DEU ZEBRA

Uma das características dos brasileiros que mais chamam atenção no exterior é a “alegria”. Esta é, sem dúvida, a marca dos brasileiros em qualquer lugar do mundo. É impossível não relacionar o brasileiro a um povo feliz, acolhedor e brincalhão.

Podemos relacionar esse lado brincalhão do brasileiro, com seu senso de humor. 

O senso de humor, é uma característica fundamental na vida e na manutenção dos relacionamentos interpessoais, é uma ferramenta eficaz para superar qualquer incômodo ou vergonha, para descontrair em situações tensas e quebrar o gelo. E se faz ainda mais necessária nos momentos de dificuldades, pois ajuda na superação, na maneira de encarar os problemas e de encontrar soluções. Todavia, o humor tem uma função defensiva, sendo fruto de uma ação do superego sobre o ego oprimido, a fim de protegê-lo do sofrimento. De acordo com Sigmund Freud, o ego recusa a realidade do mundo externo e tenta obter prazer afirmando-se contra a “crueldade das circunstâncias reais”. Nesse sentido, postula Freud, o humor é liberador e enobrecedor do ego. É um mecanismo subjetivo que visa anular o sofrimento e a dor, em favor do princípio do prazer. Situações que despertam sentimento de tristeza, revolta, injustiça, impotência, decepção etc. – e que normalmente independem da ação do sujeito para contorná-las.

Dizem que “brasileiro não perde a chance de fazer piada”. E isso ficou ainda mais evidente com o uso da internet. Política, economia, futebol, vida privada de famosos, Enem, morte, qualquer que seja o assunto, o humor vem recobrir sentimentos que se despertam e que diante dos quais, muitas vezes, não há o que fazer. É uma resposta àquilo que afeta, de alguma forma, o ser do sujeito.

Não podemos generalizar, mas são poucos os que levam as coisas a sério neste país, a maioria é adepta da brincadeira, do deixa como está para ver como é que fica, do empurrando com a barriga, do criar dificuldade para vender facilidades, do jeitinho brasileiro, do levar vantagem em tudo, do se Deus quiser um dia vai melhorar, etc. etc.

Dentro desse contexto, tem uma antiga piada que demonstra a paixão que muitos brasileiros tiveram ou ainda têm, pelo jogo do bicho, assim contavam: Numa pequena cidade do interior havia um pequeno convento onde viviam três freiras: A sisuda madre superiora e duas irmãs. As duas irmãs mais novas, tinham lá seu pecadilho: gostavam de um joguinho de azar. Tinha na cidade uma banca de jogo do bicho. As irmãs as escondidas da madre, quando arrumavam um dinheirinho jogavam no bicho.

Um dia, a irmã Dorotéia teve um sonho inspirador, e jogou todo seu dinheiro no bicho. A banca de jogo ficava ao lado do convento. A tardinha na hora da Ave Maria, elas estavam na capela cantando e rezando. Da janela da capela dava para ver a tabuleta onde ficava o resultado do jogo. A irmã Dorotéia a todo instante ia na janela para ver o número ganhador. A Madre superiora perguntou o motivo da inquietação dela. Ela através de evasivas, reclamou do calor, que seus joelhos estavam doendo. Como ela era baixinha não conseguia ver direito a tabuleta.

Era dia de Nossa Senhora de Fátima, elas estavam cantando aquela velha cantiga:

"A treze de maio, na cova da Iria. No céu aparece, a Virgem Maria... Ave, ave, ave Maria"...

A Madre superiora estava um pouco surda, ela ouvia, mas não entendia bem as palavras.

E como a irmã Chiquinha era alta e esguia como um bambu e estava perto da janela, a irmã Dorotéia cantou no mesmo tom: Irmã Chiquinha, você que é mais alta, mais alta que eu, me conta agora, que bicho que deu. A irmã Chiquinha espichou o pescoço que nem uma girafa, viu o resultado na tabuleta e no mesmo tom, também cantou: Ave, ave, avestruz. Ave, ave, avestruz!

Essa piada serve também para lembrar de outra característica do brasileiro que todos nós muito bem conhecemos, inclusive os estrangeiros. Estamos falando do chamado “jeitinho brasileiro”. Podemos denominar de criatividade.

Alguns produtos e serviços brasileiros obtêm sucesso no mercado justamente por possuírem densidade cultural, que agregam ainda mais valor aos produtos. Pode-se perceber que o aspecto citado acima está presente nos segmentos de moda, turismo, artesanato, agronegócio e, principalmente, em manifestações culturais como pintura, música e festas típicas/temáticas, como o Carnaval.

Retornando a piada das freiras, e claro, a paixão das mesmas pelo jogo do bicho, assim como a caipirinha, o samba e o Carnaval, o jogo do bicho é uma invenção brasileiríssima.

O jogo do bicho foi criado em 03 de julho de 1892, pelo Barão João Batista Drummond, como um meio de aumentar a arrecadação financeira do jardim zoológico mantido por ele.

O Barão de Drummond criou o Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, tanto com a finalidade recreativa, como também didática, por essa razão foi considerado uma iniciativa de utilidade pública, recebendo, aliás, ajuda financeira do Império no valor de 10 contos de réis por ano. Ajuda essa que durou até a proclamação da República, quando esse auxílio foi suspenso.

Por alguns anos, o Barão manteve o Zoológico com seus próprios recursos. Porém, com dificuldades financeiras para alimentar os animais e pagar os trabalhadores do jardim zoológico, quase encerrou as atividades no empreendimento.

Foi nesse momento que Barão João Batista Drummond, teve uma ideia para atrair visitantes para seu zoológico em Vila Isabel, zona norte do Rio. O local tinha espécies exóticas e belas vistas da cidade, mas faltava público. Entre as novas sugestões de entretenimento para o local, uma se destacou: uma rifa.

Pela manhã, o barão escolhia um animal em uma lista de 25 bichos e colocava sua imagem numa caixa de madeira na entrada no zoo. Quem participava ganhava um tíquete com uma estampa de algum desses 25 animais.

Ao final do dia o barão abria a caixa e mostrava a figura. O vencedor levava 20 vezes o valor da entrada - o que já superava, por exemplo, a renda mensal de um carpinteiro da época. A partir de 1894, cada um podia comprar quantos bilhetes quisesse.

Daquele ano em diante, essa loteria deixou de ser um simples sorteio e se transformou em um jogo de azar. A “loteria” foi batizada de jogo de bicho.

Logo se estendeu para além do zoológico, por toda a cidade do Rio de Janeiro, e, depois, por diversas regiões do Brasil. O Rio de Janeiro transformou-se na "capital do jogo do bicho". Bilhetes começaram a ser vendidos, não apenas no zoológico, mas em lojas pela cidade.

Todavia, no final do século 19, pelo bem dos costumes e da moralidade, essa diversão passou a ser entendida como jogo de azar, e, as autoridades começaram a reprimir a prática. Mas a “brincadeira” só se tornou definitivamente ilegal em 1932, no governo de Getúlio Vargas, que através do Decreto Decreto-Lei nº 21.143, pela primeira vez o jogo do bicho aparece especificamente como contravenção penal.

