28/10/2022

O homem é o lobo do homem

Desde que me aposentei, tenho tido mais oportunidade de aproveitar minha pequena casa, localizada na praia de Graçandu-RN. Passei a ser um iniciante de jardineiro, cuidando de um pequeno jardim que minha esposa fez na frente da casa. Quando chega à noite, fico deitado numa rede, apreciando a natureza pelo conjunto plantas (do jardim da casa), lua e estrelas.

A natureza é maravilhosa, cheia das obras de Deus! “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos” (Salmos 19:1).

Quem não consegue ver a mão de Deus na natureza está cego. O Arquiteto da Vida criou um lugar maravilhoso para a joia de sua criação, que é a humanidade. A natureza é a forma encontrada por Deus, de nos conduzir para mais perto d’Ele. Tudo que ele criou recebe seu amor. Por isso, devemos respeitar a criação e cuidar da natureza. Deus é o verdadeiro dono da terra.

Ele estabeleceu o homem, como dominador e protetor da natureza, mas infelizmente, sua criação, não respeita e cuida da natureza, e nem de seus semelhantes. Na verdade, o que sempre temos visto é o homem se revestir e operar um papel de destruidor do habitat e da comunidade da qual ele mesmo faz parte. Um verdadeiro retrocesso, que poderíamos popularmente definir como o retorno às cavernas.

O ser humano nasce, cresce e se reproduz na sociedade, e nela deve buscar seu progresso como pessoa humana e produzir durante toda a sua vida, de forma incessante ações positivas para que a mesma se mantenha e evolua, mas na prática não é isso que acontece. O que vemos é uma sociedade cada vez mais violenta. Diariamente, atrocidades são noticiadas pelas redes de televisão, rádios e plataformas digitais, como: sequestros, assaltos, violência contra crianças e idosos, feminicídios, assassinatos em série, entre outros, que causam pavor na sociedade.

Simples ações, tornaram-se perigosas para a sociedade, tais como: atender ao celular na via pública, estacionar o carro em frente de casa ou em qualquer local, andar de bicicleta, esperar um ônibus no ponto, andar pelas ruas, deixar as portas e janelas abertas de nossas residências, etc.

Apesar de cada vez, estarmos mais cheios de tecnologia, estranhamente cada vez mais regredimos na área moral, afetiva e espiritual.

Por exemplo, nas redes sociais, percebe-se a falta amor no mundo. As pessoas usam as redes para expor suas imagens e falas, para expressar pensamentos e sentimentos, para fazer movimentos e manifestos, inventar histórias e dividir momentos. Se sentem livres para expressar a sua opinião a partir da máxima de “doa a quem doer”. Essas atitudes de ódio são reflexo de insegurança e inveja. Os ataques de ódio, de desrespeito e de preconceitos mostram claramente o descontrole emocional e a capacidade das pessoas de discernir sobre respeito, empatia, limites de espaço.

O filósofo, teórico político e matemático inglês Thomas Hobbes (1588-1679), foi o responsável por divulgar a célebre frase "O homem é o lobo do homem". A frase usa uma linguagem metafórica, isso é, faz uma comparação com o comportamento animal, para ilustrar aquilo que o filosofo acredita ser a conduta do ser humano de modo geral.  Explorador por essência, aproveitador dos mais fracos, o homem teria por instinto o impulso de usurpar o que é do outro, colocando-se acima dos demais e tendo como prioridade máxima o bem estar individual ao invés do coletivo. Na frase, vemos sintetizada a ideia de que o homem é o seu próprio inimigo, provocando lutas sangrentas e, muitas vezes, matando os seus semelhantes.

Corroborando com a frase de Thomas Hobbes, a cada dia somos bombardeados de notícias trágicas, sórdidas, de uma perversidade que parece não ter limites. Quando achávamos que um fato tinha chegado ao máximo da bestialidade do "fim do mundo", da desumanização do ser humano, eis que surgem novas histórias ainda mais chocantes.

Por exemplo, a guerra que iniciou em 24/02/2022 entre a Rússia e a Ucrânia, que já fez muitos mortos e feridos é uma dessas “desumanização do ser humano”.

A guerra na Ucrânia vem causando uma mobilização internacional, como poucas vezes se viu nas últimas décadas. No entanto, quando comparada com outros conflitos que existem no mundo hoje, há mais mortes e sofrimento humano sendo causados em outras guerras que recebem menos atenção e ajuda internacional. É o caso do conflito do Iêmen, que já dura pelo menos 11 anos. Os números são chocantes: mais de 233 mil mortos e 2,3 milhões de crianças em desnutrição aguda.

As guerras fazem parte da história da humanidade, sendo registradas e estudadas desde a antiguidade.  Raríssimos foram os anos, nos quais nenhuma guerra aconteceu no planeta.

Até onde os estudos arqueológicos podem comprovar, os primeiros grandes exércitos foram os assírios que tinham grandes forças e estratégias, essa civilização que se encontrava na Mesopotâmia e Egito.

Um time de pesquisadores da Universidade de Cambridge acaba de divulgar um estudo sobre fósseis que encontraram em Nataruk, no Quênia. A busca levou os arqueólogos a encontrarem ossadas de homens, mulheres e crianças com sinais claros de violência física, sugerindo que a humanidade está em guerra há pelo menos dez mil anos. Até agora, este é o conflito humano mais antigo de que se tem notícia. 

Um dos conflitos mais longos da história da humanidade foi a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), estendendo-se por 116 anos. Foi motivada pela disputa de interesses entre duas dinastias. Especula-se que causou a morte de 2 a 3 milhões de pessoas.

O Século XIX foi um período transicional extremamente sangrento no campo bélico. No intervalo de cem anos entre a batalha de Waterloo, em 1815, e o início da primeira Guerra Mundial, os conflitos militares se desenvolveram mais rápido e dramaticamente do que em qualquer século anterior.

Uma guerra pode começar pelos mais diversos motivos: honra, glória, liberdade, posse de recursos naturais, sentimento de ameaça... e outras questões, digamos, menos nobres.

Por exemplo, Honduras e El Salvador, guerrearam por causa de uma partida de futebol. O estopim foi causado em 1969, por uma simples partida de futebol entre os dois países. O jogo valia um lugar na Copa do Mundo do ano seguinte. O jogo terminou em 3x2 para os salvadorenhos, e as relações diplomáticas com Honduras foram rompidas. Duas semanas depois, no dia 14 de julho, os combates armados entre as forças militares nacionais começaram, incluindo o uso de armamento pesado, utilizado na Segunda Guerra Mundial.

