mundo de 1998, na minha opinião, resume-se principalmente em lembrar da dolorida derrota por 3 a 0 da seleção brasileira para a França na final. O Brasil jamais havia perdido um jogo de Copa do Mundo por tamanha diferença de gols. O clima para a seleção brasileira na grande final não foi dos melhores. No quarto do hotel, Ronaldo teve uma convulsão, mas mesmo assim disse que estava bem e pediu para jogar. Então, Zagallo escalou o fenômeno, que apático, assim como o elenco brasileiro, não impediu o placar negativo de 3 a 0 com um show de Zidane. Após o término do jogo, várias teorias da conspiração começaram a pairar no ar. Dentre elas, de que Ronaldo e o elenco brasileiro teriam entregado o jogo para a França, após acordo com a Nike. Por conta disso, uma CPI foi instaurada e jogadores e o técnico Zagallo foram convocados, mas as especulações não saíram do papel.

Agora era a vez da Copa do Mundo 2002. Após passado o pesadelo das eliminatórias, tendo em vista os seguidos maus resultados da equipe, levando ao Brasil só garantir a classificação na última rodada, o Brasil chega a final contra Alemanha. Com dois gols de Ronaldo fenômeno, e finalmente conquista do pentacampeonato.

Novo objetivo. A conquista do hexacampeonato. Mas infelizmente nas duas copas consecutivas o Brasil cai nas quartas de final.

Em 2006, perdeu para a França. O único gol foi anotado pelo francês Thierry Henry, já na segunda etapa. Após esse tento, surgiu o grande “vilão” por parte do lado brasileiro, o lateral-esquerdo Roberto Carlos. Ele estava ajeitando os meiões, justamente no exato momento em que Zidane cobrava falta no campo ataque, que resultou em gol de Thierry Henry. Roberto Carlos foi considerado por muitos, um dos principais culpados pela eliminação brasileira, naquela copa, mesmo em um time que já apresentava problemas.

Já em 2010, a eliminação ocorreu após perder para Holanda pelo placar de 2 x 1. O Brasil abriu o placar mas a Holanda empatou após um esbarrão do criticado Felipe Melo no goleiro Júlio César. Em seguida, a Holanda fez o segundo gol. Felipe Melo confirmando o seu estilo temperamental, pisou no jogador holandês e foi expulsão.

Em 2014, voltamos a ter uma Copa do Mundo no Brasil. A Seleção Brasileira chega a semifinal contra a Alemanha, com uma campanha convincente, mas nessa fase aconteceu o fatídico 7x1. Performance desastrosa dos atletas brasileiros. Nem o brasileiro mais pessimista imaginava, mas o Maracanaço se tornou um Mineiraço.  No fim do jogo, declarou o técnico Luiz Felipe Scolari: “A responsabilidade pelo resultado catastrófico é minha”.  Bem, de quem é, eu não sei, mas manchou para toda eternidade a história do futebol canarinho.

Chegamos na Copa do Mundo da Rússia. Quatro anos tinham se passado dos 7x1. A seleção tinha feito uma tranquila eliminatória. A seleção chega as Quartas de Final mas novamente o sonho do hexa é adiado. Perde para a Bélgica e volta para casa. Desta vez o bode expiatório, foi o jogador Fernandinho, errou na maioria dos botes que tentou durante o jogo e abriu o placar da derrota para a Bélgica, fazendo um gol contra, sem nenhum adversário próximo dele. Para completar, não parou a arrancada do jogado Belga Lukaku no lance do segundo gol da Bélgica.

Depois desse passeio no tempo, chegamos em 2022 na Copa do Catar. Para não sair da rotina, a canarinho foi eliminada mais uma vez nas quartas de final. Lembrando de uma frase de Nelson Rodrigues: “Nas derrotas muito amargas, a tendência natural da torcida é caçar, por toda parte os culpados”. Na verdade, isto tem sido feito em todas as vezes que o Brasil não ganha uma Copa do Mundo. E agora José? Diria Carlos Drummond. O jogo acabou. E o que fazer agora? A resposta existe, se o Brasil voltar ao seu passado com respeito e depois com olhar crítico para buscar melhorar no futuro.

Não podemos esquecer que a seleção brasileira ainda é a única a ostentar cinco títulos mundiais. Se pensarmos que existem oficialmente 195 países do mundo e que apenas sete países tiveram esse feito em noventa e dois anos, talvez consigamos entender como é difícil ganhar uma copa do mundo e valorizar o que o Brasil fez até hoje, sem buscarmos tantos “bodes expiatórios”.

Em um estudo realizado na Universidade de Amsterdã, pesquisadores descobriram que os jornais mais sensacionalistas, costumam ter uma estratégia em comum: fazer com que a população procure um culpado para tudo o que acontece.

O cartunista americano Bill Watterson tem uma frase que diz: “Não há nenhum problema tão terrível que você não pode adicionar um pouco de culpa e torná-lo ainda pior.

Algumas derrotas do escrete canarinho, foram dotadas da dramaticidade das tragédias gregas e capazes de colocar o torcedor diante de indagações metafísicas sobre o sentido da vida e outros babados.

A derrota é uma perda, é uma decepção, é uma certeza de oportunidade desperdiçada, talvez a última de suas vidas, e se assemelha ao luto. Eu acredito que a vida seria péssima se tivéssemos tudo que desejamos. Se bastasse esfregar a lamparina mágica e pedir algo para um gênio realizar, a vida seria um porre. Por isso inventaram o tempo, para dosar nossas decisões, para aprendermos a dar valor nas vitórias e nas derrotas, algumas vezes, também. Quem sabe se daqui a quatro anos não cantaremos novamente: “Voa, canarinho voa Mostra pra esse povo que és um rei”.

18/12/2022

O Homem que abalou os alicerces da história humana através de sua própria história

Todos sabemos que o mês de dezembro é um mês doce e cheio de significado para as nossas vidas ou melhor, para toda humanidade cristã, pois comemoramos no dia 25 de dezembro o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo.

É tempo de repensar valores, de ponderar sobre a vida e tudo que a cerca. É momento de deixar nascer essa criança pura, inocente e cheia de esperança que mora dentro de nossos corações.

É tempo de refletir sobre o significado de comemorar o nascimento de Jesus, o que Ele significa para o ser humano e que Ele veio para nos salvar dos pecados e nos dá a vida eterna com Deus.

Fazendo um pequeno retrospecto, podemos dizer que a história de Jesus Cristo teve particularidades em toda a sua trajetória: do nascimento à morte. Ele abalou os alicerces da história humana através de sua própria história. Seu viver e seus pensamentos atravessaram gerações, varreram os séculos, embora de nunca tenha procurado status social ou político.

Ele cresceu sem se submeter à cultura clássica do seu tempo. Quando abriu a boca, produziu pensamentos de inconfundível complexidade. Tinha pouco mais de trinta anos, mas perturbou profundamente a inteligência dos homens mais cultos de sua época.

Sua vida sempre foi árida, sem nenhum privilégio econômico ou social. Conheceu intimamente as dores da existência. Contudo, em vez de se preocupar com as suas próprias dores e querer que o mundo gravitasse em torno das suas necessidades, ele se preocupava com as dores e necessidades alheias.

Teve um nascimento indigno, e os animais foram suas primeiras visitas. Provavelmente, até as crianças mais pobres têm um nascimento mais digno do que o dele. Quando tinha dois anos, deveria estar brincando, mas já enfrentava grandes problemas. Era ameaçado de morte por Herodes. Poucas vezes uma criança frágil e inocente foi tão perseguida como ele. Fugiu com seus pais para o Egito, fez longas jornadas desconfortáveis, a pé ou no lombo de animais.

