22/11/2022

“Juro pela minha honra que hei de dizer toda a verdade e só a verdade”

Neste período de política, me trouxe a lembrança do Pantaleão, um dos centenas de personagens do genial Chico Anysio. Pantaleão era um senhor de idade, vivido, barbas longas e brancas, usando um par de óculos, cuja lente escura ficava apenas cobrindo o olho esquerdo. Pantaleão passava o dia numa cadeira de balanço contando estórias e mais estórias. Tinha prazer em ser um mentiroso, preceito básico para uma mentira pegar. Contava seus causos fabulosos e perguntava à esposa: É mentira, Terta? Ela respondia: Verdade!

A mentira é algo tão estrutural na história da humanidade que Deus precisou colocá-la no rol de suas proibições nos 10 mandamentos: “Não levantarás falso testemunho”. Jesus intitulou o demônio como o autor e o ‘pai da mentira”. E nós, tragicamente, inventamos um dia do calendário (1º de abril) para celebrá-la.

O dia da mentira surgiu no início do século XVI, na França. Nessa época o ano novo se iniciava no dia 25 de março, data que marca o começo da primavera e como de costume, havia troca de presentes e felicitações. Porém, em 1564, o Papa decretou que o ano novo cristão se iniciaria no dia 1º de janeiro, como é até hoje, fazendo com que alguns franceses resistissem à mudança.

Essas pessoas consideradas conservadoras, passaram a ser chamadas de "bobos de abril" e eram ridicularizados com brincadeiras nessa data (convites para festas inexistentes e falsos presentes). A prática se espalhou pelo mundo inteiro, começando pela Inglaterra (quase 200 anos depois do ocorrido) e até hoje o dia 1º de abril é comemorado ao redor do mundo.

No Brasil, a tradição foi introduzida em 1848, com o noticiário impresso mineiro “A Mentira”, que trazia em sua primeira edição a morte de Dom Pedro II na capa e foi publicado justamente em 1º de abril. Dois dias depois o jornal teve que desmentir a publicação, visto que muita gente realmente acreditou na notícia. Dom Pedro II nasceu em 1825 e faleceu em 1891.

Apesar da permissão lúdica no dia 1º de abril, na verdade, é que a mentira acarreta uma série de transtornos em nossa vida prática, e não é fácil conviver com pessoas que têm o hábito de sempre inventar as coisas.

A mentira, é qualquer forma de comportamento que forneça informações falsas ou privar alguém das verdadeiras. Mentir pode ser um ato consciente ou inconsciente, verbal ou não verbal, declarado ou não declarado. Nesse sentido, um sorriso falso é uma mentira.

Acredito que todos nós já sofremos ou fizemos alguém sofrer por causa de uma mentira. Negar isso é recusar que somos parte da humanidade. A quem diga que somos mentirosos por natureza.

É difícil imaginar um mundo ao nosso redor sem a existência da mentira. A mentira está presente em todos os momentos da nossa vida. Os outros mentem, nós mentimos, há grandes mentiras históricas, a mídia mente…

Encontramos no dia a dia, os mentirosos compulsivos, que são aquelas pessoas que apresentam um transtorno de personalidade, e o comportamento de inventar histórias que pode ser observado desde a sua infância. A mentira tornou-se um hábito em sua vida, as invenções ficam cada vez mais extravagantes com o passar do tempo.

Também temos os mentirosos conscientes que são aqueles onde eu, você e 99% da população estamos incluídos. Aquela mentirinha para “sair bem na foto”, aquela história inventada para ser aceito no grupo ou “ficar por cima” nas situações do cotidiano. A diferença é que, nesse caso, a pessoa tem consciência de que está fazendo algo errado.

Um exemplo prático pode ser o de uma pessoa que está passando por uma dificuldade financeira e tenta esconder essa condição do seu círculo de amizades. Ao tentar mostrar que se está próspero, acaba se endividando ainda mais. Para manter as aparências, o indivíduo banca situações incompatíveis com suas possibilidades, assumem compromissos que não têm como honrar, pegam empréstimos e afundam-se ainda mais na sua mentira.