As guerras, em geral, normalmente são causadas por atitudes gananciosas de governos, país ou governantes. Como exemplo, podemos citar as duas Guerras Mundiais. A primeira, que se estendeu de 1914 até 1918 foi causada por desentendimentos dos países europeus sobre a divisão das colônias africanas na Conferência de Berlim.

O início da Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945) também se dá em situações de ganância. Vale lembrar que a Alemanha foi derrotada na Primeira Guerra, e os vencedores foram bastante gananciosos ao estabelecer a pena para os germânicos no Tratado de Versalhes: uma quantia de dinheiro e outras sanções que a Alemanha simplesmente não poderia arcar sem entrar em uma crise sistêmica.

Enquanto os vencedores achavam que estavam tomando a melhor atitude a se fazer – por confiscar milhões de libras – eles nada mais faziam que ativar no povo alemão um sentimento de revanchismo. Sentimento este que incentivado pela ganância de Hitler, transformou o mundo em uma grande bomba novamente. Mais uma vez, a ganância de poucos resultou na morte de milhões e na destruição de nações inteiras.

A Segunda Guerra Mundial, foi um dos conflitos mais violentos e mais mortal da história da humanidade. Um total estimado de 60 a 70 milhões de pessoas pereceram. Entre as vítimas deste conflito, 62% eram civis, ou seja: pessoas que não tinham nada a ver com a briga além do fato de estarem lá. Além das armas de fogo convencionais, nessa guerra rolou gás mostarda, testes com pessoas em campos de concentração e a última novidade do momento: bombas nucleares.

O Brasil enviou 20.573 soldados brasileiros à Itália na luta contra o fascismo. Infelizmente, tivemos 450 praças, 13 oficiais e 8 pilotos mortos em ação. Foram aproximadamente 12 mil feridos nos combates.

Os incontáveis relatos e imagens das atrocidades cometidas nas guerras nunca foram suficientes para convencer os governantes a não utilizá-las para conquistar mais poder. Elas continuam sendo o instrumento, pelo qual aqueles que dominam o espaço terrestre tentam impor seu domínio até os dias de hoje. Parece que a humanidade nunca aprende, ou tem memória curta, quando se trata de guerra.

Em 30 de julho de 1932, Albert Einstein, o pai da física moderna, escreveu uma carta para neurologista e psiquiatra austríaco Sigmund Freud, com o título “Por que a guerra?”.  

Einstein questionava se havia alguma forma de livrar a humanidade da ameaça da guerra e chegou a declarar que Freud - por ser o criador da teoria, um estudioso do psiquismo humano e conhecedor da vida instintiva do homem - poderia elucidar e sugerir métodos educacionais que demarcassem caminhos e ações que resolveriam o problema, a ponto de tornar impossível qualquer conflito armado.

Freud, responde a questão a partir de duas das suas inúmeras teorizações sobre a subjetividade humana. Em primeiro lugar, a violência humana é inerente à condição biológica do homem, manifesta-se em todos os conflitos de relação a partir do processo mais remoto de socialização. Em segundo lugar, o homem é mobilizado por dois instintos ou pulsões, cujas atividades são opostas entre si: a pulsão construtiva, erótica ou Eros, que tendem a preservar e a unir, e a pulsão destrutiva, de morte ou Tanatos, que tendem a destruir e matar, os quais agrupamos como instinto agressivo ou destrutivo.

Bem, não sei se Freud consegui responder o questionamento de Einstein, mas me fez refletir sobre a parábola do bom samaritano, (Lucas10:30-35), que fala de pessoas boas e más. Alguns de nós somos como o sacerdote e o levita da parábola, outros como o samaritano, outros como os ladrões e outros ainda como o homem que foi espancado e deixado meio-morto. O samaritano era “bom” porque não desprezou o homem agredido e parou para estabelecer, um relacionamento com ele.

Do ponto de vista psicológico, encarar as pessoas simplesmente como boas ou más é muito simplista. Talvez seja mais fácil pensar assim porque, ao rotular os outros, sabemos em quem confiar e quem evitar. Mas a verdade é que sempre existem possíveis “samaritanos” e “ladrões” entre nós, e cada um de nós tem aspecto de ladrão, de sacerdote e de samaritano. Aqueles que reconhecem e valorizam a sua necessidade básica de se relacionar amorosamente com os outros tendem a ser boas pessoas e a ter um bom comportamento. As pessoas que violam sua natureza essencial de viver um bom relacionamento com os outros comportam-se como más.

Jesus, conhecia profundamente a natureza humana, e por isso pode hoje nos ajudar a compreender o comportamento de todas as pessoas que conhecemos, inclusive o nosso.

A vida é muito complexa. Lidamos o tempo todo conosco mesmos e com os outros em meio às divergências, às dúvidas, às diferenças, ao caos, às contradições, etc. Por isso, um grande desafio para o ser humano é existir e coexistir: escolher e se apegar no que representa um bem para si e para os outros. Ninguém vive sozinho.

É certo que não há sociedade sem violência, seria uma utopia, até porque o desenvolvimento e o progresso geram sim desigualdades, exclusões, fome, miséria e degradação de partes do coletivo social. Porém não deixará de existir a violência se a pessoa humana não for suficientemente tolerante, compreensiva, seguidora de valores e princípios construídos para o bem comum.

Nos últimos tempos, temos o incômodo sentimento de que as expressões públicas de intolerância, só aumentam. Muitas, lamentavelmente, alimentadas por lideranças políticas, religiosas e midiáticas, muito especialmente nos tempos de campanha eleitoral.

A intolerância se concretiza em preconceitos, discriminação e ódio de diferentes formas: racismo (contra negros), machismo/sexismo (contra mulheres), classismo (contra pobres), xenofobismo (contra estrangeiros e populações de regiões inferiorizadas), LGBT fobismo (contra pessoas LGBTX), etarismo (conta determinadas idades), contra expressões religiosas, contra opções políticas. Intolerância é coisa de gente que não quer lidar com as diferenças e o direito de ser e existir que é de todos que habitam o mundo. A atitude de tolerância não é “aguentar”, “suportar”, não conseguir evitar o outro diferente, mas é a aceitação do direito que cada um tem de ser aquilo que é e de continuar a ser.

A regra de ouro do cristianismo reflete bem este direito: “Não faça ao outro aquilo que você não quer que façam a você” (Mateus 7.12).

Toda pessoa tem o direito à sua própria vida, porque qualquer guerra, seja por motivações políticas ou religiosas, põe um término à vidas plenas de esperanças, porque conduz os homens individualmente a situações humilhantes, porque os compele, contra a sua vontade, a matar outros homens e porque destrói objetos materiais preciosos, produzidos pelo trabalho da humanidade.