Com apenas 12 anos de idade, os doutores da lei, admirados, sentavam ao seu redor para ouvir sua sabedoria (Lucas 2, 39-44). Seus discípulos ficavam continuamente atônicos com sua inteligência, enquanto seus opositores emudeciam diante do seu conhecimento e faziam “plantão” para ouvir suas palavras (Mateus 22:22). Tornou-se um carpinteiro, tendo de labutar para sobreviver. 

A inteligência do carpinteiro de Nazaré era tão impressionante que ele discursava sobre temas que só seriam abordados pela ciência 19 séculos depois, com o surgimento da psiquiatria e da psicologia. Cristo se adiantou no tempo e discorreu sobre a mais insidiosa das doenças psíquicas, a ansiedade (Mateus 6, 25-34).

Cristo tanto prevenia a ansiedade como discursava sobre o prazer de viver. Dizia: “Olhai os lírios dos campos” (Mateus 6:28). Queria que as pessoas fossem alegres, inteligentes, mas simples. Porém, assim como seus discípulos, nós não sabemos comtemplar os lírios dos campos, ou seja, não sabemos extrair o prazer dos pequenos momentos da vida. A ansiedade estanca esse prazer.

Ao analisar a história de Jesus, fica claro que os invernos existenciais pelos quais ele passava não o destruíam, pelo contrário, geravam nele uma bela primavera existencial, manifesta em sua sabedoria, amabilidade, tranquilidade, tolerância.

Foi incompreendido, rejeitado, zombaram dele, cuspiram em seu rosto. Foi ferido física e psicologicamente. Porém, apesar de tantas misérias e sofrimentos, não desenvolveu uma emoção agressiva e ansiosa; pelo contrário, exalava tranquilidade diante das mais tensas situações e ainda tinha fôlego para discursar sobre o amor no seu mais poético sentido.

Jesus não tinha preconceitos. Falava com as pessoas em qualquer ambiente. Não perdia oportunidade para conduzir o ser humano a se interiorizar. Era de tal forma contra a discriminação que fazia com que os moralistas da sua época tivessem calafrios diante das suas palavras. Teve a coragem de dizer aos fariseus que os corruptos coletores de impostos e as meretrizes os precederiam em seu reino (Mateus 21:31). Os coletores de impostos eram odiados e as prostitutas eram apedrejadas na época. Todavia, o plano transcendental de Cristo arrebata a psicologia humanista. Nele alguém considerou tão dignas pessoas tão indignas. Nunca alguém exaltou tanto pessoas tão desprezadas. Nunca alguém incluiu tanto pessoas tão excluídas.

Quando queria demonstrar que era contra qualquer tipo de discriminação, economizava no discurso e tinha atitudes inesperadas. Se queria demonstrar que era contra a discriminação por razões estéticas ou doenças contagiosas, ia fazer suas refeições na casa de Simão, o leproso. Quando queria demonstrar que era contra a discriminação das mulheres, tinha complacência e gestos amorosos para com elas diante das pessoas mais rígidas. Se era contra a discriminação social, ia jantar na casa de coletores de impostos, que eram a “raça” mais odiada pela cúpula judaica.

Sua delicadeza para incluir e cuidar das pessoas excluídas socialmente representava um belo retrato de sua elevada humildade. Era tão sociável que participava continuamente de festas. Participou da festa em Caná da Galileia, da festa da Páscoa, do tabernáculo e de muitas outras.

A proposta de Cristo do perdão é libertadora. A maior vingança contra um inimigo é perdoá-lo. Ao perdoá-lo, nos livramos dele, pois ele deixa de ser nosso inimigo. O maior favor que fazemos a um inimigo é odiá-lo ou ficarmos magoados com ele. O ódio e a mágoa cultivam os inimigos dentro de nós.

Cristo viveu a arte do perdão, Perdoou quando rejeitado, quando ofendido, quando incompreendido, quando ferido, quando zombada, quando injustiçado; perdoou até quando estava morrendo na cruz. No ápice da sua dor, disse: “Pai, perdoai-os pois eles não sabem o que fazem...” (Lucas 23:24). Esse procedimento tornou a trajetória de Cristo livre e suave.

A prática do perdão de Cristo era fruto da sua capacidade incontida de amar. Com essa prática, todos tinham contínuas oportunidades de revisar a sua história e crescer diante dos seus erros. O amor de Cristo é singular, ninguém jamais pode explicá-lo.

Cristo se doou e se preocupou ao extremo com a dor do “outro”, mas ninguém se preocupou com a sua dor. Foi ferido e rejeitado sem oferecer motivos para tanto. Era tão dócil, e sofreu tanta violência. Não queria o trono político, mas o trataram como se fosse o mais agressivo dos revolucionários.

Se Cristo vivesse nos dias de hoje, também seria uma ameaça para o governo local? Seria drasticamente rejeitado? Provavelmente, sim. Embora preferisse o anonimato e não fizesse propaganda de si mesmo, não conseguiu se esconder. É impossível esconder alguém que fale o que ele falou e faça o que ele fez.

Mesmo que Cristo não tivesse feito nenhum milagre, os seus gestos e pensamentos foram tão eloquentes e surpreendentes que, ainda assim, ele teria dividido a história... Depois que ele passou por essa sinuosa e turbulenta existência, a humanidade nunca mais foi a mesma. Se o mundo político, social e educacional tivesse vivido minimamente o que Cristo viveu e ensinou, nossas misérias teriam sido extirpadas, e teríamos sido uma espécie mais feliz...

O Natal é simplesmente uma ternura do passado, o valor do presente e a uma esperança do futuro. Que o Natal nos traga a paz e iluminação Divina, e esperança para um ano novo de sementes e frutos de felicidade, paz, amor e saúde. E que os ensinamentos de Nosso Jesus Cristo nos faça derrubar as barreiras criadas por ideologias políticas e que aprendamos a construir pontes de união e fraternidade.

Um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo.

Referência bibliográfica:

Cury, Augusto Jorge, O Mestre dos Mestres. Rio de Janeiro. Editora Sextante, 2006.

22/11/2022

“Juro pela minha honra que hei de dizer toda a verdade e só a verdade”

Neste período de política, me trouxe a lembrança do Pantaleão, um dos centenas de personagens do genial Chico Anysio. Pantaleão era um senhor de idade, vivido, barbas longas e brancas, usando um par de óculos, cuja lente escura ficava apenas cobrindo o olho esquerdo. Pantaleão passava o dia numa cadeira de balanço contando estórias e mais estórias. Tinha prazer em ser um mentiroso, preceito básico para uma mentira pegar. Contava seus causos fabulosos e perguntava à esposa: É mentira, Terta? Ela respondia: Verdade!

A mentira é algo tão estrutural na história da humanidade que Deus precisou colocá-la no rol de suas proibições nos 10 mandamentos: “Não levantarás falso testemunho”. Jesus intitulou o demônio como o autor e o ‘pai da mentira”. E nós, tragicamente, inventamos um dia do calendário (1º de abril) para celebrá-la.

O dia da mentira surgiu no início do século XVI, na França. Nessa época o ano novo se iniciava no dia 25 de março, data que marca o começo da primavera e como de costume, havia troca de presentes e felicitações. Porém, em 1564, o Papa decretou que o ano novo cristão se iniciaria no dia 1º de janeiro, como é até hoje, fazendo com que alguns franceses resistissem à mudança.

Essas pessoas consideradas conservadoras, passaram a ser chamadas de "bobos de abril" e eram ridicularizados com brincadeiras nessa data (convites para festas inexistentes e falsos presentes). A prática se espalhou pelo mundo inteiro, começando pela Inglaterra (quase 200 anos depois do ocorrido) e até hoje o dia 1º de abril é comemorado ao redor do mundo.

