24/11/2023

Boneca de trapo, pedaço da vida

Entre todos os esportes existentes, ou até lobbys, o único que nunca tive interesse de praticar foi a pescaria. Talvez pela minha pouca paciência. Não sei nem se tenho alguma. Todavia, usando a fama dos pescadores, sempre gostei de contar histórias, principalmente fatos ocorridos em minha vida.

Interessante que os fatos que mais vêm na minha lembrança, estão relacionados principalmente aos da minha infância. Lembro, por exemplo, de quando morava em Solânea na Paraíba na década de 60, quando em determinado tempo, constantemente diversas moças iam procurar meu pai (na época era Juiz de Direito desta cidade) em nossa residência. Bem, na época não sabia que aquelas “moças” trabalhavam no Baixo Meretrício de Solânea. Fiquei sabendo anos depois. Essa visita era para reclamar a decisão que tinha sido tomada por meu pai, em conjunto com o prefeito de Solânea, de relocar a rua das "Boates" que ficava praticamente paralela à rua principal daquela cidade. Essa era uma reinvindicação dos Solanenses. Claro, nem todos. Pois bem, assim ocorreu. O prefeito abriu uma nova rua que permitia as “meninas” trabalharem em local mais afastado do centro da cidade. 

Deixando minhas histórias de lado, mas continuando com o tema em questão, as famosas “zonas do baixo meretrício” atravessam o tempo se debatendo entre a má fama, o preconceito, e às muitas histórias ao redor delas. Apesar dos cabarés serem muito associados ao sexo, muita gente ia a eles apenas para beber, se divertir e conversar. Eram pontos de encontro para várias coisas. Citando um exemplo, temos o famoso cabaré de Maria Boa que ficava situado no Baldo, Rua Padre Pinto, 480, na cidade Natal-RN. Segundo conta os historiadores, quando os soldados americanos desembarcaram em Natal, durante a Segunda Guerra Mundial em 1942, a cidade possuía 55 mil habitantes e um único lugar onde atravessar a noite longe de casa: o cabaré de Maria Boa. Nascida em Remígio, na Paraíba, em 1920, chegou em Natal após ser expulsa de casa pelos pais.  A prostituição foi o modo como Maria Boa, passou a sobreviver. Tempos depois, Maria decidiu montar o próprio estabelecimento. Não seria um bordel, na concepção da palavra, mas um lugar para apreciar música e apresentações teatrais com as melhores bebidas, cigarros e jantares. “Os americanos eram loucos pelo cabaré de Maria Boa, pelas ‘meninas’ de Maria Boa. Eles ofereciam médicos para cuidarem delas, muitos se apaixonaram e queriam casar com as prostitutas”, disse o escritor Diógenes da Cunha Lima. Governadores, políticos e empresários sofreram a mesma atração dos americanos.

Algumas obras sobre as damas da noite, cita diversas curiosidades, como as que o presidente João Goulart, que esteve em Maria Boa em 1963.

A homenagem a Maria aconteceu na década de 50, após o fim da guerra, quando o avião já havia deixado de ser de guerra e se tornou de carga, por soldados brasileiros que atuavam na base aérea de Natal e o nome de Maria Boa escrito na lataria.

Infelizmente, a prostituição, popularmente conhecida como a profissão mais antiga do mundo, no decorrer da história até os dias atuais, encontra-se a margem da sociedade e ainda é um tabu grande a ser debatido e discutido na nossa sociedade. Sendo um dos mais antigos fenômenos sociais, pode ser vista por meio de diferentes registros históricos, marcada com traços peculiares de diferentes épocas e culturas. Se, para grupos feministas, ela é considerada uma espécie de escravização, para outros, como as prostitutas que debatem feminismo e prostituição, ela é considerada uma opção de trabalho.

As prostitutas se encontram em todas às sociedades e em todos os países, independentemente da situação financeira em que estão inseridas.

Alguns autores defendem a existência de prostitutas no Período Primitivo, denominadas de prostituição sagrada. A prostituição sagrada foi, na verdade, a tradição do ritual sexual que persistiu desde a Idade da Pedra para se tornar parte integral da adoração religiosa nas primeiras civilizações do mundo.