É de suma importância lutar com todos os meios, por um mundo que promova a paz em vez da violência, o amor em vez do ódio, a vida em vez da morte.

Temos que evoluir no perdão, limpando do nosso interior as mágoas, raivas, ódios, invejas, ciúmes, apego aos bens materiais, ao poder que só adoece e infelicita o resgate da fraternidade, da compreensão, da capacidade de viver em paz no ambiente de família, nas escolas, na vida social, no trabalho é o maior sentido da vida. Se não entendermos isso, se não mudarmos os nossos comportamentos e visão egoísta, continuaremos a ter contato com a face mais cruel da existência humana.

Não tenho dúvida que todos esses “desafios” ficam bem claros quando lembramos o que Jesus disse, pouco tempo antes de sua morte, para os apóstolos: “Um novo mandamento dou a vocês: Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros. Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros". (João 13:34-35). Jesus nos pede, sem impor, pois ninguém ama por decreto, é que amemos as pessoas tendo como ponto de referência sua prática de amor. Em resumo, falta amor entre os seres humanos. Como tão bem escreveu Mark Baker: “Jesus, o maior psicólogo que já existiu”.

24/09/2022

Se as palavras ensinam, os exemplos arrastam

Nas diversas fases de nossa caminha nesse mundo de Deus, convivemos ou conhecemos pessoas que tivemos a alegria de exaltar pela sua conduta ou melhor dizendo pelo seu exemplo de vida. Não tenho dúvida que para a maioria das pessoas, os pais e os avós foram os primeiros a serem colocados neste universo. Na maioria das vezes perpetuam por toda vida.  Em determinada fase, que chamamos escolar, nosso círculo social começa ter uma abrangência bem maior. Novos exemplos de vida começam ser observados por nós. Sejam professores ou até mesmos colegas.

Graças a Deus, nos meus sessenta de três anos de vida, tive a felicidade de conviver e conhecer muitas pessoas, que pelos seus exemplos de vida, ajudaram nas minhas decisões e atitudes. Vou apenas ressaltar, com muito orgulho, os ensinamento do meu pai (já falecido), principalmente pelo seu senso de justiça e honestidade, de minha mãe pela simplicidade, humildade, e a preocupação de sempre ajudar o próximo, e de minha Comadre Azinete, como exemplo de fé.  Ela, mesmo com os reveses da vida, tais como, perda trágica do seu filho Luiz Henrique (meu afilhado) e os problemas de saúde do seu marido Djalma (falecido), buscou na religião ou melhor nos braços de Jesus a força necessária para continuar sua missão neste mundo de Deus. Como ela uma vez me disse: “Eu sou apenas uma humilde serva do meu Senhor Jesus”. Não podemos esquecer que para vivermos uma fé verdadeira, precisamos crer incondicionalmente na manifestação de Deus em nossa vida.

Fazendo uma abrangência, podemos afirmar que em qualquer segmento da sociedade, seja em instituições públicas e privadas, religiosas, políticas e esportiva, etc., é possível de encontrar pessoas que sejam exemplos de vida. Infelizmente atualmente está difícil de se encontrar nas instituições políticas.

Ao longo da história muitos líderes políticos, religiosos, educadores, e atletas, foram exemplo no seu tempo. Muitas dedicaram integralmente suas vidas a fazer o bem ao próximo. Por exemplo: São João Paulo II que teve uma juventude muito dura pelo ambiente de ódio e destruição da Segunda Guerra Mundial. Durante seus mais de 25 anos de pontificado, São João Paulo II teve um espírito missionário. Promoveu o diálogo inter-religioso. Um de seus gestos mais recordados foi pedir perdão pelos pecados da Igreja em toda sua história. 

A Beata Albanesa Teresa de Calcutá, de coração indiano fundou, a pedido de Deus, uma congregação religiosa ao serviço dos mais pobres entre os habitantes da Índia. Dedicou-se a percorrer os bairros pobres, visitou famílias, lavou as feridas das crianças e ajudou os necessitados, entre eles os leprosos e os chamados “intocáveis”, a casta hindu mais baixa. 

O ativista norte-americano Martin Luther King que lutou contra a discriminação racial e tornou-se um dos mais importantes líderes dos movimentos pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos.

O Sul-Africano Nelson Mandela que foi um símbolo de resistência na luta contra o movimento Apartheid, legislação que segregava os negros no país. Nelson Mandela se tornou referência mundial na busca por uma sociedade democrática e igualitária.

A religiosa católica brasileira Irmã Dulce (1914-1992) que dedicou a sua vida a ajudar os doentes, pobres e os mais necessitados. Foi beatificada pelo Papa Bento XVI, no dia 10 de dezembro de 2010, passando a ser reconhecida com o título de "Bem-aventurada Dulce dos Pobres".

No futebol brasileiro, na minha opinião, o nosso Pelé ou melhor Edson Arantes do Nascimento, foi um dos profissionais do esporte que podemos considerar como exemplo tanto dentro como fora do campo. Maior mito do futebol nacional de todos os tempo.

Antigamente, nas cidadezinhas do interior do País, a população reconhecia as três maiores autoridades do município: o padre, o prefeito e o delegado. Nos município que tinha Juiz de Direito, entrava também no rol das autoridades.

Cada qual, à sua maneira, exercia influência específica sobre o comportamento das pessoas, principalmente diante de algum entrevero, que inevitavelmente exigia uma providencial interferência dessas personalidades. Independentemente do tempo, sempre serão pessoas que precisam dar bons exemplo de conduta.

Não podemos esquecer que tudo começa dentro da unidade familiar. Da mesma forma que os pais são exemplos de autoridade dentro da família, eles são também modelos para seus filhos, que observam seus comportamentos o tempo todo. Todavia, assim como os pais, os avós, os tios e os irmãos mais velhos, devem também ser inspiração para os filhos como exemplo de vida. Nossos filhos, desde o momento em que nascem, são esponjas que estão aprendendo sobre tudo ao seu redor. Nossas ações são muito mais poderosas do que qualquer palavra que digamos.

É incrível parar e pensar o quanto somos exemplo para nossas crianças 24 horas por dia. Os pais são a primeira referência comportamental da criança, portanto é comum que copiem deles não só o falar e andar, como também atitudes e hábitos de vida. Os filhos são como espelhos.

Não há discurso mais equivocado do que o famoso: “faça o que eu digo e não faça o que eu faço”. Apesar de ser importante se comunicar de forma objetiva e coerente, as nossas atitudes precisam estar alinhadas na mesma direção de nossa fala.