Em 30 de abril de 1946, na promulgação do Decreto-Lei nº 9.215, que, embora não tratasse diretamente sobre o jogo do bicho, caçou todas as licenças concedidas para casas de jogos no Brasil. O que mais chama atenção é seu preâmbulo, que afirmava:

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição, e considerando que a repressão aos jogos de azar é um imperativo da consciência universal; Considerando que a legislação penal de todos os povos cultos contém preceitos tendentes a esse fim; Considerando que a tradição moral jurídica e religiosa do povo brasileiro é contrária à prática e à exploração e jogos de azar; [...]

Mais uma vez, a moralidade é invocada para justificar a proibição dos jogos de azar no Brasil.

Muitos destacam, no entanto, a forte influência que a esposa do presidente Eurico Gaspar Dutra, a primeira-dama Carmela Teles Leite Dutra, teria exercido na proibição, motivada por sua forte devoção à Igreja Católica.

Em 1951, Rachel de Queiroz escreveu um artigo intitulado “O jogo do bicho”, em que levanta a questão da possibilidade de regulamentação, já que outros divertimentos mais danosos, ao seu ver, como o álcool eram permitidos.

A ligação do jogo do bicho com o carnaval começou por volta dos anos 1930, através de Natal da Portela. No quintal de sua casa foi fundado o bloco carnavalesco "Vai como pode", que se transformaria na Portela.  Após perder o braço em um acidente nos trilhos e, como não arrumava emprego, virou anotador do jogo do bicho. Em pouco tempo passou de anotador a dono de banca. Alguns anos depois, resolveu investir dinheiro na escola de coração. Surgia a figura do bicheiro patrono e a Portela se tornou a maior vencedora de todos os tempos. Depois, vieram vários outros: Castor de Andrade da Mocidade, Anísio da Beija-Flor e por aí vai. Como já dizia a canção de Dorival Caymmi: “Quem não gosta de samba, bom sujeito não é”, e nesse caso, quem gosta aparentemente também não.

Até hoje, o nome mais conhecido no universo do jogo do bicho é Castor de Andrade. Além de controlar o jogo do bicho na cidade do Rio de Janeiro, o “doutor Castor” financiava escolas de samba, ajudando a fundar em 1984 a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Também foi o maior patrocinador e dirigente do Bangu Atlético Clube.

No futebol, o jogo do bicho chegou paralelamente ao profissionalismo. Até 1910, o esporte era amador e, à medida que a popularidade foi crescendo, a rivalidade e a vontade de investir nos times aumentava tanto quanto.

Para aumentar o empenho dos jogadores, os sócios dos clubes ofereciam recompensas em dinheiro em caso de vitória. Para que não fosse institucionalizado o "prêmio", aqueles atletas amadores diziam que a quantia que entrava havia sido ganha no "jogo do bicho".

Na década de 60, as pessoas envolvidas com o jogo do bicho representavam cerca de um por cento da força de trabalho total do Brasil, e só na cidade do Rio de Janeiro, 50 mil pessoas trabalhavam com a contravenção entre as décadas de 1980 e 1990.

Vale destacar que nas regiões Norte e Nordeste, onde os problemas econômicos e sociais sempre foram latentes, a prática do jogo do bicho tomou proporções ainda maiores, e considerando os altos números de desemprego, foi nesta atividade que muitos procuraram manter a sobrevivência de suas famílias.

O cientista político dizem que as parcerias criminosas no Brasil, ganharam fôlego no período regime militar e se mantiveram no atual período democrático. Políticos, por exemplo, se beneficiam de doações via caixa 2 e do acesso dos bicheiros a comunidades pobres.

A verdade é que a repressão ao jogo do bicho não foi eficaz durante os anos do Regime Militar. Não interessava irritar ou acabar com a chamada “diversão” das classes menos favorecidas.

O historiador Luiz Antônio Silva, do Rio de Janeiro, deixa claro: “o jogo do bicho sempre foi aceito porque, apesar de juridicamente ilícito, era moralmente aceito porque não fazia mal a ninguém. Contudo, o tráfico de drogas jamais terá a mesma visão”.

Corre uma história de que durante o regime militar, o presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, numa reunião da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste em Recife, teria cobrado do então governador João Agripino a extinção do jogo na Paraíba. Agripino teria respondido ao então presidente: "acabo com o jogo do bicho na hora em que o senhor arranjar emprego para os milhares de paraibanos que ganham a vida como cambistas".

Câmara Cascudo, no seu "Dicionário do folclore brasileiro", distinguia o jogo como sendo "invencível" e que a sua repressão apenas ampliava sua difusão por todo o país. "Vício irresistível", escreveu o folclorista: "(...) contra ele, a repressão policial apenas multiplica a clandestinidade. O jogo do bicho é invencível. Está, como dizem os viciados, na massa do sangue".

Um aspecto muito curioso é o fato de o Jogo do Bicho ser ilegal no Brasil, país onde nasceu, e isto apesar de toda sua popularidade entre o povo. Não seria exagero dizer que ele faz parte da cultura popular do país. Sempre destacou-se pelo lado democrático, seja rico ou seja pobre. Quem nunca interpretou sonhos, placas de carro e números, para fazer uma fezinha?

O jogo do bicho cresceu à semelhança das organizações mafiosas estrangeiras, por meio de estruturas familiares. Os grandes banqueiros do bicho, que a partir dos anos 70 passaram a habitar e operar a partir de “fortalezas”, criaram uma comissão dirigente para contornar disputas, dividir territórios e racionalizar as suas operações criminosas.

Segundo o Ministério Público do Rio (MP), os banqueiros do jogo do bicho começaram a operar com o tráfico de drogas em 1975. Nessa época, eles teriam se reunido em um bar na Barra da Tijuca (zona sul do Rio) e tomado duas decisões que mudariam a história da contravenção no Estado. Nessa reunião, os bicheiros decidiram permitir que a estrutura do jogo fosse usada para a distribuição de cocaína.

Atualmente, venda de droga e jogo não se misturam no morro. Nos morros cariocas, "bocas" de venda de drogas e pontos de jogo do bicho funcionam em locais diferentes.
A separação é uma estratégia de traficantes e bicheiros. Eles acreditam que, distanciados, atrapalham a ação policial.

A história da humanidade está ligada à história do jogo, pois parece que não importa o quão longe você vá, há sinais de que onde grupos de pessoas se reuniram, o jogo certamente estava ocorrendo. Infelizmente a tolerância social ao jogo serve como combustível para que o jogo ainda sobreviva depois de tanto tempo.

Atualmente, apesar de ainda existir o jogo do bicho, onde o bloco de papel foi substituído pelo computador, temos sites que nos permitem fazer apostas online e jogar em diversas modalidades esportivas e jogos de cassino. Entre as modalidades presentes no site estão basquete, futebol, cassino, pôquer, beisebol, bilhar, corridas de cavalos e muito mais. Vale esclarecer que, apesar de apostas serem consideradas jogos de azar, e esta modalidade ser proibida no Brasil, as apostas esportivas não são citadas na legislação brasileira.