Na Antiguidade, a maioria das mulheres que exerciam a prostituição não sofriam repressões e isso preocupava os homens interessados em derrubar o poder que elas possuíam. Para reverter esta situação, foi criado um código moralista de repressão ao sexo, colocando-o como algo negativo. O primeiro registro da separação de prostitutas das esposas data de 2000 a.C., na antiga Suméria.

Deste modo, os homens deveriam prover a prostituta que lhe tivesse dado filhos. No entanto, ela nunca poderia frequentar a casa onde vivia a esposa, enquanto ela fosse viva.

A Idade Média, foi um período marcado pelo domínio do cristianismo, representado pela Igreja Católica na Europa Ocidental. O cristianismo, adotou o vínculo obrigatório da relação sexual com o casamento, tornando a fidelidade conjugal um dever incondicional. A principal autoridade da Igreja inicial sobre a sexualidade e o casamento, foi Santo Agostinho, que também foi impetuosamente contra ao prazer sexual: “Não conheço nada que rebaixe mais a mente dos homens do que as carícias de uma mulher e aquela união de corpos sem a qual não se pode ter uma esposa”. A Igreja Católica criou condutas rígidas para as mulheres, buscando garantir a manutenção das virtudes femininas, como a virgindade. A prostituição era tolerada, com certas ressalvas, como o objetivo de evitar casos de estupro.

Tomás de Aquino escreveu que a "prostituição nas cidades é o mesmo que os banheiros dos palácios. Tire-os e os palácios serão destruídos pelo fedor e pela putrefação".

A Idade Moderna foi um período marcado por acontecimentos significativos como a Expansão Marítima, o Renascimento e a Reforma. A Itália se torna o palco do florescimento da prostituição, que pode ser atribuído ao fato deste país ter sido o berço do renascimento do Classicismo e da Razão. A prostituição em Veneza, era passada de mãe para filha, quando às jovens eram consideradas prontas para exercer a profissão, as mães,  as levavam para desfilarem nas feiras e nos mercados. Nos séculos 16 e 17, as cortesãs dominaram a cena da prostituição na Europa ocidental. Elas não eram mulheres públicas e não estavam disponíveis a todos.

No fim do século 19, com o surgimento das cidades e a entrada da mulher na vida social urbana, médicos e higienistas passaram a pressionar o Estado para que interferisse e delimitasse as zonas de atuação das prostitutas nas cidades.

No Brasil, a prostituição já existia na época colonial e foi por muito tempo vista como um "mal necessário" para preservar as "mulheres de família". As escravas negras muitas vezes vendiam o corpo em troca de alforria. A chegada da família real portuguesa, em 1808, trouxe também as cortesãs (amantes que se associavam aos ricos e poderosos nobres que as proviam de luxo e bem-estar, assim como status junto à corte, em troca de sua companhia e seus favores).

Na Idade Média, as mulheres entravam para a prostituição por razões basicamente iguais às que as levam a fazê-lo em qualquer época: pobreza, inclinação natural, perda de status, um passado familiar perturbado, violento ou incestuoso. Podemos complementar: uma situação econômica precária, difícil colocação no mercado de trabalho por baixos rendimentos, e muitas vezes, pela condição de arrimo e chefe de família.

Muitas mulheres entram para a prostituição muito cedo, às vezes ainda criança. Essa prática pode ser incentivada pela própria família que busca recursos financeiros para sobreviver e por isso, explora a criança e a coloca em uma situação de violência.

Em geral, as prostitutas são vistas como mulheres vítimas de uma situação econômica em desequilíbrio ou submetidas à prostituição forçada, como no caso do tráfico internacional de seres humanos com fins de exploração sexual.

Existe um número muito grande de prostitutas que se tornam vítimas de problemas secundários advindos da prostituição, como maior predisposição ao uso e tráfico de drogas, doenças sexualmente transmissíveis, estupros, homicídios, suicídios, depressões, entre outros,

Hoje, a profissão incorporou as características do século, com mulheres sendo contratadas por redes sociais, oferecendo serviços eróticos por telefone ou fazendo strip-tease pela internet.