No Brasil, a tradição foi introduzida em 1848, com o noticiário impresso mineiro “A Mentira”, que trazia em sua primeira edição a morte de Dom Pedro II na capa e foi publicado justamente em 1º de abril. Dois dias depois o jornal teve que desmentir a publicação, visto que muita gente realmente acreditou na notícia. Dom Pedro II nasceu em 1825 e faleceu em 1891.

Apesar da permissão lúdica no dia 1º de abril, na verdade, é que a mentira acarreta uma série de transtornos em nossa vida prática, e não é fácil conviver com pessoas que têm o hábito de sempre inventar as coisas.

A mentira, é qualquer forma de comportamento que forneça informações falsas ou privar alguém das verdadeiras. Mentir pode ser um ato consciente ou inconsciente, verbal ou não verbal, declarado ou não declarado. Nesse sentido, um sorriso falso é uma mentira.

Acredito que todos nós já sofremos ou fizemos alguém sofrer por causa de uma mentira. Negar isso é recusar que somos parte da humanidade. A quem diga que somos mentirosos por natureza.

É difícil imaginar um mundo ao nosso redor sem a existência da mentira. A mentira está presente em todos os momentos da nossa vida. Os outros mentem, nós mentimos, há grandes mentiras históricas, a mídia mente…

Encontramos no dia a dia, os mentirosos compulsivos, que são aquelas pessoas que apresentam um transtorno de personalidade, e o comportamento de inventar histórias que pode ser observado desde a sua infância. A mentira tornou-se um hábito em sua vida, as invenções ficam cada vez mais extravagantes com o passar do tempo.

Também temos os mentirosos conscientes que são aqueles onde eu, você e 99% da população estamos incluídos. Aquela mentirinha para “sair bem na foto”, aquela história inventada para ser aceito no grupo ou “ficar por cima” nas situações do cotidiano. A diferença é que, nesse caso, a pessoa tem consciência de que está fazendo algo errado.

Um exemplo prático pode ser o de uma pessoa que está passando por uma dificuldade financeira e tenta esconder essa condição do seu círculo de amizades. Ao tentar mostrar que se está próspero, acaba se endividando ainda mais. Para manter as aparências, o indivíduo banca situações incompatíveis com suas possibilidades, assumem compromissos que não têm como honrar, pegam empréstimos e afundam-se ainda mais na sua mentira.

Mas, em outros, se caracteriza como uma doença. O mitômano, ou mentiroso crônico, como é chamado o paciente com essa patologia, faz isso sem mesmo perceber. A mentira é algo tão compulsivo para esse indivíduo que interfere até mesmo a sua capacidade de julgar racionalmente uma situação, seja nos seus relacionamentos, seja na sua vida em sociedade.

Muitas pessoas acreditam que é preciso mentir para viver em sociedade. Na realidade, as vezes mentimos para tirar alguma vantagem, ou nos livrarmos de alguma culpa. Para pouparmos alguém de uma notícia dura ou garantir a própria sobrevivência. Mentimos ao dizer que, sim, está tudo bem, quando não está.

Algumas pessoas inventam histórias para serem mais felizes, para alegrar ou não magoar os outros. Para proteger alguém ou a si mesmas. Para conquistar um par, para conseguir uma vaga de emprego ou uma promoção. Para evitar as consequências negativas de um erro e preservar a própria reputação. Por medo, por amor, por vaidade, por pena. É uma prática comum em todos os aspectos da vida que envolvam relações sociais.

A vida em sociedade e seu jogo de aparências em muito é uma mentira. Estamos sempre tentando parecer aos outros o que de perto não somos.

Todavia, inventar uma mentira é como uma bola de neve, quanto mais a história vai crescendo, mas vai ganhando novos elementos. O pior é que a pessoa que mente fica presa a sua mentira, uma vez que não poderá jamais esquecer o que relatou.

Além das mentiras existem a “meia verdade”, os exageros, as omissões, os esquecimentos providenciais, o blefe, o perjúrio, a dissimulação, o fingimento e outras formas de burlar a verdade. Mentir é um ato que aperfeiçoamos com o tempo, até que nos tornemos especialistas.

Há pessoas que acreditam não mentir, ou que dizem fazê-lo apenas raramente. Essas pessoas estão enganando a si mesmas. Estão mentindo para si mesmas sobre mentir.

O Professor Cândida Silva Joaquim (português), com bacharelado em Filologia, em seu artigo "Mentiras" in Sociologia - Problemas e Práticas (revista Sociologia, Problemas e Práticas -1991), argumenta que “mentir é só uma das muitas maneiras de enganar, embora a única que se distingue pelas suas características especificamente linguísticas”.

Segundo pesquisadores, nunca se mentiu tanto com a popularização e acesso facilitado aos meios de comunicação. O conceito de fake news ganhou forma. Notícias falsas espalham-se rapidamente. O ambiente virtual torna muito mais difícil distinguir sinceridade de falsidade, verdades de mentiras. Embora a tecnologia tenha facilitado o trabalho de revelar verdade, por outro, manipular a realidade passou a ser bem mais comum. As fake news nas redes sociais estão na maioria das vezes, sendo usadas apenas para criar boatos e reforçar um pensamento, por meio de mentiras e da disseminação de ódio.

Outro ponto a se destacar, é a mentira no ambiente de trabalho. É tóxica e causa grandes danos. Quem fala a verdade tem boa reputação e alta credibilidade com relação aos demais. Hoje em dia, isso é precioso e abre muitas portas e oportunidades. Uma pessoa que fala a verdade, é vista como alguém confiável, a confiança é o principal elo entre as relações. Os benefícios de uma boa reputação, não se estende somente às pessoas, mas às empresas que são admiradas pelo mercado. Este, por sua vez, é implacável com as companhias que não são éticas. Os custos da mentira são caríssimos, não só com a perda do valor das ações, mas com a reação e boicote dos clientes.
Entre todas as profissões, a dos políticos é a que tem os mentirosos mais eficazes. Os políticos mentem mais vezes, com mais intensidade e melhor do que outros mortais.

Os políticos são vendedores, e o que eles vendem, são muitas vezes, ilusões. Eles são mestres de manipular nossos medos, esperanças e apresentar imagens falsas ou enganosas de si mesmos, do estado do mundo e do que eles farão. Parece que é simplesmente impossível ser um político de sucesso, sem ser um mentiroso habilidoso.

Um político que se vê como um messias sempre acha que suas mentiras são por um bem maior.  Os maus exemplos são tantos que daria um livro imenso de casos e citações que dificilmente seriam contestados, porque ocorreram, continuam ocorrendo e irão continuar acontecendo.

Infelizmente o brasileiro tem razão para desacreditar na classe política por tudo que ouve e vê acontecer no cenário político brasileiro. Nada muda na vida deste povo. É mentira ali, mentira aqui.

A bem da verdade, a mentira é um comportamento social, aprendido e reproduzido desde os primeiros anos de idade. Embora a natureza nos tenha presenteado com o dom da verdade, a mentira é aprendida. E isso acontece por que as crianças são cercadas por adultos que mentem. Não tenho dúvida que desde pequenos, os pais costumam ensinar aos filhos que mentir é errado, porém em alguns momentos, as atitudes dos pais confundem a cabeça das crianças. Por exemplo, quando um telefone/celular toca e o filho atende. Muitas vezes o pai pede ao filho para perguntar quem é e acrescenta: “Se for fulano, diga que não estou!”. E a criança explica, sem cerimônia: “Meu pai mandou dizer que não está”. São centenas de exemplos que as crianças recebem diariamente dos adultos. Vendo os pais contando essas mentiras corriqueiras geram na criança a possibilidade de ela fazer a mesma coisa.

Importante ressaltar, apesar do aprendizado adquirido com os pais, as crianças mentem principalmente para obter o quer precisam e para evitar o que temem. Mas não podemos esquecer que somos o maior exemplo para nossos filhos.