Infelizmente, o jogo é um dos vícios que mais pode causar prejuízo aos humanos pois vem junto com a ilusão de dinheiro fácil e pode levar rapidamente um indivíduo à ruína financeira. Um assunto que tem andado extremamente popular nos dias de hoje é o vício em jogos eletrônicos e de azar. Apesar de ser um tema extremamente atual, se trata de um problema antigo, que diversas gerações enfrentam diariamente, cada dia mais.

Os jogos de azar são viciantes, justamente porque despertam prazer, adrenalina e, quando se ganha, alívio e sensação de vitória. Por outro lado, quando se perde, o indivíduo fica tentado a jogar mais algumas rodadas para mudar a sua sorte.

A compulsão pode levar a pessoa viciada a surrupiar os recursos financeiros dos seus entes queridos para alimentar o vício.

Bem, fico imaginando o que no outro mundo deva estar pensando o Barão Drummond, acerca da repercussão que sua invenção teve na sociedade brasileira nesses 131 anos de criação da “Loteria dos Bichos”, cuja ideia era apenas aumentar a arrecadação financeira do jardim zoológico mantido por ele.

Talvez ele pense: “Deu Zebra”. Não no aspecto cultural mas principalmente no fortalecimento das organizações criminosas. Interessante que a zebra não está entre os animais do jogo do bicho.

Concluímos com a música “Jogo Numerado”: O bicho homem é um bicho dominado. Pela mulher vive sempre apaixonado. Joguei um dado e fui sorteado. Caiu número um, avestruz tá decorado. Dois é a águia que tem o bico revirado. Três é o burro, pelo homem domesticado. Quatro é a borboleta que na selva foi criada.  Cinco é o cachorro, pelo homem estimado. Seis é a cabra que tem seu leite apreciado. Sete é o carneiro que tem o choro antecipado. Oito é o camelo que tem seu lombo encalumado. Nove é a cobra, um bicho amaldiçoado. Dez é o coelho que é um bicho desconfiado. Onze é o cavalo, para o homem andar montado. Doze é o elefante, com a tromba enrolada. Treze é o galo, chefe do terreiro, rei coroado. Quatorze é o gato, que pelo rato é respeitado. Quinze é o jacaré que na lagoa foi criado. Dezesseis é o leão, que é o rei do seu reinado. Dezessete é o macaco, bicho cabuloso, porém engraçado. Dezoito é o porco que só engorda bem tratado. Dezenove é o pavão, com suas penas invejadas. Vinte é o peru que é um bicho aperreado. Vinte e um é o touro que não gosta de gramado. Vinte e dois é o tigre, um bicho todo malhado. Vinte e três é o urso, um bicho mal encarado. Vinte e quatro é o veado que anda sempre apressado. Vinte e cinco é a vaca e o jogo tá terminado.

27/09/2023

Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar

No início da década de 70, a Rede Globo de Televisão exibiu durante várias semanas (sempre nas sextas-feiras) uma série documental com o título “O Mundo em Guerra” (The World at War). Um dos históricos mais completos que tive a oportunidade de assistir, sobre o conflito mais sangrento do século XX, que foi a Segunda Guerra Mundial. As minúcias da guerra são vasculhas sob todos os pontos de vistas possíveis – a luta dos anônimos pela sobrevivência, as experiências dramáticas dos soldados, os bastidores políticos, as estratégias militares, tudo esclarecido em detalhes. Foi baseada em similar britânico, mas teve de ser adaptada ao público brasileiro. Dissecou as entranhas da Segunda Guerra Mundial pela primeira vez na televisão nacional. É memorável o capítulo que trata da participação brasileira. Mostrava detalhes, como fora o Brasil e seus pracinhas da FEB no maior confronto armado da História.

Se analisarmos os principais responsáveis por esse conflito militar global, que durou de 1939 a 1945, envolvendo a maioria das nações do mundo, isto é, a Alemanha e Itália, podemos nos questionar como tiranos como Adolf Hitler e Benito Mussolini chegaram ao poder e conseguiram implementar seus ideais, ou melhor, orquestraram um dos maiores genocídios da história da humanidade.  Como subiram ao poder em países democráticos?

Bem, primeiramente é importante destacar que no século XX, vários países sofreram ditaduras militares devido à fragilidade de suas instituições democráticas. E outro ponto a se lembrar, que nem sempre as ditaduras se dão por golpe militar, podem surgir por golpe de estado político. Exemplo de movimento desta ordem, se deu quando ocorreu a ditadura fascista, imposta por Adolf Hitler na Alemanha nazista e a ditadura fascista de Mussolini, na Itália.

Mas, por que a Alemanha, o país com um dos melhores sistemas de educação pública e a maior concentração de doutores do mundo na época, sucumbiu a um charlatão nazista?

Na verdade, a ascensão de Hitler ao comando supremo do III Reich, ocorreu ao longo de várias décadas. A ascensão se desencadeou a partir das próprias estruturas de governo. Foram aproveitadas as debilidades de um sistema falho e entraram partidos cujas ideologias não eram democráticas. Portanto, uma vez instalados no poder, lá permaneceram e se impuseram à vontade popular, suprimindo os demais partidos e oposições, portanto, a democracia.

Ressaltamos que nos regimes totalitários, verificamos a existência de um só partido político e uma ideologia claramente definida.  O governo se utiliza de meios de intimidação para controlar a população como a polícia política, a censura e a delação. A propaganda política também é largamente utilizada para promover os ideais do regime. Os regimes totalitários surgiram na Europa, por conta da crise econômica e política que ocorreu após a Primeira Guerra Mundial. Nesta época, surgiram correntes políticas que defendiam o uso da força, a eliminação dos partidos políticos e do parlamento como um caminho para tirar os países da crise econômica e política. Os regimes políticos totalitários apareceram naquele cenário caótico como possíveis soluções para os problemas da população, tais como: alta inflação, miséria, fome, desemprego e falta de assistência básica à população. Por isso, ganharam apoio popular.

Adolf Hitler, surgiu como uma esperança de recuperação numa Alemanha arrasada e humilhada, e que vivia numa profunda crise política, social e econômica, e o altíssimo desemprego era fonte de empobrecimento entre o povo.

O descontentamento social com o regime democrático ineficaz, o apoio do povo alemão aos partidos nacionalistas e o temor de uma revolução socialista, levaram a alta burguesia alemã, empresários e o clero a apoiarem a extrema-direita do espectro político, optando por extremistas de partidos como o Partido Nazista.

Embora o Nazismo partilhasse algumas características do Fascismo italiano, o regime nazista era mais radical e violento que o fascista. O nazismo, ainda acrescentou no seu programa a superioridade da raça ariana sobre às demais.