Mas, em outros, se caracteriza como uma doença. O mitômano, ou mentiroso crônico, como é chamado o paciente com essa patologia, faz isso sem mesmo perceber. A mentira é algo tão compulsivo para esse indivíduo que interfere até mesmo a sua capacidade de julgar racionalmente uma situação, seja nos seus relacionamentos, seja na sua vida em sociedade.

Muitas pessoas acreditam que é preciso mentir para viver em sociedade. Na realidade, as vezes mentimos para tirar alguma vantagem, ou nos livrarmos de alguma culpa. Para pouparmos alguém de uma notícia dura ou garantir a própria sobrevivência. Mentimos ao dizer que, sim, está tudo bem, quando não está.

Algumas pessoas inventam histórias para serem mais felizes, para alegrar ou não magoar os outros. Para proteger alguém ou a si mesmas. Para conquistar um par, para conseguir uma vaga de emprego ou uma promoção. Para evitar as consequências negativas de um erro e preservar a própria reputação. Por medo, por amor, por vaidade, por pena. É uma prática comum em todos os aspectos da vida que envolvam relações sociais.

A vida em sociedade e seu jogo de aparências em muito é uma mentira. Estamos sempre tentando parecer aos outros o que de perto não somos.

Todavia, inventar uma mentira é como uma bola de neve, quanto mais a história vai crescendo, mas vai ganhando novos elementos. O pior é que a pessoa que mente fica presa a sua mentira, uma vez que não poderá jamais esquecer o que relatou.

Além das mentiras existem a “meia verdade”, os exageros, as omissões, os esquecimentos providenciais, o blefe, o perjúrio, a dissimulação, o fingimento e outras formas de burlar a verdade. Mentir é um ato que aperfeiçoamos com o tempo, até que nos tornemos especialistas.

Há pessoas que acreditam não mentir, ou que dizem fazê-lo apenas raramente. Essas pessoas estão enganando a si mesmas. Estão mentindo para si mesmas sobre mentir.

O Professor Cândida Silva Joaquim (português), com bacharelado em Filologia, em seu artigo "Mentiras" in Sociologia - Problemas e Práticas (revista Sociologia, Problemas e Práticas -1991), argumenta que “mentir é só uma das muitas maneiras de enganar, embora a única que se distingue pelas suas características especificamente linguísticas”.

Segundo pesquisadores, nunca se mentiu tanto com a popularização e acesso facilitado aos meios de comunicação. O conceito de fake news ganhou forma. Notícias falsas espalham-se rapidamente. O ambiente virtual torna muito mais difícil distinguir sinceridade de falsidade, verdades de mentiras. Embora a tecnologia tenha facilitado o trabalho de revelar verdade, por outro, manipular a realidade passou a ser bem mais comum. As fake news nas redes sociais estão na maioria das vezes, sendo usadas apenas para criar boatos e reforçar um pensamento, por meio de mentiras e da disseminação de ódio.

Outro ponto a se destacar, é a mentira no ambiente de trabalho. É tóxica e causa grandes danos. Quem fala a verdade tem boa reputação e alta credibilidade com relação aos demais. Hoje em dia, isso é precioso e abre muitas portas e oportunidades. Uma pessoa que fala a verdade, é vista como alguém confiável, a confiança é o principal elo entre as relações. Os benefícios de uma boa reputação, não se estende somente às pessoas, mas às empresas que são admiradas pelo mercado. Este, por sua vez, é implacável com as companhias que não são éticas. Os custos da mentira são caríssimos, não só com a perda do valor das ações, mas com a reação e boicote dos clientes.
Entre todas as profissões, a dos políticos é a que tem os mentirosos mais eficazes. Os políticos mentem mais vezes, com mais intensidade e melhor do que outros mortais.