Em I Coríntios 11.1, Paulo diz à igreja: “Tornem-se meus imitadores, como eu sou de Cristo”. A Palavra foi dirigida à igreja do Senhor, mas poderia ser aplicada dentro do lar, para pais e filhos. Paulo quis dizer que ele era exemplo de uma pessoa que obedecia a Deus e orientou a igreja a que o seguisse. Com base nesse ensinamento, temos que sempre manter a coerência e evitar o “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.

Lembramos que nos círculos sociais, que os nossos filhos estão inseridos, como por exemplo no sistema educacional, tanto os diretores quanto os professores têm responsabilidade de serem exemplo de conduta. Assim como os orientadores religiosos, sejam padres, pastores ou religiosas. Os mesmos foram escolhidos por Deus, do meio do Povo, com a missão de ensinar o caminho certo, de colaborar com a santificação do Povo de Deus e de governar com justiça a comunidade que lhe é confiada. Consequentemente, têm uma responsabilidade muito grande quando falamos em “ser exemplo”.

De qualquer forma, uma coisa tenhamos certeza, pai ou mãe serão provavelmente o maior exemplo, o maior ponto de referência, que os filhos terão na vida.

Como exorta o Proverbio 22.6: “Ensina a criança no caminho em que deve andar. E, ainda quando for velho, não se desviará dele”.

Não podemos esquecer de ser exemplo de conduta no ambiente de trabalho, independentemente de estar ou não numa posição de liderança. Vivemos num momento em que cada atitude que tomamos fica registrada de alguma forma, exigindo de nós grande atenção quanto aos nossos compromissos e ética. Ser uma pessoa ética em sua vida pessoal reflete diretamente na sua capacidade de servir de exemplo para os seus colegas. Imaginem um CEO (Chief Executive Officer) fazendo uma visita de rotina no chão de fábrica, sem óculos de segurança, numa área onde existe a obrigatoriedade de se utilizar o óculos de segurança. Que exemplo de segurança este administrador está passando para todo quadro de funcionário? Ou ainda, um agente da Policia Rodoviária Federal, dirigindo uma moto sem capacete?  

Infelizmente em nosso pais, parece que as lideranças políticas esqueceram que precisam de diversas competências para exercer a função com excelência, entre estas atribuições fundamentais, destaca-se o “ser exemplo”. Nunca poderão esquecer que suas atitudes podem ecoar de maneira positiva ou negativa na população. O que eles dizem ou fazem podem se tornar fios desencapados que ocasionem curtos circuitos e faíscas, e produzir pequenos ou grandes incêndios na estabilidade social e econômica da nação.

Temos a consciência que dizer o que outras pessoas precisam fazer é fácil, mas tomar atitude e fazer para ser exemplo não é tão fácil assim. Não há quem nunca ouviu alguém dizer: “falar é fácil, difícil é fazer”. Porém se não tivermos a consciência e perseverança de que ser exemplo é a luz que pode iluminar os nossos caminhos e principalmente das pessoas que caminha ou passam por nós na estrada da vida, não cumpriremos nossa missão nessa terra e fiquemos certo que nossos tropeços serão muito maiores que as conquistas.

Sempre devemos lembrar do nosso maior exemplo de vida: Jesus Cristo. Dedicou toda a sua vida em benefício do próximo. Inclusive, Jesus defendia padrões de morais e ética, os quais já haviam sido esquecidos pela sociedade religiosa e hipócrita daquela época. Ser um exemplo de Jesus Cristo é um grande privilégio. Não é tão fácil como parece, mas precisamos sempre trabalhar e policiarmos na nossa maneira de ser e agir para que esse objetivo seja alcançado. Para ser diferente e exemplo de vida é preciso mudar. Não somente devemos ser exemplos em nossa linguagem, procedimento e amor para com outros, mas também devemos ser um espelho em nossas atitudes interiores

Na dúvida, lembre-se da sabedoria do provérbio: “se as palavras ensinam, os exemplos arrastam”. Ou seja, se tiver que começar por algum ponto, comece por si mesmo. Reavalie suas atitudes antes de mais nada, pois só assim conseguirá transmitir ensinamentos verdadeiros e inspiradores.

Lembrando de uma frase de Barack Obama: “Você não precisa provar nada a ninguém. Seus atos e comportamentos dirão quem você é."

Se a vida é uma grande escola onde permanecemos em constante aprendizagem, o que falta para sermos exemplo de Vida?

26/08/2022

Do papel a votação eletrônica, uma longa trajetória

Contagem de votos

No período de transição da minha adolescência para juventude, alguns fatos foram por mim esperados com grande ansiedade. Primeiramente meu ingresso na Universidade no início de 1977. Depois, já com dezoito anos, ter obtido o direito de tirar meu Título de Eleitor, deixando de ser “cobra-d’água”, como assim chamavam no interior da Paraíba, quem não podia votar. E por último, ter sido aprovado no exame do DETRAN, que me dava o direito de receber a Carteira Nacional de Habilitação. Infelizmente, ainda tive que esperar um ano para votar pela primeira vez, pois as eleições só ocorreram em 1978.

Daquela época ao momento atual, o processo eleitoral sofreu grandes transformações. Antes, recebíamos a cédula de votação, nos dirigíamos para cabine, e preenchíamos a cédula com o nome, número e a sigla partidária do candidato. Saíamos da cabine e na frente dos mesários, colocávamos a cédula (após mostrar aos mesários o lado das assinaturas) na urna de lona.

Me vem na lembrança a preocupação que meu pai, que foi Juiz de Direito no Estado da Paraíba, tinha com o período de eleições. Principalmente no período de contagem de votos.  Neste momento entrava em cena os “escrutinadores”, que eram cidadãos convocados para trabalhar na apuração dos votos. Imaginem o cuidado da Justiça Eleitoral na escolha desses cidadãos. A apuração, era um trabalho humano que consumia horas e dias para conclusão.

Todavia, a partir das eleições municipais de 1996, com a implantação da urna eletrônica no sistema de votação, o voto sofreu grandes transformações, eliminando a intervenção humana no processo eleitoral, tanto na votação quanto na apuração dos resultados e, consequentemente, o risco de maracutaias e equívocos. Ela foi desenvolvida, justamente porque havia grande descrédito em relação ao sistema anterior, baseado em cédulas de papel.

As principais irregularidades conhecidas em todo Brasil, antes da votação eletrônica, incluíam o preenchimento de cédulas com votos em branco, em favor de um candidato, votos nulos interpretados ao gosto de quem fazia a leitura e a subtração e inclusão de cédulas, também era corriqueira.