Hitler, era uma figura muito popular e tomou ações para que o discurso nazista alcançasse diferentes camadas da sociedade alemã. Um excelente orador, e se que cercava de pessoas que, como ele, não tinham medo de usar a violência para cumprir seus objetivos políticos. Com uma linguagem simples e direta, gestos dramáticos, emotivos e uma fala sedutora, tornaram a sua mensagem facilmente compreendida pelas massas. Prometia trabalho e melhores condições de vida. O resultado disso, foi que o nazismo ganhou força politicamente e começou a obter resultados expressivos nas eleições alemãs.

Apesar das eleições de julho de 1932, os nazistas terem se tornado o maior partido no Reichstag, não conseguiu uma maioria parlamentar. Todavia, em 1933, carregando ideais racistas, totalitaristas, nacionalistas, unipartidários e anticapitalistas, Hitler chegou ao cargo de chanceler.  Com a morte do presidente alemão Paul von Hindenburg (1934), Adolf Hitler assume os poderes da presidência. Importante ressaltar que o exército faz um juramento de lealdade pessoal a Hitler.

Uma análise mais objetiva mostra que, justamente quando era mais necessário, defender a democracia, os alemães caíram na tentação fácil de um demagogo patético, que fornecia uma falsa sensação de segurança e muito poucas propostas concretas de como lidar com os problemas da Alemanha, em 1932.

Voltamos a pergunta, por que tantos alemães instruídos votaram em um patético bufão que levou o país ao abismo?

Os alemães tinham perdido a fé no sistema político da época. A jovem democracia não trouxera os benefícios que muitos esperavam. Muitos dos eleitores de Hitler, ficaram incomodados com seu radicalismo, mas os partidos estabelecidos não pareciam oferecer boas alternativas. Muitos alemães sentiram que seu país sofria com uma crise moral, e Hitler prometeu uma restauração. Pessoas religiosas, sobretudo, ficaram horrorizadas com a arte moderna e os costumes culturais progressistas que surgiram por volta de 1920, época em que as mulheres se tornavam cada vez mais independentes, e a comunidade LGBT em Berlim começava a ganhar visibilidade.

Com relação a violência, Hitler argumentava que poderia ser resolvido, aplicando a pena de morte com mais frequência e aumentando as sentenças de prisão. Problemas econômicos, segundo ele, eram causados por atores externos e conspiradores comunistas. Os judeus - que representavam menos de 1% da população total - eram o bode expiatório favorito.

O regime se vangloriava de sua nova abordagem contra criminosos reincidentes, alcoólatras crônicos, criminosos sexuais, desempregados e mendigos. Hitler, prometeu “limpar as ruas”, e a maioria das pessoas aprovou a medida. Algumas acreditavam de fato no Hitler e no nazismo. Outras queriam proteger seu país e lutar como nacionalistas e patriotas. E provavelmente a maioria lutou para manter distantes os russos e os comunistas, que eram amplamente temidos e odiados no país. Muitos alemães que não apoiavam o regime preferiam ficar calados, para evitar problemas com os nazistas.

Tudo foi embalado em slogans fáceis de lembrar: "Alemanha acima de tudo", "Um povo, uma nação, um líder” e “Renascimento da Alemanha".

Quanto a Benito Mussolini, começou sua carreira política na militância de um núcleo socialista italiano, mas acabou sendo expulso do movimento socialista,  quando publicou um artigo em 1914 defendendo a participação da Itália na Primeira Guerra Mundial. Os socialistas italianos da época eram rigorosamente contrários à participação do país na guerra. Foi fundador do Partido Fascista (Fasci Italiani di Combattimento, em português Grupo de Combate) em 1919, que era uma organização paramilitar de cunho nacionalista e antiliberal.

Seu discurso nacionalista (grande orador) arregimentava membros e simpatizantes nacionalistas, militares e o proletariado dos grandes centros urbanos. Acreditava que a violência era um poderoso instrumento, para provocar mudanças na sociedade. O lema de Mussolini era "Crer, obedecer e combater".

O uso da violência contra os socialistas, recebeu forte apoio de diversas camadas da sociedade italiana. O objetivo era intimidar e enfraquecer o socialismo enquanto movimento social e político. A violência do fascismo italiano estava muito ligada com um forte militarismo e uniformização de seus partidários a partir de milícias conhecidas como camisas negras. Mussolini e seus fascistas aproveitaram-se do “perigo vermelho” para, em nome da preservação da ordem e da paz interna na Itália, obter apoio da elite industrial e dos proprietários.

A ascensão de Mussolini na sociedade italiana, foi tamanha que determinados grupos passaram a defender que o Duce (líder) fosse transformado em primeiro-ministro italiano. Mesmo assim, o partido que em 1922 já tinha 700.000 membros, não conseguiu convencer o eleitorado a lhe confiar o poder. Todavia, ainda em outubro 1922, após a ocorrência do evento denominado de “Marcha sobre Roma”, quando 50.000 militantes fascistas desfilaram, Mussolini consegue mostrar o poder do seu Partido Fascista, e o objetivo principal do evento que era pressionar o rei Vitor Emanuel III a empossa-lo como primeiro-ministro. Em 30 de outubro de 1922, Benito Mussolini, era empossado como primeiro-ministro italiano. A nomeação dele ao cargo aconteceu dentro da legalidade constitucional da Itália.

Um dos slogans de Benito Mussolini era "Dio - Patria - Famiglia”. Deus dirige os destinos dos povos. O homem vale pelo trabalho, pelo sacrifício em favor da Família, da Pátria e da Sociedade. Toda superioridade provém de uma só superioridade que existe acima dos homens: a sua comum e sobrenatural finalidade.

Algumas características podem ser mencionadas em relação ao neofascismo, tais como: Patriotismo exagerado que assume posturas xenófobas e violentas;  Desprezo pelos valores da democracia liberal, como as liberdades individuais; Construção de retórica violenta contra supostos “inimigos internos” que contribuem para a “degradação moral” da nação.

Que lições podemos ainda tirar, nos tempos atuais, acerca dessas duas personagem cruéis da história da humanidade? Autoritários, tiranos e despóticos, eles regeram seus países com mãos de ferro e não mediram meios para alcançarem os fins: perseguiram, torturaram, dissolveram partidos e se impuseram através da força. De certo modo, todos os ditadores do século XX contribuíram para o surgimento de novos líderes autoritários. Isso porque os passos de cada um deles serviram de guia e inspiração para outros políticos com aspirações igualmente antidemocráticas. Por isso que, temos que ficar sempre atentos, tanto no campo dos ideais políticos e religiosos de posições extremistas. O extremismo, não está relacionado a um posicionamento ideológico específico, na verdade ele pode existir na direita ou na esquerda. Posicionamentos apaixonados e incoerentes se misturam com discursos inflamados e violentos, carregados de reações extremas e radicais.

As ideologias extremistas foram responsáveis pela maior parte das tragédias humanas dos últimos séculos. Os radicais não têm a democracia como um valor universal, e admitem que regimes autoritários (ou semi-autoritários) são aceitáveis em circunstâncias determinadas.