Os políticos são vendedores, e o que eles vendem, são muitas vezes, ilusões. Eles são mestres de manipular nossos medos, esperanças e apresentar imagens falsas ou enganosas de si mesmos, do estado do mundo e do que eles farão. Parece que é simplesmente impossível ser um político de sucesso, sem ser um mentiroso habilidoso.

Um político que se vê como um messias sempre acha que suas mentiras são por um bem maior.  Os maus exemplos são tantos que daria um livro imenso de casos e citações que dificilmente seriam contestados, porque ocorreram, continuam ocorrendo e irão continuar acontecendo.

Infelizmente o brasileiro tem razão para desacreditar na classe política por tudo que ouve e vê acontecer no cenário político brasileiro. Nada muda na vida deste povo. É mentira ali, mentira aqui.

A bem da verdade, a mentira é um comportamento social, aprendido e reproduzido desde os primeiros anos de idade. Embora a natureza nos tenha presenteado com o dom da verdade, a mentira é aprendida. E isso acontece por que as crianças são cercadas por adultos que mentem. Não tenho dúvida que desde pequenos, os pais costumam ensinar aos filhos que mentir é errado, porém em alguns momentos, as atitudes dos pais confundem a cabeça das crianças. Por exemplo, quando um telefone/celular toca e o filho atende. Muitas vezes o pai pede ao filho para perguntar quem é e acrescenta: “Se for fulano, diga que não estou!”. E a criança explica, sem cerimônia: “Meu pai mandou dizer que não está”. São centenas de exemplos que as crianças recebem diariamente dos adultos. Vendo os pais contando essas mentiras corriqueiras geram na criança a possibilidade de ela fazer a mesma coisa.

Importante ressaltar, apesar do aprendizado adquirido com os pais, as crianças mentem principalmente para obter o quer precisam e para evitar o que temem. Mas não podemos esquecer que somos o maior exemplo para nossos filhos.

Já as histórias como Papai Noel e Coelho da Páscoa não devem ser consideradas como mentiras, já que fazem parte da imaginação dos pequenos e são simbólicas, muito diferente de distorcer fatos reais. Essas fantasias são saudáveis durante a infância, e não há problema deixar a criança acreditar em personagens fictícios por um tempo. Agora, é importante que a relação entre pais e filhos deva ser baseada na confiança, e isso requer um esforço dos adultos em contar sempre a verdade.

A mentira é uma escravidão! Sofre o mentiroso e sofre o que se sente enganado com a mentira. Quando se fala a verdade, liberta-se dos medos, alivia a tensão, diminui o stress e restabelece uma harmonia com o corpo e a alma. Falar a verdade é um princípio que alimenta a nossa essência, logo contribui para a saúde integral.

Falar a verdade para os outros, ajuda a amadurecer a relação e a desenvolver as pessoas envolvidas. Enquanto, mentir desgasta e pode até acabar com a relação.

A verdade, não só liberta do passado como previne males futuros. Mesmo que seja doído ou vergonhoso, falar a verdade pode evitar sofrimentos maiores.

Não tenho dúvida que a veracidade, a capacidade de dizer a verdade, é a base de todas as virtudes. Todos somos capazes de dizer a verdade com muita honestidade. Quando inventamos pequenas mentiras para o outro e para nós mesmos, estamos nos afastando de quem somos.

Qualquer pessoa que já tenha se debruçado sobre a Bíblia, sabe que a mentira é altamente condenável. Manipular pessoas, através da mentiram é altamente condenável pela Bíblia Sagrada. Segundo o Provérbios 6:16-19: "Existem sete coisas que o SENHOR Deus detesta e que não pode tolerar: o olhar orgulhoso, a língua mentirosa, mãos que matam gente inocente, a mente que faz planos perversos, pés que se apressam para fazer o mal, a testemunha falsa que diz mentiras e a pessoa que provoca brigas entre amigos."   

Concluindo, afirmo que é difícil falar sobre mentira. Pensei muito antes de escrever sobre esse assunto. A escritora Virginia Woolf escreveu que você só pode falar sobre alguma pessoa, se você conseguir falar a verdade sobre si mesmo.  O quanto conseguimos todos os dias dizer todas as verdades sobre nós mesmos?