Já as histórias como Papai Noel e Coelho da Páscoa não devem ser consideradas como mentiras, já que fazem parte da imaginação dos pequenos e são simbólicas, muito diferente de distorcer fatos reais. Essas fantasias são saudáveis durante a infância, e não há problema deixar a criança acreditar em personagens fictícios por um tempo. Agora, é importante que a relação entre pais e filhos deva ser baseada na confiança, e isso requer um esforço dos adultos em contar sempre a verdade.

A mentira é uma escravidão! Sofre o mentiroso e sofre o que se sente enganado com a mentira. Quando se fala a verdade, liberta-se dos medos, alivia a tensão, diminui o stress e restabelece uma harmonia com o corpo e a alma. Falar a verdade é um princípio que alimenta a nossa essência, logo contribui para a saúde integral.

Falar a verdade para os outros, ajuda a amadurecer a relação e a desenvolver as pessoas envolvidas. Enquanto, mentir desgasta e pode até acabar com a relação.

A verdade, não só liberta do passado como previne males futuros. Mesmo que seja doído ou vergonhoso, falar a verdade pode evitar sofrimentos maiores.

Não tenho dúvida que a veracidade, a capacidade de dizer a verdade, é a base de todas as virtudes. Todos somos capazes de dizer a verdade com muita honestidade. Quando inventamos pequenas mentiras para o outro e para nós mesmos, estamos nos afastando de quem somos.

Qualquer pessoa que já tenha se debruçado sobre a Bíblia, sabe que a mentira é altamente condenável. Manipular pessoas, através da mentiram é altamente condenável pela Bíblia Sagrada. Segundo o Provérbios 6:16-19: "Existem sete coisas que o SENHOR Deus detesta e que não pode tolerar: o olhar orgulhoso, a língua mentirosa, mãos que matam gente inocente, a mente que faz planos perversos, pés que se apressam para fazer o mal, a testemunha falsa que diz mentiras e a pessoa que provoca brigas entre amigos."   

Concluindo, afirmo que é difícil falar sobre mentira. Pensei muito antes de escrever sobre esse assunto. A escritora Virginia Woolf escreveu que você só pode falar sobre alguma pessoa, se você conseguir falar a verdade sobre si mesmo.  O quanto conseguimos todos os dias dizer todas as verdades sobre nós mesmos?

Assim, se alguém te disser “eu nunca minto”, você pode ter certeza de que essa pessoa está mentindo para você. Quem não tiver teto de vidro que atire a primeira pedra.

"Quando o Diabo mente, está apenas fazendo o que é o seu costume, pois é mentiroso e é o pai de todas as mentiras." (João 8:44b)

28/10/2022

O homem é o lobo do homem

Desde que me aposentei, tenho tido mais oportunidade de aproveitar minha pequena casa, localizada na praia de Graçandu-RN. Passei a ser um iniciante de jardineiro, cuidando de um pequeno jardim que minha esposa fez na frente da casa. Quando chega à noite, fico deitado numa rede, apreciando a natureza pelo conjunto plantas (do jardim da casa), lua e estrelas.

A natureza é maravilhosa, cheia das obras de Deus! “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos” (Salmos 19:1).

Quem não consegue ver a mão de Deus na natureza está cego. O Arquiteto da Vida criou um lugar maravilhoso para a joia de sua criação, que é a humanidade. A natureza é a forma encontrada por Deus, de nos conduzir para mais perto d’Ele. Tudo que ele criou recebe seu amor. Por isso, devemos respeitar a criação e cuidar da natureza. Deus é o verdadeiro dono da terra.

Ele estabeleceu o homem, como dominador e protetor da natureza, mas infelizmente, sua criação, não respeita e cuida da natureza, e nem de seus semelhantes. Na verdade, o que sempre temos visto é o homem se revestir e operar um papel de destruidor do habitat e da comunidade da qual ele mesmo faz parte. Um verdadeiro retrocesso, que poderíamos popularmente definir como o retorno às cavernas.

O ser humano nasce, cresce e se reproduz na sociedade, e nela deve buscar seu progresso como pessoa humana e produzir durante toda a sua vida, de forma incessante ações positivas para que a mesma se mantenha e evolua, mas na prática não é isso que acontece. O que vemos é uma sociedade cada vez mais violenta. Diariamente, atrocidades são noticiadas pelas redes de televisão, rádios e plataformas digitais, como: sequestros, assaltos, violência contra crianças e idosos, feminicídios, assassinatos em série, entre outros, que causam pavor na sociedade.

Simples ações, tornaram-se perigosas para a sociedade, tais como: atender ao celular na via pública, estacionar o carro em frente de casa ou em qualquer local, andar de bicicleta, esperar um ônibus no ponto, andar pelas ruas, deixar as portas e janelas abertas de nossas residências, etc.

Apesar de cada vez, estarmos mais cheios de tecnologia, estranhamente cada vez mais regredimos na área moral, afetiva e espiritual.

Por exemplo, nas redes sociais, percebe-se a falta amor no mundo. As pessoas usam as redes para expor suas imagens e falas, para expressar pensamentos e sentimentos, para fazer movimentos e manifestos, inventar histórias e dividir momentos. Se sentem livres para expressar a sua opinião a partir da máxima de “doa a quem doer”. Essas atitudes de ódio são reflexo de insegurança e inveja. Os ataques de ódio, de desrespeito e de preconceitos mostram claramente o descontrole emocional e a capacidade das pessoas de discernir sobre respeito, empatia, limites de espaço.

O filósofo, teórico político e matemático inglês Thomas Hobbes (1588-1679), foi o responsável por divulgar a célebre frase "O homem é o lobo do homem". A frase usa uma linguagem metafórica, isso é, faz uma comparação com o comportamento animal, para ilustrar aquilo que o filosofo acredita ser a conduta do ser humano de modo geral.  Explorador por essência, aproveitador dos mais fracos, o homem teria por instinto o impulso de usurpar o que é do outro, colocando-se acima dos demais e tendo como prioridade máxima o bem estar individual ao invés do coletivo. Na frase, vemos sintetizada a ideia de que o homem é o seu próprio inimigo, provocando lutas sangrentas e, muitas vezes, matando os seus semelhantes.

Corroborando com a frase de Thomas Hobbes, a cada dia somos bombardeados de notícias trágicas, sórdidas, de uma perversidade que parece não ter limites. Quando achávamos que um fato tinha chegado ao máximo da bestialidade do "fim do mundo", da desumanização do ser humano, eis que surgem novas histórias ainda mais chocantes.

Por exemplo, a guerra que iniciou em 24/02/2022 entre a Rússia e a Ucrânia, que já fez muitos mortos e feridos é uma dessas “desumanização do ser humano”.

A guerra na Ucrânia vem causando uma mobilização internacional, como poucas vezes se viu nas últimas décadas. No entanto, quando comparada com outros conflitos que existem no mundo hoje, há mais mortes e sofrimento humano sendo causados em outras guerras que recebem menos atenção e ajuda internacional. É o caso do conflito do Iêmen, que já dura pelo menos 11 anos. Os números são chocantes: mais de 233 mil mortos e 2,3 milhões de crianças em desnutrição aguda.

As guerras fazem parte da história da humanidade, sendo registradas e estudadas desde a antiguidade.  Raríssimos foram os anos, nos quais nenhuma guerra aconteceu no planeta.

Até onde os estudos arqueológicos podem comprovar, os primeiros grandes exércitos foram os assírios que tinham grandes forças e estratégias, essa civilização que se encontrava na Mesopotâmia e Egito.