A democracia está em erosão em todo o mundo, de acordo com o último relatório do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral - IDEA (nov/2022). Dados mostram cada vez mais países a afastar-se da democracia e a caminhar para o autoritarismo. O número de países a nível mundial que avançam na direção do autoritarismo excede o dobro do número de países que avançam numa direção democrática (45% da população mundial vive em uma democracia). O relatório recomenda uma série de ações políticas para impulsionar a renovação democrática global, adotando contratos sociais mais equitativos e sustentáveis, reformando as instituições políticas existentes e fortalecendo as defesas contra a regressão democrática e o autoritarismo.

Toda a sociedade que possui uma democracia madura deveria tolerar a existência de diversos grupos ideológicos, pois é essa diversidade que melhora o nível do debate público e político. As vozes discordantes não podem ser tratadas como inimigas, pois elas fazem parte do diálogo construtivo e equilibram a discussão política. Ao ignorar opiniões contrárias, os indivíduos podem, perigosamente, se aproximar do fanatismo político, aderindo cegamente a uma posição ou sistema político.

O que vemos hoje, infelizmente, são multidões que buscam apenas desconstruir o discurso e a autoridade de seu "inimigo", quando deveriam debater de modo civilizado formas de construir uma nação mais justa, democrática e desenvolvida. É preciso ter autocrítica, nem sempre seguir as multidões é a melhor forma de construir uma democracia.

Lembrando da frase de Nelson Rodrigues, o genial escritor brasileiro que tem as mais contundentes tiradas da crônica brasileira: “Toda a unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar”. Nelson Rodrigues tem razão, mas nem sempre. Há casos em que a unanimidade não é burra, ou talvez a unanimidade não seja unânime.

Na verdade, na vida real, a unanimidade só pode existir por dois fatores: Pela concordância cega ou pelo silêncio dos críticos. Onde há concordância cega, predomina a burrice; e, onde há o silêncio, certamente predomina o medo de se fazer oposição.

A unanimidade é tão pouco recomendada que nem mesmo Jesus, na plenitude da sua perfeição, a quis. Se houvesse unanimidade, a sua missão não teria atingido o objetivo. Foi preciso a discordância de um dos seus 12 apóstolos para que, como bem afirmou o Mestre, as escrituras se cumprissem (Lc 22:37 e Mt 26:54).

Ao que pese o exemplo de Jesus, fica evidente que mesmo em se tratando de alguém que absolutamente esteja certo e seja perfeito, a discordância é instrumento de extremo valor.

Como diria o pensador francês Gustave le Bom (1841 " 1931), em sua obra Psicologia das multidões, "na mentalidade coletiva, as aptidões intelectuais dos indivíduos e, consequentemente, suas personalidades se enfraquecem".

17/04/2023

Até quando vamos brincar de passarinhar indígenas?

O tempo passas mas as lembranças ficam. É nesse contexto, que recordo dos meus primeiros ensinamentos sobre a história do Brasil, ainda no antigo primário (hoje ensino fundamental). Inicialmente, aprendemos que em 22 abril de 1500 os navegadores portugueses descobriram o Brasil. Hoje temos a consciência que na realidade Portugal não descobriu o Brasil, ele ocupou, invadiu, submetendo dessa maneira diversos nativos aqui existentes. Se o Brasil já possuía uma população, não se tratou de uma descoberta, e sim de uma conquista.

O primeiro documento escrito relatando a existência dos nativos é a Carta de Pero Vaz Caminha a El Rey D. Manuel. A primeira referência de Caminha ao gentio da terra é a seguinte "E dali houvemos vista de homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo os navios pequenos disseram, por chegarem primeiro". Informa ainda em sua Carta que os índios " ... não lavram, nem criam", o que contribui para a ideia do índio preguiçoso, que ainda hoje vive no imaginário de muitos. Também é relatado que os índios se espantaram ao entrar em contato pela primeira vez com uma galinha. Não conheciam o cavalo, o boi e a galinha.

Esses nativos trocaram presentes com os lusos sendo que entre os presentes dados pelos primeiros, estavam papagaios e araras que eram espécies de aves totalmente desconhecidos até o momento, pelos navegadores europeus. Ao chegar à Europa, a corte portuguesa ficou impressionada com a beleza das plumas daquelas aves. Por esse motivo, por algum tempo, chamaram a terra de onde aquelas aves haviam sido trazidas de "Terra dos Papagaios".

Que bela terra encontrada pelos irmãos portugueses. Podemos até comparar com o paraíso bíblico.  Um verdadeiro jardim do Éden para cultivar, pescar e viver. Mas infelizmente, assim como relatado no Livro dos Gênesis, apareceram as serpentes em forma de portugueses e fizeram os reais brasileiros sentirem-se nus, e passaram a serem conhecedores do bem e do mal.  

O primeiro contato entre nativos e portugueses foi de muita estranheza para ambas as partes. As duas culturas eram muito diferentes e pertenciam a mundos completamente distintos. Alguns historiadores, caracterizam esse momento como um “encontro de culturas” e outros como um “desencontro de culturas”, visto que as relações foram estabelecidas desde o início, pautadas numa hierarquia, a qual pressupunha a superioridade do homem branco (europeu) em relação ao “outro” dito selvagem/não “civilizado” (indígena).

É nesse cenário, e a partir desse choque de culturas, que se tem início a colonização portuguesa no Brasil, o qual corresponde a um processo massivo de extermínio de povos indígenas, invasões e conflitos entre portugueses e indígenas, doenças contagiosas oriundas de Portugal se espalhando no Brasil e exploração das terras brasileiras. Ou seja, o “descobrimento” do Brasil é um processo marcado pela violência colonial.

No primeiro século de contato, 90% dos indígenas foram exterminados, principalmente por meio de doenças trazidas pelos colonizadores, como a gripe, o sarampo e a varíola. Nos séculos seguintes, milhares de vítimas morreram ou foram escravizadas nas plantações de cana-de-açúcar e na extração de minérios e borracha.

Não podemos esquecer expedições realizadas no século XVIII, denominadas Entradas e Bandeiras, que tiveram como objetivo a captura de índios para o trabalho escravo e a procura por metais preciosos, como ouro, prata e diamante.

O bandeirantismo, foi responsável pela morte e exploração de um grande número de indígenas. Usualmente, livros didáticos, reconstituições históricas, meios de comunicação costumam ressaltar uma imagem heroica dos bandeirantes paulistas que desbravaram os sertões brasileiros. Um verdadeiro genocídio sem controle.

Declarada a independência do país e instalado o regime monárquico, pouco se fez em favor dos povos indígenas. Os Governos, imperial e provinciais, promoveram várias iniciativas no sentido de eliminar os contingentes indígenas, que viviam nas áreas de interesse para o estabelecimento de imigrantes europeus. Nas áreas de colonização europeia, a insegurança provocou diversas interpelações dos governos europeus ao governo brasileiro, reclamando segurança para seus súditos.