Em alguns casos, os problemas começavam antes da apuração. Um exemplo disso era a estratégia do "voto formiguinha". Funcionava assim: um eleitor recebia a cédula do mesário, entrava na cabine de votação e colocava um papel qualquer na urna de lona. A cédula oficial, ainda em branco, era entregue a uma pessoa fora da seção, que assinalava os candidatos desejados e a repassava a outro eleitor. Este tinha a incumbência de depositar a cédula já preenchida na urna, pegar outra em branco e levar novamente ao líder do esquema, e assim por diante. O resultado era a manipulação do pleito.

Havia ainda a tática das "urnas emprenhadas". Como elas tinham apenas um cadeado e lacres de papel, muitas já chegavam "grávidas" à seção, isto é, recheadas de votos.

Ao longo da história das eleições no Brasil, tivemos muitos crimes eleitorais, que foram caracterizados por fraudes, que constam nas legislações eleitorais. Alguns são conhecidos e praticados até hoje.

A primeira eleição realizada no Brasil aconteceu em 1532. Ela ocorreu na vila de São Vicente, sede da capitania de mesmo nome. Durante todo o período colonial, as eleições no Brasil tinham caráter local ou municipal, de acordo com a tradição ibérica.

Até 1821, o voto se dava apenas no âmbito municipal, não existiam partidos políticos, o voto era aberto e as eleições contavam apenas com a participação de homens livres. Eram também marcadas por fraudes.

Já na fase imperial, era possível eleger deputados e senadores das câmaras do Império. Semelhante ao período colonial, as fraudes eleitorais eram frequentes, com o uso de mecanismos como o voto por procuração, no qual o eleitor transferia seu direito de voto para outra pessoa.

A primeira Constituição brasileira, outorgada por Dom Pedro I, em 1824, definiu as primeiras normas de nosso sistema eleitoral. O voto nessa época, era obrigatório e censitário, isto é, só tinham capacidade eleitoral os homens com mais de 25 anos de idade e uma renda anual determinada. Estavam excluídos da vida política nacional quem estivesse abaixo da idade limite, as mulheres, os assalariados em geral, os soldados, os índios e - evidentemente - os escravos.

Outra característica, era o voto por procuração, no qual o eleitor transferia seu direito de voto para outra pessoa. Também não existia título de eleitor, às pessoas eram identificadas pelos integrantes da mesa apuradora e por testemunhas. Assim, as votações contabilizavam nomes de pessoas mortas, crianças e moradores de outros municípios.

Em 1881 foi instituído o título de eleitor, a fim de diminuir as fraudes, mas não auxiliou muito, pois não havia foto no título.

Com a Proclamação da República, uma nova Constituição foi promulgada, e o funcionamento do sistema eleitoral brasileiro também sofreu alterações. O Brasil, adotou o sufrágio universal masculino para todos os homens maiores de 21 anos, desde que não fossem soldados rasos. Mulheres, analfabetos, mendigos, jovens com menos de 21 anos de idade, indígenas e integrantes do clero continuavam impedidos de votar. O voto não era secreto.

A República representou um retrocesso, com relação ao Império, em razão da prática do voto de cabresto. As eleições deixaram de ter relevância para a população, eram simplesmente uma forma de legitimar as elites políticas estaduais. Elas passaram a ser fraudadas, descaradamente, de uma maneira muito mais intensa do que no Império. Dessa época vêm as famosas eleições a bico de pena: um dia antes da eleição, o presidente da Mesa preenchia a ata dizendo quantas pessoas a tinham assinado, fraudando a assinatura das pessoas que compareciam.

O período da República Velha, foi marcado por eleições ilegítimas. As práticas do ‘voto de cabresto’, da ‘bico-de-pena’ e da ‘degola’ demonstra como o sistema eleitoral da época estava viciado.

A fraude “bico-de-pena”, consistia em manipulações realizadas pelas mesas eleitorais, que falsificavam assinaturas até mesmo o preenchimento de cédulas que, naquela época, eram usadas penas para poder escrever em quaisquer documentos que fosse. Na prática, inventavam-se nomes, eram ressuscitados os mortos e os ausentes compareciam. Na feitura das atas, a pena toda poderosa dos mesários realizava milagres portentosos.

O termo degola foi utilizado no sentido figurado para retratar a prática fraudulenta das oligarquias brasileiras, que interviram diretamente no resultado das eleições. Aproveitando-se da influência política, os ricos fazendeiros empossavam candidatos que não tinham ganhado democraticamente as eleições e “degolava” os candidatos da oposição, que eram impedidos de usufruir dos seus direitos eleitorais.

O voto de cabresto, foi a ferramenta utilizada pelos coronéis, para controlar o voto popular, por meio de abuso de autoridade, compra de votos ou utilização da máquina pública. As regiões controladas politicamente pelos coronéis eram conhecidas como currais eleitorais, sendo o povo coagido a votar nele ou no seu candidato. Muitas vezes os eleitores vendiam seu voto por pratos de comida, cestas básicas, etc.

Estas práticas de influência corrupta sobre o pleito eleitoral, exercido pelo poder político local desde o alistamento eleitoral até o resultado das urnas, ficou conhecido como ‘coronelismo’.

Com a chegada de Getúlio Vargas ao poder (1930), o país passa por transformações sociais, políticas e econômicas. No campo eleitoral, destaca-se a criação do Tribunal Superior Eleitoral e dos Tribunais Regionais Eleitorais, além da instituição do voto feminino e do voto secreto. Assim, o processo eleitoral, tornava-se mais amplo, transparente e idôneo. Contudo, apesar dos avanços nos primeiros anos de governo, a Era Vargas ficou marcada pelo período do Estado Novo, no qual as eleições foram suspensas. Em 1945, com o fim do Estado Novo, inicia-se a maior experiência democrática até então vivida pelo país.

A redemocratização nos anos 1980 diminuiu, mas não anulou as denúncias de fraudes, nem da continuidade de práticas como o voto de cabresto e o abuso do poder econômico.

A promulgação da nova Constituição Federal, tivemos avanços no campo dos direitos civis e sociais, os direitos políticos também foram expandidos, consolidando tanto o voto universal e secreto, quanto a idoneidade das eleições, com o trabalho das Justiças Eleitorais e das urnas eletrônicas (estas implementadas a partir de 1996). 

Com as urnas eletrônicas, e a contagem digitalizada dos votos, o processo eleitoral ganhou confiabilidade na transparência do ato democrático, e rapidez na apuração dos eleitos – virtualmente eliminando a possibilidade de fraudes. Os eleitores tiveram mais segurança ao digitar o voto, tendo a impossibilidade de ele ser adulterado pelo mesário ou qualquer pessoa que se encontre trabalhando durante as eleições. É impossível passar por outra pessoa.