Um time de pesquisadores da Universidade de Cambridge acaba de divulgar um estudo sobre fósseis que encontraram em Nataruk, no Quênia. A busca levou os arqueólogos a encontrarem ossadas de homens, mulheres e crianças com sinais claros de violência física, sugerindo que a humanidade está em guerra há pelo menos dez mil anos. Até agora, este é o conflito humano mais antigo de que se tem notícia. 

Um dos conflitos mais longos da história da humanidade foi a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), estendendo-se por 116 anos. Foi motivada pela disputa de interesses entre duas dinastias. Especula-se que causou a morte de 2 a 3 milhões de pessoas.

O Século XIX foi um período transicional extremamente sangrento no campo bélico. No intervalo de cem anos entre a batalha de Waterloo, em 1815, e o início da primeira Guerra Mundial, os conflitos militares se desenvolveram mais rápido e dramaticamente do que em qualquer século anterior.

Uma guerra pode começar pelos mais diversos motivos: honra, glória, liberdade, posse de recursos naturais, sentimento de ameaça... e outras questões, digamos, menos nobres.

Por exemplo, Honduras e El Salvador, guerrearam por causa de uma partida de futebol. O estopim foi causado em 1969, por uma simples partida de futebol entre os dois países. O jogo valia um lugar na Copa do Mundo do ano seguinte. O jogo terminou em 3x2 para os salvadorenhos, e as relações diplomáticas com Honduras foram rompidas. Duas semanas depois, no dia 14 de julho, os combates armados entre as forças militares nacionais começaram, incluindo o uso de armamento pesado, utilizado na Segunda Guerra Mundial.

As guerras, em geral, normalmente são causadas por atitudes gananciosas de governos, país ou governantes. Como exemplo, podemos citar as duas Guerras Mundiais. A primeira, que se estendeu de 1914 até 1918 foi causada por desentendimentos dos países europeus sobre a divisão das colônias africanas na Conferência de Berlim.

O início da Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945) também se dá em situações de ganância. Vale lembrar que a Alemanha foi derrotada na Primeira Guerra, e os vencedores foram bastante gananciosos ao estabelecer a pena para os germânicos no Tratado de Versalhes: uma quantia de dinheiro e outras sanções que a Alemanha simplesmente não poderia arcar sem entrar em uma crise sistêmica.

Enquanto os vencedores achavam que estavam tomando a melhor atitude a se fazer – por confiscar milhões de libras – eles nada mais faziam que ativar no povo alemão um sentimento de revanchismo. Sentimento este que incentivado pela ganância de Hitler, transformou o mundo em uma grande bomba novamente. Mais uma vez, a ganância de poucos resultou na morte de milhões e na destruição de nações inteiras.

A Segunda Guerra Mundial, foi um dos conflitos mais violentos e mais mortal da história da humanidade. Um total estimado de 60 a 70 milhões de pessoas pereceram. Entre as vítimas deste conflito, 62% eram civis, ou seja: pessoas que não tinham nada a ver com a briga além do fato de estarem lá. Além das armas de fogo convencionais, nessa guerra rolou gás mostarda, testes com pessoas em campos de concentração e a última novidade do momento: bombas nucleares.

O Brasil enviou 20.573 soldados brasileiros à Itália na luta contra o fascismo. Infelizmente, tivemos 450 praças, 13 oficiais e 8 pilotos mortos em ação. Foram aproximadamente 12 mil feridos nos combates.

Os incontáveis relatos e imagens das atrocidades cometidas nas guerras nunca foram suficientes para convencer os governantes a não utilizá-las para conquistar mais poder. Elas continuam sendo o instrumento, pelo qual aqueles que dominam o espaço terrestre tentam impor seu domínio até os dias de hoje. Parece que a humanidade nunca aprende, ou tem memória curta, quando se trata de guerra.

Em 30 de julho de 1932, Albert Einstein, o pai da física moderna, escreveu uma carta para neurologista e psiquiatra austríaco Sigmund Freud, com o título “Por que a guerra?”.  

Einstein questionava se havia alguma forma de livrar a humanidade da ameaça da guerra e chegou a declarar que Freud - por ser o criador da teoria, um estudioso do psiquismo humano e conhecedor da vida instintiva do homem - poderia elucidar e sugerir métodos educacionais que demarcassem caminhos e ações que resolveriam o problema, a ponto de tornar impossível qualquer conflito armado.

Freud, responde a questão a partir de duas das suas inúmeras teorizações sobre a subjetividade humana. Em primeiro lugar, a violência humana é inerente à condição biológica do homem, manifesta-se em todos os conflitos de relação a partir do processo mais remoto de socialização. Em segundo lugar, o homem é mobilizado por dois instintos ou pulsões, cujas atividades são opostas entre si: a pulsão construtiva, erótica ou Eros, que tendem a preservar e a unir, e a pulsão destrutiva, de morte ou Tanatos, que tendem a destruir e matar, os quais agrupamos como instinto agressivo ou destrutivo.

Bem, não sei se Freud consegui responder o questionamento de Einstein, mas me fez refletir sobre a parábola do bom samaritano, (Lucas10:30-35), que fala de pessoas boas e más. Alguns de nós somos como o sacerdote e o levita da parábola, outros como o samaritano, outros como os ladrões e outros ainda como o homem que foi espancado e deixado meio-morto. O samaritano era “bom” porque não desprezou o homem agredido e parou para estabelecer, um relacionamento com ele.

Do ponto de vista psicológico, encarar as pessoas simplesmente como boas ou más é muito simplista. Talvez seja mais fácil pensar assim porque, ao rotular os outros, sabemos em quem confiar e quem evitar. Mas a verdade é que sempre existem possíveis “samaritanos” e “ladrões” entre nós, e cada um de nós tem aspecto de ladrão, de sacerdote e de samaritano. Aqueles que reconhecem e valorizam a sua necessidade básica de se relacionar amorosamente com os outros tendem a ser boas pessoas e a ter um bom comportamento. As pessoas que violam sua natureza essencial de viver um bom relacionamento com os outros comportam-se como más.

Jesus, conhecia profundamente a natureza humana, e por isso pode hoje nos ajudar a compreender o comportamento de todas as pessoas que conhecemos, inclusive o nosso.

A vida é muito complexa. Lidamos o tempo todo conosco mesmos e com os outros em meio às divergências, às dúvidas, às diferenças, ao caos, às contradições, etc. Por isso, um grande desafio para o ser humano é existir e coexistir: escolher e se apegar no que representa um bem para si e para os outros. Ninguém vive sozinho.

É certo que não há sociedade sem violência, seria uma utopia, até porque o desenvolvimento e o progresso geram sim desigualdades, exclusões, fome, miséria e degradação de partes do coletivo social. Porém não deixará de existir a violência se a pessoa humana não for suficientemente tolerante, compreensiva, seguidora de valores e princípios construídos para o bem comum.

Nos últimos tempos, temos o incômodo sentimento de que as expressões públicas de intolerância, só aumentam. Muitas, lamentavelmente, alimentadas por lideranças políticas, religiosas e midiáticas, muito especialmente nos tempos de campanha eleitoral.

A intolerância se concretiza em preconceitos, discriminação e ódio de diferentes formas: racismo (contra negros), machismo/sexismo (contra mulheres), classismo (contra pobres), xenofobismo (contra estrangeiros e populações de regiões inferiorizadas), LGBT fobismo (contra pessoas LGBTX), etarismo (conta determinadas idades), contra expressões religiosas, contra opções políticas. Intolerância é coisa de gente que não quer lidar com as diferenças e o direito de ser e existir que é de todos que habitam o mundo. A atitude de tolerância não é “aguentar”, “suportar”, não conseguir evitar o outro diferente, mas é a aceitação do direito que cada um tem de ser aquilo que é e de continuar a ser.

A regra de ouro do cristianismo reflete bem este direito: “Não faça ao outro aquilo que você não quer que façam a você” (Mateus 7.12).