A Proclamação da República não alterou de imediato esse quadro. Pelo contrário, acentuou-o. A construção da estrada de ferro noroeste do Brasil, em São Paulo, no início do século, provocou a quase dizimarão a um grupo Kaingang. A violência foi tal que um relato da época informa que o divertimento dos trabalhadores da estrada, aos domingos era brincar de "passarinhar índio” ou seja, matavam os índios da mesma forma em que se caçavam pássaros. É nesse contexto que em 1910, o governo, por iniciativa do marechal Cândido da Silva Rondon, descendente de índios, em tarefa de demarcação das fronteiras, criou o Serviço de Proteção do Índio (SPI) e reservas florestais protegidas, para sobrevivência das aldeias. Em 1967, o SPI foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A trajetória dessas duas organizações oscilava entre proteger os indígenas e favorecer os proprietários fundiários na expansão dos latifúndios.

Durante o Regime Militar, entre as décadas de 70 e 80, a Amazônia passou a ser povoada, por conta do lema “terra sem homens para homens sem-terra”. Também, na fase do “progresso” do Brasil, as regiões aldeadas por indígenas passaram a ser povoadas por fazendeiros, a fim de intensificar a agropecuária. Entretanto, este povoamento foi realizado sem nenhum controle ambiental. Hidrelétricas, rodovias e a agropecuária passaram a ser desenvolvidas, desmatando as florestas e matando indígenas. É a época da Transamazônica, da barragem de Tucuruí e da de Balbina, do Projeto Carajás.

Pela geopolítica traçada pelo governo militar, a Amazônia tinha o papel de fornecedor de matérias-primas, para compensar o déficit do balanço de pagamentos gerado pela aquisição de petróleo, a descoberta aurífera tem papel significativo como garantia de pagamento dos juros da dívida externa do Brasil, bem como para lastrear compras à vista do petróleo importado, uma vez que as reservas cambiais brasileiras se encontravam praticamente esgotadas.

Vale ressaltar que a garimpagem sempre esteve presente na história do Brasil e, encontrou pela frente sociedades indígenas indefesas que constituíram presas fáceis a seu domínio avassalador. Na época das entradas e bandeiras e nas formas posteriores assumidas pela garimpagem, seus reflexos negativos sobre as sociedades indígenas nunca despertaram interesse ou protesto da opinião pública nacional e internacional. Todavia, a intensificação da garimpagem no Brasil no início da década de 80 (descoberta do garimpo de Serra Pelada), segundo ciclo do ouro amazônico e brasileiro, renovada e fortalecida em seu potencial de destruição do meio ambiente com a utilização de potentes equipamentos de extração, principalmente na Amazônia, trouxe, em avantajada escala, o martírio para várias sociedades indígenas; contudo, desta vez, a opinião pública, nacional e internacional, não deixou os índios sozinhos na dor e no infortúnio de que sempre foram vítimas na história do Brasil.

Espalhados por todo o Brasil, os Povos Indígenas têm fundamental importância na história e na cultura do nosso país. Infelizmente, muitas tribos, influenciadas pela cultura dos brancos, perderam muitos traços culturais. Podemos dizer que foram violentados em seus domínios pela introdução de doenças, que até então desconheciam, tais como o sarampo, a varíola, a gripe, a tuberculose, a sífilis, e a gonorreia.  Os principais problemas que as comunidades indígenas enfrentam hoje são a consequência daqueles que surgiram há anos. Nos dias atuais há problemas como a miséria, o alcoolismo, o suicídio, a violência interpessoal, que afetam consideravelmente essa população.

Infelizmente, a discriminação sistêmica e estrutural contra os povos indígenas tem sido exacerbada em alguns seguimentos da sociedade brasileira.  O pior, que alguns políticos alimentam essa discriminação. Relembrando algumas declarações: "Os índios estão cansados de serem índios. Eles querem beneficiar-se com os programas do Governo" (Ex. Ministro Mario Andreazza - 1973). Neste contexto, não é de estranhar a fanfarronice do Ex. Deputado Gastão Müller (1973): "Se os fazendeiros quisessem, poderiam ter partido para uma luta armada e seria muito fácil vencer os índios". Mas recentemente: “Se eleito, eu vou dar uma foiçada na Funai, mas uma foiçada no pescoço. Não tem outro caminho. Não serve mais" (2018); “Pena que a cavalaria brasileira não tenha sido tão eficiente quanto a americana, que exterminou os índios” (1998). Acredito que este parlamentar tenha feito alusão ao genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos durante o século XIX, que resultou no massacre de milhões e na destruição irreversível de várias culturas. Ou então assistia muitos filmes de bang-bang, também conhecidos como westerns, retratam muito bem este momento da história triste dos Estados Unidos, mostrando o conflito entre índios e colonos americanos. Afirmações como estas, talvez explique os fatos lamentáveis ocorridos com os Yanomamis em seu território. Uma verdadeira crise humanitária, um verdadeiro genocídio.

Lembramos que o tradicional Dia do Índio, comemorado todo 19 de abril, passou a ser chamado oficialmente de Dia dos Povos Indígenas (Lei 14.402, de 2022). A mudança do nome da celebração tem o objetivo de explicitar a diversidade das culturas dos povos originários. O termo ‘indígena’, que significa ‘originário’, ou ‘nativo de um local específico, é uma forma mais precisa pela qual podemos nos referir aos diversos povos que, desde antes da colonização, vivem nas terras que hoje formam o Brasil.

Será que temos motivo para a total celebração da data sabendo que o desaparecimento das línguas e da cultura indígena continua evoluindo no Brasil, principalmente na região da Amazônia? Possivelmente não. Mas é um espaço de reflexão, fazer uma autocrítica, e planejar estratégias de como avançar no total cumprimento da Constituição Federal promulgada em 1988 (primeira a trazer um capítulo sobre os povos indígenas), onde reconhece os "direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam". Eles não são proprietários dessas terras que pertencem à União, mas têm garantido o usufruto das riquezas do solo e dos rios.

Apesar dos defensores dos índios estarem vencendo brilhantemente a batalha ideológica, seus inimigos têm vencido a guerra real que se trava na sociedade brasileira contra os grupos indígenas, despojando-os de seus territórios e mesmo exterminando-os fisicamente. É tempo de transferir a luta do campo puramente ideológico para tentar alcançar alguma eficácia política.

Muito ainda precisa ser feito para amenizar as lutas dos povos indígenas no Brasil. Os direitos dos povos indígenas, ainda são desrespeitados e ignorados pelas forças do Estado, o que abre margem para grandes indústrias hidrelétricas, de mineração e do agronegócio explorarem terras que não as pertencem, reduzindo ainda mais as possibilidades de moradia e alimentação de milhares de indígenas. 

Para além dos desafios territoriais, os povos indígenas enfrentam, ainda nos dias de hoje, problemas com racismo, preconceito, violação aos direitos das mulheres indígenas, falta de acesso à saúde e serviços públicos, além da alimentação escassa e pobre em nutrientes.