Uma prática que está se tornando cada vez mais comum entre garotas é adentrar ao mundo das agências de modelos. Muitas destas, com o disfarce de agenciadoras de meninas para desfiles e campanhas publicitárias, lançam mão do book rosa, onde modelos que prestam serviços sexuais são agenciadas por um novo modelo de cafetão e que também não pode ser caracterizado como exploração sexual, devido a toda estrutura montada em forma de agência de modelo. Algumas são convidadas para participar de festas, convenções na companhia de executivos, empresários e turistas, locais em que se exige uma postura que em nenhum momento as identifique como prostitutas. Vestem-se bem e conhecem os principais lugares da moda. O interessante é que estas mulheres não se consideram prostitutas, mesmo comercializando o sexo.

Além da degradação espiritual e moral que provoca, tanto individualmente, quanto socialmente, a prostituição é um dos maiores sistemas usurpadores de vida.

Todavia, no mundo atual, uma preocupação ainda maior bate a nossa porta, a prática afetivo-sexuais dos jovens. Alguns jovens, experimentam práticas afetivo-sexuais diferentes ao mesmo tempo, por exemplo, namorar e “ficar”, outras vezes, sequencialmente, alternando fases tais como a de “namoro sério” e a de “curtir”. No “ficar”, na maior parte das vezes, o jovem se sente mais livre para fazer o que bem quiser, e buscar prazeres mais imediatos.

No Brasil, a vida sexual dos jovens está sendo iniciada cada vez mais cedo, é o que diz uma pesquisa realizada pelo ministério da Saúde. Às vezes, as garotas fazem somente para provar ao namorado que o ama, e inicia rápido demais a vida sexual e acaba não respeitando o seu tempo. Isto demonstra que os jovens vivem um momento muito difícil na nossa sociedade no que se refere à sexualidade. A adolescência ganhou evidência pelos problemas sociais associados a esta fase da vida.

Banalização do sexo é entrave na vida dos jovens. As tecnologias, os meios de comunicação de massa (internet, jornais, tevê, cinema) são para os jovens fontes fartas de informação sobre o assunto, mas ainda falta sensibilidade para aplicar o conhecimento em suas vidas.

Como sexo é algo desconhecido no universo do adolescente, este tende a iniciar cada vez mais precocemente a prática de relações sexuais, muitas vezes até mesmo por pressão do grupo social no qual se encontra engajado.

Acreditando que a filha adolescente não pratique relação sexual, os pais evitam discutir sobre sexo e ficam a espera de "algum sinal" que indique que a jovem descobriu a sexualidade. Entretanto, esse sinal pode surgir como produto de uma prática sexual desprovida de orientações ou baseada em informações inadequadas.

É necessário compreender a importância que se tem de discutir sobre a questão da pornografia, prostituição e exploração sexual, seu desenvolvimento e embasamento histórico na sociedade e a forte relação existente para com a violência contra a mulher.

O tempo presente é de regressão civilizatória com visível banalização da vida humana. Antes a gente via às mulheres prostitutas nas rua, e hoje existem jovens com atitudes iguais ou piores que elas, a coisa mudou muito.

Não se pode deixar de mencionar que foi Maria Madalena (considerada erroneamente como prostituta por muitas pessoas ao longo da história) da Galileia, que desempenhou um dos papéis mais importantes da história de Jesus Cristo, sendo dado a ela o crédito de ter descoberto a tumba vazia do mestre e de testemunhar a sua ressurreição. No entanto, o mais incrível – infelizmente – foi Maria Madalena ter proporcionado aos cristãos o protótipo de um de seus modelos preferidos: a Prostituta Arrependida. “Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra” (João 8;7).

A história da prostituição perdeu-se na poeira do tempo, porque é tão antiga quanto a história da humanidade, onde nenhuma civilização escapou à sua convivência e nenhum berço foi respeitado.

Concluímos, lembrando da música “Meu Vício é Você” de Adelino Moreira: "Boneca de trapo, pedaço da vida.  Que vive perdida no mundo a rolar. Farrapo de gente que inconsciente. Peca só por prazer, vive para pecar".