Toda pessoa tem o direito à sua própria vida, porque qualquer guerra, seja por motivações políticas ou religiosas, põe um término à vidas plenas de esperanças, porque conduz os homens individualmente a situações humilhantes, porque os compele, contra a sua vontade, a matar outros homens e porque destrói objetos materiais preciosos, produzidos pelo trabalho da humanidade.

É de suma importância lutar com todos os meios, por um mundo que promova a paz em vez da violência, o amor em vez do ódio, a vida em vez da morte.

Temos que evoluir no perdão, limpando do nosso interior as mágoas, raivas, ódios, invejas, ciúmes, apego aos bens materiais, ao poder que só adoece e infelicita o resgate da fraternidade, da compreensão, da capacidade de viver em paz no ambiente de família, nas escolas, na vida social, no trabalho é o maior sentido da vida. Se não entendermos isso, se não mudarmos os nossos comportamentos e visão egoísta, continuaremos a ter contato com a face mais cruel da existência humana.

Não tenho dúvida que todos esses “desafios” ficam bem claros quando lembramos o que Jesus disse, pouco tempo antes de sua morte, para os apóstolos: “Um novo mandamento dou a vocês: Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros. Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros". (João 13:34-35). Jesus nos pede, sem impor, pois ninguém ama por decreto, é que amemos as pessoas tendo como ponto de referência sua prática de amor. Em resumo, falta amor entre os seres humanos. Como tão bem escreveu Mark Baker: “Jesus, o maior psicólogo que já existiu”.

24/09/2022

Se as palavras ensinam, os exemplos arrastam

Nas diversas fases de nossa caminha nesse mundo de Deus, convivemos ou conhecemos pessoas que tivemos a alegria de exaltar pela sua conduta ou melhor dizendo pelo seu exemplo de vida. Não tenho dúvida que para a maioria das pessoas, os pais e os avós foram os primeiros a serem colocados neste universo. Na maioria das vezes perpetuam por toda vida.  Em determinada fase, que chamamos escolar, nosso círculo social começa ter uma abrangência bem maior. Novos exemplos de vida começam ser observados por nós. Sejam professores ou até mesmos colegas.

Graças a Deus, nos meus sessenta de três anos de vida, tive a felicidade de conviver e conhecer muitas pessoas, que pelos seus exemplos de vida, ajudaram nas minhas decisões e atitudes. Vou apenas ressaltar, com muito orgulho, os ensinamento do meu pai (já falecido), principalmente pelo seu senso de justiça e honestidade, de minha mãe pela simplicidade, humildade, e a preocupação de sempre ajudar o próximo, e de minha Comadre Azinete, como exemplo de fé.  Ela, mesmo com os reveses da vida, tais como, perda trágica do seu filho Luiz Henrique (meu afilhado) e os problemas de saúde do seu marido Djalma (falecido), buscou na religião ou melhor nos braços de Jesus a força necessária para continuar sua missão neste mundo de Deus. Como ela uma vez me disse: “Eu sou apenas uma humilde serva do meu Senhor Jesus”. Não podemos esquecer que para vivermos uma fé verdadeira, precisamos crer incondicionalmente na manifestação de Deus em nossa vida.

Fazendo uma abrangência, podemos afirmar que em qualquer segmento da sociedade, seja em instituições públicas e privadas, religiosas, políticas e esportiva, etc., é possível de encontrar pessoas que sejam exemplos de vida. Infelizmente atualmente está difícil de se encontrar nas instituições políticas.

Ao longo da história muitos líderes políticos, religiosos, educadores, e atletas, foram exemplo no seu tempo. Muitas dedicaram integralmente suas vidas a fazer o bem ao próximo. Por exemplo: São João Paulo II que teve uma juventude muito dura pelo ambiente de ódio e destruição da Segunda Guerra Mundial. Durante seus mais de 25 anos de pontificado, São João Paulo II teve um espírito missionário. Promoveu o diálogo inter-religioso. Um de seus gestos mais recordados foi pedir perdão pelos pecados da Igreja em toda sua história. 

A Beata Albanesa Teresa de Calcutá, de coração indiano fundou, a pedido de Deus, uma congregação religiosa ao serviço dos mais pobres entre os habitantes da Índia. Dedicou-se a percorrer os bairros pobres, visitou famílias, lavou as feridas das crianças e ajudou os necessitados, entre eles os leprosos e os chamados “intocáveis”, a casta hindu mais baixa. 

O ativista norte-americano Martin Luther King que lutou contra a discriminação racial e tornou-se um dos mais importantes líderes dos movimentos pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos.

O Sul-Africano Nelson Mandela que foi um símbolo de resistência na luta contra o movimento Apartheid, legislação que segregava os negros no país. Nelson Mandela se tornou referência mundial na busca por uma sociedade democrática e igualitária.

A religiosa católica brasileira Irmã Dulce (1914-1992) que dedicou a sua vida a ajudar os doentes, pobres e os mais necessitados. Foi beatificada pelo Papa Bento XVI, no dia 10 de dezembro de 2010, passando a ser reconhecida com o título de "Bem-aventurada Dulce dos Pobres".

No futebol brasileiro, na minha opinião, o nosso Pelé ou melhor Edson Arantes do Nascimento, foi um dos profissionais do esporte que podemos considerar como exemplo tanto dentro como fora do campo. Maior mito do futebol nacional de todos os tempo.

Antigamente, nas cidadezinhas do interior do País, a população reconhecia as três maiores autoridades do município: o padre, o prefeito e o delegado. Nos município que tinha Juiz de Direito, entrava também no rol das autoridades.

Cada qual, à sua maneira, exercia influência específica sobre o comportamento das pessoas, principalmente diante de algum entrevero, que inevitavelmente exigia uma providencial interferência dessas personalidades. Independentemente do tempo, sempre serão pessoas que precisam dar bons exemplo de conduta.

Não podemos esquecer que tudo começa dentro da unidade familiar. Da mesma forma que os pais são exemplos de autoridade dentro da família, eles são também modelos para seus filhos, que observam seus comportamentos o tempo todo. Todavia, assim como os pais, os avós, os tios e os irmãos mais velhos, devem também ser inspiração para os filhos como exemplo de vida. Nossos filhos, desde o momento em que nascem, são esponjas que estão aprendendo sobre tudo ao seu redor. Nossas ações são muito mais poderosas do que qualquer palavra que digamos.

É incrível parar e pensar o quanto somos exemplo para nossas crianças 24 horas por dia. Os pais são a primeira referência comportamental da criança, portanto é comum que copiem deles não só o falar e andar, como também atitudes e hábitos de vida. Os filhos são como espelhos.

Não há discurso mais equivocado do que o famoso: “faça o que eu digo e não faça o que eu faço”. Apesar de ser importante se comunicar de forma objetiva e coerente, as nossas atitudes precisam estar alinhadas na mesma direção de nossa fala.

Em I Coríntios 11.1, Paulo diz à igreja: “Tornem-se meus imitadores, como eu sou de Cristo”. A Palavra foi dirigida à igreja do Senhor, mas poderia ser aplicada dentro do lar, para pais e filhos. Paulo quis dizer que ele era exemplo de uma pessoa que obedecia a Deus e orientou a igreja a que o seguisse. Com base nesse ensinamento, temos que sempre manter a coerência e evitar o “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.

Lembramos que nos círculos sociais, que os nossos filhos estão inseridos, como por exemplo no sistema educacional, tanto os diretores quanto os professores têm responsabilidade de serem exemplo de conduta. Assim como os orientadores religiosos, sejam padres, pastores ou religiosas. Os mesmos foram escolhidos por Deus, do meio do Povo, com a missão de ensinar o caminho certo, de colaborar com a santificação do Povo de Deus e de governar com justiça a comunidade que lhe é confiada. Consequentemente, têm uma responsabilidade muito grande quando falamos em “ser exemplo”.