Nos últimos tempos, muito tem se falado sobre a segurança das urnas eletrônicas e do sistema eletrônico de votação, mesmo que tenham se passado 26 anos de sua utilização no Brasil sem quaisquer indícios de fraude.

Recentemente, o plenário da Câmara dos Deputados, rejeitou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/19, conhecida pela PEC do voto impresso. A proposta previa que cada vez que o eleitor votasse na urna eletrônica o voto fosse impresso e, automaticamente, iria para uma outra urna. Pela proposta, o voto continuaria sendo feito por meio de urna eletrônica, mas uma impressora mostraria ao eleitor um recibo em papel do voto, sem passar pela mão do eleitor ou de qualquer outra pessoa. Ressaltamos, que o eleitor não iria pegar o papel do voto impresso e levar para casa como algumas pessoas pensam.

Bem, não sou Jurista e nem Parlamentar para comentar sobre o assunto, porém, tudo tem que ser sempre bem analisado e sem ideologias política para não voltarmos no túnel do tempo. Mas, lembrando do filósofo Heráclito de Éfeso: “A única constante é a mudança”.

Como relatamos, o voto possui uma longa trajetória no Brasil. Nem sempre, ele foi sinônimo de democracia, tendo em vista que foi adotado tanto em momentos de repressão e exclusão política, quanto em momentos politicamente mais abertos e democráticos. Impedir qualquer interferência na vontade do eleitor e garantir o sigilo do voto são preceitos constitucionais.

Do final da república dos coronéis, até os dias de hoje, muita coisa mudou. Hoje o voto não é mais aberto, não há mais como saber em quem o eleitor votou, então é possível escolher de forma livre e direta o candidato preferido. Porém, na prática, podemos identificar situações que nos remetem a um voto de cabresto moderno, mesmo com tantos avanços e conquistas.

Diante da realidade de miséria em que vivem, uma boa parte da população brasileira, muitos “optam” por aquele candidato que possa suprir, suas necessidades básicas, em um curto prazo, por exemplo: entrega de cestas básicas, pagamento de despesas com água e luz, compra de material de construção, promessa de emprego, bolsas sem fundo, entre outros. Tudo isso se configura como um voto de cabresto moderno.

De todo modo, é praticamente impossível imaginar uma democracia sem voto. E para garantir a efetividade desse mecanismo, é essencial que o processo eleitoral seja idôneo, limpo e transparente, e principalmente nos tempos atuais, sem o fraude eleitoral que vem se popularizando, que são as notícias falsas ou as “fake news” como são conhecidas. Essas mensagens vinculadas, principalmente pela internet, com o intuito de fraudar os candidatos adversários, trazendo uma série de inverdades que são construídas e espalhadas por órgãos pagos, pela candidatura oposta.

Enfim, é necessário entender que, para além de um bom processo eleitoral, é preciso haver bons candidatos (muito difícil hoje no Brasil) e bons eleitores. Porém, segundo o professor e historiador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Leandro Karnal, “Não existe país no mundo em que o governo seja corrupto e a população honesta e vice-versa”. Vocês concordam?

23/07/2022

Doce e Clemente, Mãe da graça e do perdão

Em 1996, eu e minha Maria, juntamente com nossos compadres Manu e Vera, tivemos a oportunidade de viajar pela primeira vez para a cidade de Caicó, no interior da Rio Grande do Norte, para participar da festa de Sant’Ana, que é uma das mais tradicionais festas religiosa desse estado.

A festa de Sant’Ana de Caicó acontece anualmente sempre a partir da quinta-feira que antecede o dia 26 de julho, dia de Sant’Ana no calendário litúrgico, e se encerra com uma grande procissão no domingo subsequente, totalizando 10 dias de comemorações.  Em 2010 foi tombada como patrimônio imaterial do Brasil. É o maior evento sócio-religioso do Rio Grande do Norte. A festa é uma mistura de sagrado e profano que atrai turistas de todos os cantos do RN.

Em 1584, uma bula do papa Gregório XIII instituiu uma festa, comemorada no dia 26 de julho, mês que passou a ser denominado “Mês de Santa Ana”.

Desde os primórdios da história, as lendas são utilizadas para explicar fatos desconhecidos. Os gregos como os romanos já explicavam suas origens através de lendas. Herdamos esse gênero literário. A origem de Caicó não foi diferente. Não sabendo ao certo explicar sua origem, os literatos ou historiadores utilizaram-se das lendas do vaqueiro e do poço de Santana que se descrevem de várias formas, para expressar o surgimento da cidade de Caicó.

As lendas do vaqueiro e do poço de Santana são tão antigas quanto a própria história da velha Caicó. Fruto da fantasia humana, ela relata a cidade na sua origem e, mais importante ainda, cultua o que mais caracteriza o local na época. A história das lendas de Caicó não foi apenas um capitulo a mais na história da cidade. Se não e o mais importante, possui seu valor pelo pioneirismo e o relato descritivo de seu meio geográfico, fatos que enriquecem a história da cidade.

A celebração da Festa de Sant’Ana remete, constantemente, à lenda de fundação da cidade, encenando uma luta dos primeiros moradores contra a adversidade da natureza ainda não “domesticada”. Entre as diferentes versões existentes, escolhemos a escrita pelo jornalista, jurista, educador e estudioso das tradições populares Manoel Dantas (falecido em 1924), conta no seu livro “Homens de Outrora” que: Quando o Sertão era virgem, a tribo dos “Caicos”, celebre por sua Ferocidade, julgava-se invencível, porque Tupã vivia ali, encarnado num Touro bravio que habitava um intrincado mofumbo, existente no local onde está, hoje, situada a cidade do Caicó. Certo dia, um vaqueiro experto, penetrando no mofumbo, viu-se, de repente, atacado pelo touro sagrado, que iria, indubitavelmente, matá-lo. Rapidamente inspirado, o vaqueiro fez o “voto” a N.S. Santana de construir ali uma capela, se o livrasse de tamanho perigo. Como por encanto, o touro desapareceu. O vaqueiro destruiu a mata e iniciou, logo, a construção da capela. O ano era seco e a única aguada existente era de um poço do rio Seridó. O vaqueiro fez novo “voto” a S. Anna para o poço não secar antes de concluída a construção da capela. O “Poço de Santana”, como ficou, desde então, denominado, nunca mais secou. Reza a lenda que o espirito do deus dos índios, expulso do mofumbo, foi se abrigar no poço, encarnando-se no corpo de uma serpente enorme que destruirá a cidade, ou quando o poço secar, ou quando as águas do rio, numa cheia pavorosa, chegarem até o altar-mor da matriz do Caicó onde se venera a imagem da mãe de Nossa Senhora.