Assim, se alguém te disser “eu nunca minto”, você pode ter certeza de que essa pessoa está mentindo para você. Quem não tiver teto de vidro que atire a primeira pedra.

"Quando o Diabo mente, está apenas fazendo o que é o seu costume, pois é mentiroso e é o pai de todas as mentiras." (João 8:44b)

9 respostas para ““Juro pela minha honra que hei de dizer toda a verdade e só a verdade””

  1. Leickton disse:

    O Pai da mentira é o diabo que, ultimamente, enviou o seu filho Bolsanoro para manter vivo o “poder” maligno da fake news.

  2. Marcelo F M Dutra disse:

    Muito oportuna esta reflexão sobre a mentira, pelo inusitado dos tempos que estamos vivendo, onde as mentiras, as fake mews, a omissão da verdade, as meias verdades, estão tão presentes em nossas vidas. O texto está muito bem escrito e representa a opinião do autor, sem dúvida. Mas eu estaria mentindo se ao lado do elogio eu não complementasse com uma pequena crítica ou observação sobre um tema particularmente polêmico: eu não concordo com a explicitação e o destaque dado à classe política. Não que eles não mintam. Mentem e muito, mas não mais que todas as outras classes de trabalhadores. Se ouvimos mais as mentiras deles é porque a natureza do seu trabalho é falar. Eles falam mais, portanto ouvimos mais tudo que dizem. Mas não devemos demonizar os políticos, pois não há salvação da democracia sem a política e os políticos. A política deve ser praticada por todos nós, não apenas pelos profissionais. E aperfeiçoada todos os dias, com participação, com cobrança, com estudo, com debate, etc. Desculpe esta intervenção, mas achei importante fazer esta observação, a bem da verdade.

    • Washington Soares de Almeida disse:

      Um texto para um período que estamos passando onde mentiras e muitas fakes foram e ainda continuam sendo repassadas por políticos e pessoas que continuam acreditando em mentirosos que manipulam e que tem no sangue viver na mentira . Parabéns Viana pelo texto . Já escutava desde criança que a mentira tem perna curta ou que mentira cabeluda quando se falava alguma mentira .

  3. JOÃO WILSON DE LUNA FREIRE disse:

    O Rei da mentira é o Nine.
    Parabéns pelo texto!
    👍👍👍👏👏👏

    • Vera Lucia Araújo de Oliveira disse:

      Eu não sabia que o dia da mentira é antiga, mas considerando todos os seus escritos, realmente podemos dizer que a pessoa começa a mentir por brincadeira, depois se torna um vício . É preocupante, especialmente se tratando de crianças. Não que eu seja pura, nunca tivesse mentido, nós omitimos para evitar alguma confusão. Parabéns pelo seu texto.

  4. Ivonilde melo de lima disse:

    Meu sobrinho, dessa vez vc abordou um texto muito polêmico falando sobre a mentira. Vivemos num mundo onde infelizmente tudo gira em tôrno dessa praga, e ainda encontramos aqueles que se diz dono da verdade. Mas, como dizem os mais velhos que mentira tem pernas curtas, ficamos na expectativa de que as coisas mudem.
    Parabens mais uma vez pelo texto muito interessante e sempre bem escrito. Bjs dos tios.

  5. Denílson Travessolo disse:

    A maior mentira do mundo quem contou foi Erasmo Carlos.
    Zico está no Vasco, com Pelé!
    Rsrsrsrs.
    Adorei seu texto!

  6. GUILHERME POETZSCHER disse:

    “O dia da mentira surgiu no início do século XVI, na França. (…)”

    Poderia ter sido utilizado em alguma comemoração dos aniversariantes do mês da saudosa RPCC.

    Excelente reflexão, amigo Viana.

  7. Marcus Soares disse:

    Excelente texto e bastante atual, num momento em que até as urnas mentem.

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