De qualquer forma, uma coisa tenhamos certeza, pai ou mãe serão provavelmente o maior exemplo, o maior ponto de referência, que os filhos terão na vida.

Como exorta o Proverbio 22.6: “Ensina a criança no caminho em que deve andar. E, ainda quando for velho, não se desviará dele”.

Não podemos esquecer de ser exemplo de conduta no ambiente de trabalho, independentemente de estar ou não numa posição de liderança. Vivemos num momento em que cada atitude que tomamos fica registrada de alguma forma, exigindo de nós grande atenção quanto aos nossos compromissos e ética. Ser uma pessoa ética em sua vida pessoal reflete diretamente na sua capacidade de servir de exemplo para os seus colegas. Imaginem um CEO (Chief Executive Officer) fazendo uma visita de rotina no chão de fábrica, sem óculos de segurança, numa área onde existe a obrigatoriedade de se utilizar o óculos de segurança. Que exemplo de segurança este administrador está passando para todo quadro de funcionário? Ou ainda, um agente da Policia Rodoviária Federal, dirigindo uma moto sem capacete?  

Infelizmente em nosso pais, parece que as lideranças políticas esqueceram que precisam de diversas competências para exercer a função com excelência, entre estas atribuições fundamentais, destaca-se o “ser exemplo”. Nunca poderão esquecer que suas atitudes podem ecoar de maneira positiva ou negativa na população. O que eles dizem ou fazem podem se tornar fios desencapados que ocasionem curtos circuitos e faíscas, e produzir pequenos ou grandes incêndios na estabilidade social e econômica da nação.

Temos a consciência que dizer o que outras pessoas precisam fazer é fácil, mas tomar atitude e fazer para ser exemplo não é tão fácil assim. Não há quem nunca ouviu alguém dizer: “falar é fácil, difícil é fazer”. Porém se não tivermos a consciência e perseverança de que ser exemplo é a luz que pode iluminar os nossos caminhos e principalmente das pessoas que caminha ou passam por nós na estrada da vida, não cumpriremos nossa missão nessa terra e fiquemos certo que nossos tropeços serão muito maiores que as conquistas.

Sempre devemos lembrar do nosso maior exemplo de vida: Jesus Cristo. Dedicou toda a sua vida em benefício do próximo. Inclusive, Jesus defendia padrões de morais e ética, os quais já haviam sido esquecidos pela sociedade religiosa e hipócrita daquela época. Ser um exemplo de Jesus Cristo é um grande privilégio. Não é tão fácil como parece, mas precisamos sempre trabalhar e policiarmos na nossa maneira de ser e agir para que esse objetivo seja alcançado. Para ser diferente e exemplo de vida é preciso mudar. Não somente devemos ser exemplos em nossa linguagem, procedimento e amor para com outros, mas também devemos ser um espelho em nossas atitudes interiores

Na dúvida, lembre-se da sabedoria do provérbio: “se as palavras ensinam, os exemplos arrastam”. Ou seja, se tiver que começar por algum ponto, comece por si mesmo. Reavalie suas atitudes antes de mais nada, pois só assim conseguirá transmitir ensinamentos verdadeiros e inspiradores.

Lembrando de uma frase de Barack Obama: “Você não precisa provar nada a ninguém. Seus atos e comportamentos dirão quem você é."

Se a vida é uma grande escola onde permanecemos em constante aprendizagem, o que falta para sermos exemplo de Vida?

26/08/2022

Do papel a votação eletrônica, uma longa trajetória

Contagem de votos

No período de transição da minha adolescência para juventude, alguns fatos foram por mim esperados com grande ansiedade. Primeiramente meu ingresso na Universidade no início de 1977. Depois, já com dezoito anos, ter obtido o direito de tirar meu Título de Eleitor, deixando de ser “cobra-d’água”, como assim chamavam no interior da Paraíba, quem não podia votar. E por último, ter sido aprovado no exame do DETRAN, que me dava o direito de receber a Carteira Nacional de Habilitação. Infelizmente, ainda tive que esperar um ano para votar pela primeira vez, pois as eleições só ocorreram em 1978.

Daquela época ao momento atual, o processo eleitoral sofreu grandes transformações. Antes, recebíamos a cédula de votação, nos dirigíamos para cabine, e preenchíamos a cédula com o nome, número e a sigla partidária do candidato. Saíamos da cabine e na frente dos mesários, colocávamos a cédula (após mostrar aos mesários o lado das assinaturas) na urna de lona.

Me vem na lembrança a preocupação que meu pai, que foi Juiz de Direito no Estado da Paraíba, tinha com o período de eleições. Principalmente no período de contagem de votos.  Neste momento entrava em cena os “escrutinadores”, que eram cidadãos convocados para trabalhar na apuração dos votos. Imaginem o cuidado da Justiça Eleitoral na escolha desses cidadãos. A apuração, era um trabalho humano que consumia horas e dias para conclusão.

Todavia, a partir das eleições municipais de 1996, com a implantação da urna eletrônica no sistema de votação, o voto sofreu grandes transformações, eliminando a intervenção humana no processo eleitoral, tanto na votação quanto na apuração dos resultados e, consequentemente, o risco de maracutaias e equívocos. Ela foi desenvolvida, justamente porque havia grande descrédito em relação ao sistema anterior, baseado em cédulas de papel.

As principais irregularidades conhecidas em todo Brasil, antes da votação eletrônica, incluíam o preenchimento de cédulas com votos em branco, em favor de um candidato, votos nulos interpretados ao gosto de quem fazia a leitura e a subtração e inclusão de cédulas, também era corriqueira.

Em alguns casos, os problemas começavam antes da apuração. Um exemplo disso era a estratégia do "voto formiguinha". Funcionava assim: um eleitor recebia a cédula do mesário, entrava na cabine de votação e colocava um papel qualquer na urna de lona. A cédula oficial, ainda em branco, era entregue a uma pessoa fora da seção, que assinalava os candidatos desejados e a repassava a outro eleitor. Este tinha a incumbência de depositar a cédula já preenchida na urna, pegar outra em branco e levar novamente ao líder do esquema, e assim por diante. O resultado era a manipulação do pleito.

Havia ainda a tática das "urnas emprenhadas". Como elas tinham apenas um cadeado e lacres de papel, muitas já chegavam "grávidas" à seção, isto é, recheadas de votos.

Ao longo da história das eleições no Brasil, tivemos muitos crimes eleitorais, que foram caracterizados por fraudes, que constam nas legislações eleitorais. Alguns são conhecidos e praticados até hoje.

A primeira eleição realizada no Brasil aconteceu em 1532. Ela ocorreu na vila de São Vicente, sede da capitania de mesmo nome. Durante todo o período colonial, as eleições no Brasil tinham caráter local ou municipal, de acordo com a tradição ibérica.

Até 1821, o voto se dava apenas no âmbito municipal, não existiam partidos políticos, o voto era aberto e as eleições contavam apenas com a participação de homens livres. Eram também marcadas por fraudes.

Já na fase imperial, era possível eleger deputados e senadores das câmaras do Império. Semelhante ao período colonial, as fraudes eleitorais eram frequentes, com o uso de mecanismos como o voto por procuração, no qual o eleitor transferia seu direito de voto para outra pessoa.

A primeira Constituição brasileira, outorgada por Dom Pedro I, em 1824, definiu as primeiras normas de nosso sistema eleitoral. O voto nessa época, era obrigatório e censitário, isto é, só tinham capacidade eleitoral os homens com mais de 25 anos de idade e uma renda anual determinada. Estavam excluídos da vida política nacional quem estivesse abaixo da idade limite, as mulheres, os assalariados em geral, os soldados, os índios e - evidentemente - os escravos.