A narrativas lendária, mostra que a devoção a Sant’Ana, padroeira de Caicó, tornou-se um elemento fundamental para a construção da identidade caicoense. A construção da primitiva capela, em 1695, e a história de alguns milagres creditados a santa motivou a relação de devoção que o povo de Caicó e de toda região do Seridó nutre por Sant’Ana. O culto a Sant’Ana em suas “famosas” e “tradicionais” festas religiosas promovem uma verdadeira transformação no que se refere a cultura local.

A festa de Santana significa o momento em que as famílias seridoenses voltam a se encontrar restabelecendo os antigos laços que o tempo e a distância cortaram, com a partida de muitas pessoas para outras regiões do pais, reafirmar valores cristãos e acionar registros específicos da cultura seridoense, sobretudo no que diz respeito à sociabilidade fundada no interconhecimento.

Inspirados no amor materno da santa, os caicoenses aplicam os princípios da hospitalidade e da generosidade irrestrita. As casas de família acolhem os visitantes, aplicando sem restrição os preceitos cristãos.

Em junho de 2012, o Blog de Kleber Nóbrega, publicou um artigo com o nome “Caicó, cidade Servidora!”, que retrata bem o povo Caicoense: “Pode um cidade inteira ter comportamento servidor? Você conhece alguma cidade em que as pessoas parece terem verdadeiro prazer em servir bem? Você conhece algum lugar onde as pessoas parecem estar, sempre, de bom humor e felizes?  Pois é esta a sensação que tenho sempre que vou a Caicó, no Rio Grande do Norte”. E continuou:  “Um dia ainda faço uma pesquisa científica sobre isto”.

Para alguns, a festa de hoje não é a mesma de outrora, pois, naquela época, assim diziam, por volta de 1940, era só novena. Quando terminava, o povo ia para a praça andar, não havia nada de barracas de Comidas ao redor. Era também proibido bailes. Após as novenas, sempre havia um leilão (atualmente realizado nas noites de novena). Começaram a aparecer os Parques, pois antes só existiam os carrosséis que eram empurrados a mão. Era uma Casa de jogo, um barzinho, a banda de música tocando no coreto até as 10 horas, devido à luz a motor apagar nesse horário.

Nossa Senhora de Santana é venerada ao redor do mundo. Dentro da igreja católica é uma das personalidades mais respeitada. A sua história envolve muita luta, sofrimento e também milagres. Apesar de muitas pessoas não fazerem ideia de quem ela foi, sua figura está no centro da Igreja Católica.

As primeiras referências a ela vêm do Protoevangelho de Tiago, também foi chamado de ¨Natividade de Maria¨, um texto que não consta na Bíblia, e em outros textos apócrifos. Publicado em fins do século XVI, não se sabe exatamente ainda qual a época em que foi escrito, mas os maiores estudiosos dos Livros Apócrifos afirmam que é anterior aos Quatro Evangelhos Canônicos, servindo, em muitos aspectos, como base para estes.

O Evangelho Apócrifo de Tiago conta a vida de Maria, seu nascimento de Ana e Joaquim, considerados estéreis, de como foi sua educação no Templo até a sua puberdade, como se deu a escolha de seu futuro esposo, José.

São Joaquim era uma pessoa de grande influência, principalmente na região de Jerusalém, onde moravam. Além da influência, era pertencente à família real de Davi. Apesar do grande prestígio, o casal passaria por grandes dificuldades pelo caminho, em razão de uma dificuldade para gerar filhos.

Mesmo tentando durante anos, São Joaquim não foi capaz de engravidar sua esposa Ana. Na época, a culpa pela infertilidade era automaticamente atribuída à mulher. O homem nunca era culpado por falta de fertilidade. Quando as pessoas da comunidade notaram esse fato, passaram a criticar Sant'Ana.

Acreditava-se que a falta de fertilidade era um castigo de Deus. São Joaquim também sofreu na pele os julgamentos, principalmente por parte dos sacerdotes. Eles criticavam o fato de ele não ter filhos. Apesar de todo o sofrimento, tanto Sant’Ana quanto São Joaquim permaneceram crentes, orando a Deus e pedindo por um milagre. Atendidos em suas orações, foram agraciados com uma filha, a qual deram o nome de Maria, mãe de Jesus. Sendo mãe de Maria, é portanto avó de Jesus Cristo. Por isso foi designada padroeira dos avós. Venerada ainda como padroeira das mulheres casadas, especialmente as grávidas, protetora das viúvas, dos navegantes e marceneiros.

Bem, uma das coisas que sempre ouvi as pessoas dizerem é que não havia nada melhor do que ter netos. Deus que, nessa vida, foi sempre muito generoso comigo, me fez avô aos 59 anos. Devo confessar que desde que o vi pela primeira vez passei a desfrutar de um sentimento que julgava nunca ter experimentado antes. Eu nunca havia experimentado isso antes ou havia esquecido do que sentia quando do nascimento dos meus filhos. Passei então a levantar as razões, por que sempre que o tenho por perto ou que vejo as suas fotos e pequenos filmes, o meu olhar brilha e o ar de felicidade fica estampado em minha face.

Quando meu neto invade a minha casa, sinto que o meu coração se enche da mais plena alegria proporcionada por Deus.

Quando somos pais estamos num período de nossa vidas em que ficamos absorvidos pelo nosso trabalho. Os filhos dividem o espaço com essas grandes preocupações. As inquietações de então hoje não existem mais. Hoje, temos um melhor entendimento do que seja a vida e do valor que ela tem e, sendo assim, ao olharmos aquela criança constatamos a maravilha do que foi o seu nascimento e quão magnífico é cada progresso conquistado.

Nesta altura da vida somos orientados menos pela razão e mais pela emoção e a nossa emotividade aflora.

Ser avó e avô é como amar o filho pela segunda vez, é ter uma segunda oportunidade de participar na criação de crianças na família, mas, desta vez, de forma mais leve e tranquila.

Ser avó ou avô é uma das coisas mais fantásticas que pode acontecer na vida de uma pessoa. Especialmente porque, em geral, a surpresa vem na terceira idade. Quando a vida parecia ter sossegado. Um serzinho vem iluminar a casa.

Cena mais comum na casa da avó é crianças correndo. Se você não tiver o mínimo de equilíbrio, não consegue acompanhar. Aquele dia entediante, sem graça e silencioso é completamente transformado no momento em que os netos pisam na casa. Ter um neto é sinônimo de vitalidade emocional. A casa simples torna-se um parque de diversões imenso.

Netos têm a capacidade de imaginar coisas incríveis e levar avós a viagens inéditas. Ser avó é retornar a infância, em viagem de primeira classe.