A terra é para os povos indígenas, fonte e mãe da vida. O espaço vital a garantia de sua existência e reprodução ou reconstituição enquanto povos. A terra não é, como na mentalidade capitalista, semente fator econômico-produtivo ou um bem comercial, de propriedade individual, que pode ser adquirido, transferido ou alienado, segundo as leis do mercado. A terra, na visão dos povos indígenas, é mais que um pedaço de chão. Não é apenas base de sustento, mas o lugar territorial onde jazem os ancestrais, onde se reproduz a cultura, a identidade e a organização social própria. Não é a terra que pertence ao homem, é o homem que pertence a terra.

É com os olhos fixos no veredito da História, tradução do julgamento de Deus, que o Brasil deve solucionar o problema dos indígenas. Não como problema de segurança nacional e economia, mas como imperativo da dignidade humana e da honra do povo brasileiro.

A preservação do meio ambiente, é uma condição fundamental para a reprodução da vida, nos moldes tradicionais, nas comunidades indígenas.

Há que se considerar então, que existe relação de respeito entre o índio e a natureza, podendo-se afirmar que o índio, para sua sobrevivência, dentro dos métodos tradicionais, não agride o meio ambiente, como faz o homem que vive na sociedade hegemônica. A terra para o indígena é o seu meio de sobrevivência. Sem ela não há vida.

O Marechal Rondo, em trágica profecia, já em 1916, dizia: "Mais tarde ou mais cedo, conforme lhes soprar o vento dos interesses pessoais, esses proprietários - coram Deum soboles (ante a face de Deus) – expelirão dali os índios que, por uma inversão monstruosa, dos fatos, da razão e da moral, serão considerados e tratados como se fossem eles os intrusos, salteadores e ladrões".

18/04/2022

Liberdade, ainda que tardia

“Mestre, é lícito pagar imposto a César ou não? (Mateus 22:17). Qualquer resposta de Jesus o comprometeria, colocando-o ou como traidor da nação de Israel ou em confronto direto com o Império Romano. Se defendesse a liberdade de Israel, respondendo que era ilícito pagar imposto a César, seus opositores o entregariam a Pilatos para que fosse executado, embora também considerassem injusto tal tributo. Se dissesse que era lícito pagar tributo a César, o jogariam contra o povo que o amava, pois o povo passava fome na época, e um dos motivos era o jugo de Roma. Por isso que disse: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Segundo o escritor Augusto Cury, no seu livro “O Mestre da Sensibilidade”, não havia outra solução para Jesus naquele momento, a não ser que se intimidar e se omitir. Suas palavras certamente abririam a vala da sua sepultura.

A necessidade de coletar tributos dos cidadãos, não é uma prática que iniciou apenas na sociedade atual, como conhecemos. Na verdade, o recolhimento de impostos acompanhou a evolução da sociedade e da humanidade desde os primórdios.

Segundo relatos da história, os primeiros registros de cobranças foram de 4000 A.C., documentados em peças de barro, encontradas na região da Mesopotâmia. Nessas peças foi possível constatar que os tributos exigiam que parte dos alimentos produzidos pela população, fossem destinada ao governo. Além disso, parte do povo era obrigado a passar até cinco meses por ano trabalhando para o rei.

O Império Romano, foi o primeiro grande exemplo do uso eficiente dos tributos recolhidos. A cobrança de impostos, era usada como forma de fortalecer seus exércitos e conquistar mais terras. Os principais impostos cobrados eram sobre a importação de mercadorias (“portorium”) e sobre o consumo geral de qualquer bem (“macelum”).

A queda do Império Romano, trouxe um novo sistema de organização da sociedade e, portanto, dos impostos. É nessa época, que surge a lenda do mais belo protesto contra excesso de tributação. O conde Leofric de Mercia disse a sua mulher, Lady Godiva, que só baixaria os impostos da pequena cidade de Coventry, Inglaterra, quando ela passeasse nua pela cidade sobre um cavalo branco. Ela aceitou o desafio, mas em respeito ao seu ato de bravura e humanidade, o povo fechou as janelas e não a contemplou.

Importante ressaltar, que o tributo administrado pelo Estado, de uma forma muito semelhante ao que conhecemos hoje, foi instituído na Grécia. Com base nos impostos recolhidos e no trabalho escravo, os gregos se tornaram uma das maiores civilizações do mundo.

Com a evolução da sociedade, os impostos também foram se adaptando, seguindo os formatos de governança do Egito, Império Romano, Grécia e Idade Média, chegando aos modelos de tributação que ainda temos hoje em dia.

Aterrissando em nossas terras, a história da origem dos impostos no Brasil, iniciou-se com o extrativismo do pau-brasil, sendo o primeiro produto a ser tributado. Nessa época, 1/5 de toda a extração do pau-brasil deveria ser entregue à Coroa Real Portuguesa.

No final do século XVII, a cana-de-açúcar, que era a principal economia do Brasil, estava em decadência. Sendo assim, os colonos tiveram que buscar uma nova alternativa para garantir o enriquecimento da metrópole. Foi então que, finalmente, encontraram as primeiras jazidas de pedras preciosas, na região das Minas Gerias. Inicia-se, dessa forma, o Ciclo do Ouro (ouro, prata e diamantes). A descoberta de ouro na região das Minas Gerais gerou uma corrida para extração desse metal.

A Coroa Portuguesa, na época, viu uma grande possibilidade de arrecadar tributos e lucrar muito com o trabalho da população, que convergia para a área, tratou então de lançar pesados tributos sobre a produção mineral. Foi lançado então a cobrança do "QUINTO". O chamado quinto, como o próprio nome já indica, correspondia à cobrança de 20% (1/5) sobre a quantidade de ouro, extraído anualmente. Afirma-se que o termo era dirigido aos cobradores de impostos, que ao exigir o quinto ouviam algo como "Vá buscar o quinto nos infernos!".

A partir do final do século XVIII, a exploração desmedida fez com que os metais das jazidas se esgotassem. Com isso, os proprietários não tinham como pagar o imposto referente a extração dos metais, chamado de quinto real.

Com o descompasso entre o imposto esperado e o que deveria ser verdadeiramente pago, Portugal lançou a “derrama”. A Derrama tinha como objetivo cobrar todos os impostos atrasados de uma só vez. Caso não fosse pago, ocorria o confisco de todos os bens dos devedores.

Pois bem, em 21 de abril de 2022 completarão 230 anos que Joaquim José da Silva Xavier, vulgo TIRADENTES, foi enforcado por ter cometido o crime de lutar pela independência e contra a cobrança injusta de impostos, pela Coroa Portuguesa.

O movimento, que foi denominado de Inconfidência Mineira, no entanto, nunca superou a fase conspiratória. Isso aconteceu porque Joaquim Silvério dos Reis denunciou o movimento em março de 1789. Ele manteve contato com os inconfidentes e participou das reuniões secretas. Joaquim Silvério denunciou a organização em troca do perdão de todas as dívidas que ele possuía. 

Tiradentes foi o único dos líderes da Inconfidência Mineira a ter sua condenação à morte concretizada. De acordo com os historiadores, apenas Tiradentes foi condenado a morte porque era o único envolvido que não pertencia à elite econômica e política de Minas Gerais. Além disso, durante os interrogatórios que foram realizados, ele foi o único que não negou o envolvimento com a Inconfidência Mineira e também foi quem não abriu mão às defesas dos ideais republicanos.