Outra característica, era o voto por procuração, no qual o eleitor transferia seu direito de voto para outra pessoa. Também não existia título de eleitor, às pessoas eram identificadas pelos integrantes da mesa apuradora e por testemunhas. Assim, as votações contabilizavam nomes de pessoas mortas, crianças e moradores de outros municípios.

Em 1881 foi instituído o título de eleitor, a fim de diminuir as fraudes, mas não auxiliou muito, pois não havia foto no título.

Com a Proclamação da República, uma nova Constituição foi promulgada, e o funcionamento do sistema eleitoral brasileiro também sofreu alterações. O Brasil, adotou o sufrágio universal masculino para todos os homens maiores de 21 anos, desde que não fossem soldados rasos. Mulheres, analfabetos, mendigos, jovens com menos de 21 anos de idade, indígenas e integrantes do clero continuavam impedidos de votar. O voto não era secreto.

A República representou um retrocesso, com relação ao Império, em razão da prática do voto de cabresto. As eleições deixaram de ter relevância para a população, eram simplesmente uma forma de legitimar as elites políticas estaduais. Elas passaram a ser fraudadas, descaradamente, de uma maneira muito mais intensa do que no Império. Dessa época vêm as famosas eleições a bico de pena: um dia antes da eleição, o presidente da Mesa preenchia a ata dizendo quantas pessoas a tinham assinado, fraudando a assinatura das pessoas que compareciam.

O período da República Velha, foi marcado por eleições ilegítimas. As práticas do ‘voto de cabresto’, da ‘bico-de-pena’ e da ‘degola’ demonstra como o sistema eleitoral da época estava viciado.

A fraude “bico-de-pena”, consistia em manipulações realizadas pelas mesas eleitorais, que falsificavam assinaturas até mesmo o preenchimento de cédulas que, naquela época, eram usadas penas para poder escrever em quaisquer documentos que fosse. Na prática, inventavam-se nomes, eram ressuscitados os mortos e os ausentes compareciam. Na feitura das atas, a pena toda poderosa dos mesários realizava milagres portentosos.

O termo degola foi utilizado no sentido figurado para retratar a prática fraudulenta das oligarquias brasileiras, que interviram diretamente no resultado das eleições. Aproveitando-se da influência política, os ricos fazendeiros empossavam candidatos que não tinham ganhado democraticamente as eleições e “degolava” os candidatos da oposição, que eram impedidos de usufruir dos seus direitos eleitorais.

O voto de cabresto, foi a ferramenta utilizada pelos coronéis, para controlar o voto popular, por meio de abuso de autoridade, compra de votos ou utilização da máquina pública. As regiões controladas politicamente pelos coronéis eram conhecidas como currais eleitorais, sendo o povo coagido a votar nele ou no seu candidato. Muitas vezes os eleitores vendiam seu voto por pratos de comida, cestas básicas, etc.

Estas práticas de influência corrupta sobre o pleito eleitoral, exercido pelo poder político local desde o alistamento eleitoral até o resultado das urnas, ficou conhecido como ‘coronelismo’.

Com a chegada de Getúlio Vargas ao poder (1930), o país passa por transformações sociais, políticas e econômicas. No campo eleitoral, destaca-se a criação do Tribunal Superior Eleitoral e dos Tribunais Regionais Eleitorais, além da instituição do voto feminino e do voto secreto. Assim, o processo eleitoral, tornava-se mais amplo, transparente e idôneo. Contudo, apesar dos avanços nos primeiros anos de governo, a Era Vargas ficou marcada pelo período do Estado Novo, no qual as eleições foram suspensas. Em 1945, com o fim do Estado Novo, inicia-se a maior experiência democrática até então vivida pelo país.

A redemocratização nos anos 1980 diminuiu, mas não anulou as denúncias de fraudes, nem da continuidade de práticas como o voto de cabresto e o abuso do poder econômico.

A promulgação da nova Constituição Federal, tivemos avanços no campo dos direitos civis e sociais, os direitos políticos também foram expandidos, consolidando tanto o voto universal e secreto, quanto a idoneidade das eleições, com o trabalho das Justiças Eleitorais e das urnas eletrônicas (estas implementadas a partir de 1996). 

Com as urnas eletrônicas, e a contagem digitalizada dos votos, o processo eleitoral ganhou confiabilidade na transparência do ato democrático, e rapidez na apuração dos eleitos – virtualmente eliminando a possibilidade de fraudes. Os eleitores tiveram mais segurança ao digitar o voto, tendo a impossibilidade de ele ser adulterado pelo mesário ou qualquer pessoa que se encontre trabalhando durante as eleições. É impossível passar por outra pessoa.

Nos últimos tempos, muito tem se falado sobre a segurança das urnas eletrônicas e do sistema eletrônico de votação, mesmo que tenham se passado 26 anos de sua utilização no Brasil sem quaisquer indícios de fraude.

Recentemente, o plenário da Câmara dos Deputados, rejeitou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/19, conhecida pela PEC do voto impresso. A proposta previa que cada vez que o eleitor votasse na urna eletrônica o voto fosse impresso e, automaticamente, iria para uma outra urna. Pela proposta, o voto continuaria sendo feito por meio de urna eletrônica, mas uma impressora mostraria ao eleitor um recibo em papel do voto, sem passar pela mão do eleitor ou de qualquer outra pessoa. Ressaltamos, que o eleitor não iria pegar o papel do voto impresso e levar para casa como algumas pessoas pensam.

Bem, não sou Jurista e nem Parlamentar para comentar sobre o assunto, porém, tudo tem que ser sempre bem analisado e sem ideologias política para não voltarmos no túnel do tempo. Mas, lembrando do filósofo Heráclito de Éfeso: “A única constante é a mudança”.

Como relatamos, o voto possui uma longa trajetória no Brasil. Nem sempre, ele foi sinônimo de democracia, tendo em vista que foi adotado tanto em momentos de repressão e exclusão política, quanto em momentos politicamente mais abertos e democráticos. Impedir qualquer interferência na vontade do eleitor e garantir o sigilo do voto são preceitos constitucionais.

Do final da república dos coronéis, até os dias de hoje, muita coisa mudou. Hoje o voto não é mais aberto, não há mais como saber em quem o eleitor votou, então é possível escolher de forma livre e direta o candidato preferido. Porém, na prática, podemos identificar situações que nos remetem a um voto de cabresto moderno, mesmo com tantos avanços e conquistas.

Diante da realidade de miséria em que vivem, uma boa parte da população brasileira, muitos “optam” por aquele candidato que possa suprir, suas necessidades básicas, em um curto prazo, por exemplo: entrega de cestas básicas, pagamento de despesas com água e luz, compra de material de construção, promessa de emprego, bolsas sem fundo, entre outros. Tudo isso se configura como um voto de cabresto moderno.

De todo modo, é praticamente impossível imaginar uma democracia sem voto. E para garantir a efetividade desse mecanismo, é essencial que o processo eleitoral seja idôneo, limpo e transparente, e principalmente nos tempos atuais, sem o fraude eleitoral que vem se popularizando, que são as notícias falsas ou as “fake news” como são conhecidas. Essas mensagens vinculadas, principalmente pela internet, com o intuito de fraudar os candidatos adversários, trazendo uma série de inverdades que são construídas e espalhadas por órgãos pagos, pela candidatura oposta.

Enfim, é necessário entender que, para além de um bom processo eleitoral, é preciso haver bons candidatos (muito difícil hoje no Brasil) e bons eleitores. Porém, segundo o professor e historiador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Leandro Karnal, “Não existe país no mundo em que o governo seja corrupto e a população honesta e vice-versa”. Vocês concordam?