Um fato curioso, é que poucos sabem, que a imagem que vemos nos livros escolares de Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, é uma idealização de quem o retratou. Segundo o historiador e pesquisador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) de Minas Gerais, Olinto Rodrigues, as pinturas que retratam Tiradentes com barba e cabelos nos ombros foram inspiradas em Jesus Cristo.

Ele percorreu um longo período de anonimato, antes de ser reconhecido como o grande herói nacional. Por sua atuação na revolta provocada pelo excesso de impostos cobrados pela Coroa Portuguesa é também denominado Patrono dos Contribuintes.

Passados 230 anos, o Brasil continua sob enorme carga tributária e um emaranhado de burocracia, para se apurar os tributos e contribuições a serem recolhidos pelos contribuintes.

Em 2021, considerando dados oficiais, a carga tributária no Brasil correspondeu 33,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Lembramos que em 1950, correspondia a 14%. Simplificando, a carga tributária que nos aflige é 63% (Sessenta e três por cento) maior do que aquela exigida por Portugal na época do "QUINTO DOS INFERNOS". Interessante que Tiradentes, foi enforcado por se levantar contra muito menos injustiça do que somos vítimas hoje.

Não à toa, o estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) revelou que os brasileiros precisam trabalhar, para pagar impostos, mais de 5 meses todos os anos. 151 dias de trabalho são destinados aos cofres públicos. 

Ao todo, entre impostos federais, estaduais e municipais, taxas e contribuições, o Brasil possui uma lista de 92 tributos vigentes.

Nosso país, destaca-se mundialmente em dois pontos antagônicos: está entre os países de maior Carga Tributária e infelizmente, entre os que menos retorno concedem aos cidadãos. Suécia, Dinamarca, Finlândia, Alemanha e França, por exemplo, têm cargas tributárias superiores as do País do Futebol. Todavia, em um ranking levantado pelo mesmo IBPT, entre os 30 países com a maior carga tributária no mundo, o Brasil é o que proporciona o pior retorno dos valores arrecadados em prol do bem-estar da sociedade.

Estudo publicado pela ONU revela que os cidadãos da Alemanha, são os que melhor aceitam pagar taxas para financiar bens públicos, como saúde e educação. Os brasileiros, por outro lado, estão entre os menos satisfeitos em ter que pagar taxas, por não terem a contrapartida de serviços públicos de qualidade.

A cobrança de impostos é inegavelmente uma preocupação dos brasileiros. O que poucos sabem, é que, ao contrário do que o senso comum imagina, o Brasil está entre os países do mundo que mais taxam a população pobre do país.  Aqui, quem tem menos paga mais. Isso acontece porque a carga tributária brasileira está concentrada nos impostos indiretos, que consistem em taxas sobre o consumo inseridas nos preços de toda e qualquer mercadoria. Quando você olha para os países europeus, a maior parte dos tributos incide sobre a renda das pessoas que ganham mais e também sobre o patrimônio.

De acordo com dados da Receita Federal, grande parte da arrecadação de impostos, vem de bens e serviços, cerca de 44,8%. Folha de salários, com 27,34%, e renda com 21,62% fecham o top 3 de arrecadação de impostos no país.  No caso de bens e serviços se destaca a tributação indireta, que quer dizer que não leva em conta a renda para tributar produtos neste sentido. 

Isto é, o mesmo valor de determinado produto ou serviço será cobrado para o rico e o pobre. Considerando esse cenário, é possível afirmar que a base da pirâmide social, a classe média assalariada e os pobres, de uma forma geral, é que acabam pagando mais impostos. 

Além do sistema tributário brasileiro, onerar os mais pobres, também abre mão de cobrar impostos dos mais ricos desde 1996, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso isentou impostos sobre lucros e dividendos das pessoas físicas na declaração do imposto de renda. Isso significa que quando uma empresa transfere lucros e dividendos para seus acionistas, essa transferência de renda, geralmente de valores exorbitantes, não é tributada. O Brasil faz parte de um reduzido grupo de nações que não taxam essa renda paga a pessoas físicas. No grupo, figuram ainda países como Estônia e Letônia.

Enquanto isso, um trabalhador assalariado tem que preencher sua declaração de imposto de renda com todos os rendimentos na parte de tributáveis. Informa seu salário, retém na fonte, tudo certo. Agora, o empresário informa seus lucros na parte de isento.

Outra distorção, refere-se o imposto sobre grandes fortunas. Está previsto na Constituição desde 1988, mas até hoje não saiu do papel porque ainda não foi regulamentado pelo poder público.

Quando os pobres arcam proporcionalmente mais com os tributos, a própria Constituição Brasileira é violada. O artigo 145 estabelece que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar e respeitar os direitos individuais nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

A grande razão do imposto ser alto no Brasil, é que, a cada dia que passa, os gastos públicos estão mais altos no país. A consequência disso é um grande rombo nas contas públicas e para supri-lo o governo aumenta os impostos para elevar a arrecadação.

Além disso, como o dinheiro da arrecadação não é investido corretamente, a qualidade dos serviços básicos na área de saúde, educação, transporte e outros é extremamente baixa.

Hoje, 230 anos depois, não se paga mais um quinto, mas cerca de dois quintos, ou seja, aproximadamente 35% de impostos saem do bolso do brasileiro direto para o governo.

Entendemos que uma Reforma Tributária é absolutamente necessária. Ela precisa ser profunda, alterar a Constituição, pois ela amarra muito o sistema tributário. É necessária uma reforma tributária de verdade, que provocasse aplausos a Tiradentes (se vivesse em nossos tempos), que priorize uma tributação justa, num sistema tributário mais simples de operar e menos burocrático, contemplando melhoria na distribuição de renda. Mas sou cético. A chance acontecer isso é muito baixa, pois contraria interesses dos grupos políticos.

Fico pensando o que faria o Mártir da Inconfidência se vivesse nos tempos atuais. Naquela época, Tiradentes não tinha Constituição na qual se apoiar. Ele não dispunha de celular, Instagram, facebook, e-mails, etc. mas mesmo assim lutou com todas as armas que tinha, contra o jugo Português, impiedoso e déspota.  

Bem, apesar de toda essas mídias digitais, existentes atualmente, acredito que um Tiradentes não daria conta. Seriam necessários vários Tiradentes. Hoje os Tiradentes vão para a rua, a polícia reprime e nada muda. Acho que só alguém no poder poderia mudar algo de cima para baixo.

Acredito que o dia 21 de abril deveria ser usado pelo cidadão, enquanto contribuinte, para manifestar sua indignação contra essa situação de opressão fiscal sem precedentes, em nossa história.

Dentre os direitos humanos, a liberdade econômica também compreende a liberdade do indivíduo.

Assim sendo, inspirado nos ideais de Tiradentes, tenhamos coragem de lutarmos pela nossa liberdade econômica para que sejamos realmente livres: “Libertas quae sera tamem”.