Muitas vezes, papais ou mamães exigentes e rigorosos, quando se tornam avós, o coração amolece, prontos para a próxima brincadeira ou para mais uma historinha antes de dormir.

Nos dias de hoje, o papel dos avós vão além do agrado aos netos, eles participam ativamente da rotina das crianças e são personagens importantes na educação compartilhada com os pais. Todavia devem procurar respeitar as regras familiares, especialmente quando participam em grande frequência da rotina da criança, já que a discordância gera inconsistências e insegurança para os netos, bem como pode resultar em conflitos e desrespeito das crianças e adolescentes aos pais.

Ser avó também traz responsabilidade, por, até sem perceber, exercermos influência na vida dos netos. Ensinando, estamos influenciando na formação de seu caráter e de valores. Até quando nos divertimos com eles, nossa postura e linguajar estão sendo observados e assimilados. Conosco eles aprendem a dar valor à família, quando lhes falamos a respeito do nosso passado, de sua árvore genealógica, mostramos-lhes fotos de seus antepassados e transmitimos-lhes tradições familiares e culturais. Outra responsabilidade, é de transmitir aos netos também e, acima de tudo, a fé cristã.

Estudos mostram que crianças que têm relacionamentos fortes com os avós são mais bondosas, generosas e com menores taxas de ansiedade e depressão no futuro. O envolvimento dos netos com os avós, de acordo com o mesmo estudo, também aumenta o desempenho escolar, a autoestima, a inteligência emocional e a fazer ou manter amigos. Assim como, que avós que têm a oportunidade de estar com os netos, não apenas emocionalmente, mas também em contribuir com suporte funcional – como buscar de vez em quando na escola, ajudar com algo financeiro ou ainda cuidar das crianças para que os pais possam sair – demonstram ter mais saúde psicológica e menos depressão do que aqueles que não fazem isso.

Enfim, muitos netos não chegam a conhecer seus avós. Poucos têm a felicidade que eu tive. A realidade é que, pertinho ou de longe, os vovôs são pessoas que marcam nossas vidas de um jeito único, deixando deliciosas lembranças para sempre…

Viva Sant’Ana. Viva todos Avós do mundo!

“Doce e Clemente. Mãe da graça e do perdão. Abrigai-nos docemente. Dentro em vosso coração! Salve, Sant’Ana gloriosa.  Nosso amparo e nossa luz. Salve, Sant’Ana ditosa. Terno afeto de Jesus. Vossos filhos desta terra. Vos suplicam que sejais.  O seu refúgio na guerra. E sua alegria na paz”. (Hino de Sant’Ana – letra de Palmyra e Carolina Wanderley e Música de Manoel Fernandes).

23/06/2022

Procura-se Gestores Municipais

Nas minhas “andanças” pelo Estado da Paraíba, morei de 1995 a 1997 na cidade de Sumé, onde trabalhei no DER – Departamento de Estrada e Rodagem. Tive a oportunidade de conhecer e fazer amizade com o Sr. Leonardo Guilherme (faleceu em 2018), que foi prefeito de Sumé entre 1977 a 1983. Nas nossas conversas, o Sr. Leonardo gostava de contar um episódio, que ocorreu durante a sua gestão, como prefeito de Sumé.

Vista Cidade Sapé-PB

Participando de um encontro de prefeitos, em Brasília, com a presença de órgãos do governo federal, diversos prefeitos reclamavam nos debates que o dinheiro que recebiam para construir escolas municipais, só permitiam construir uma sala de aula. Quando foi a vez dele falar, ele disse que o dinheiro que recebeu, construiu três salas de aula. Imaginem o “murmurinho” ocorrido neste momento entre os participantes, com esta declaração do Sr. Leonardo Guilherme.

Esse “causo” era de conhecimento da população de Sumé, que teve muito orgulho ter tido um prefeito sério e comprometido, com o bem estar de todos, de uma retidão e honestidade impressionantes. Fato que talvez seja uma exceção, quando se trata da administração municipal dos 5570 municípios brasileiros.

Não tenho dúvida, que os Municípios possam ser considerados o primeiro degrau da organização econômica, política e administrativa de nosso país. 

Infelizmente, o nível de corrupção nas prefeituras brasileira é alarmante. Salvo, pequenas exceções, normalmente o ocupante do principal cargo da gestão municipal, utiliza a administração geral como uma feira de negócios próprios ou permite que terceiros o façam, sem um razoável controle. Pessoas que adotaram a política como profissão ou como um estranho sacerdócio, para o qual não há nem necessidade de fé, nem juramento de sacrifícios. O propósito não é de servir a população do município, nem servir à pátria. Além dos vícios morais, eles carregam a incompetência gerencial. Não mostram para os ofícios públicos a mesma habilidade, enquanto estelionatários.

Além de todos as irregularidades comuns que muitos gestores praticam, tais como: superfaturamento, obras pagas mas jamais executadas, fraudes de licitação, etc…outro grave problema da gestão administrativa municipal, diz respeito as obras inacabadas sob responsabilidade dos governos municipais.  Segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM), existem atualmente no Brasil, pelo menos, 6.932 obras iniciadas entre 2012 e 2021 paradas (contrato sem movimentação há mais de 180 dias). Esqueletos de escolas, unidades de saúde, pavimentação de estradas, canalização de esgoto e iluminação pública. Desperdício de dinheiro público e prejuízo para a população. Muitas são obras inacabadas, apenas porque foram começadas pelo antecessor.

Podemos citar, como exemplo, de um gestão municipal bastante conturbada, a do município de Sapé do Estado da Paraíba. De 1972 a 2020 (desconsiderando o prefeito eleito que tomou posse em 2021), teve 11(onze) prefeitos eleitos pelo voto direto, todavia nesse período, ocorreram afastamento e/ou condenação por improbidade administrativa de 05 (cinco) prefeitos e tendo tomado posse 03 (três) Interventores nomeados pelo Governo do Estado.

Desde que foi concedido o direito dos prefeitos, disputarem suas reeleições (a partir do ano 2000) apenas um prefeito de Sapé utilizou desse instrumento e conseguiu renovar o mandato.

No livro “O processo histórico de Sapé” de autoria do advogado Juraci Marques Ferreira, além de relatar fatos do passado do Município de Sapé, o escritor emiti sua abalizada opinião, dentro do contexto ocorrido com os gestores municipais, nos últimos 48 anos, em que o Município de Sapé se transformou num verdadeiro cemitério de prefeitos. “Eleger-se Prefeito de Sapé nos dias atuais, é simplesmente encerrar a carreira política de maneira altamente melancólica e ainda ter de responder a inúmeros processos na justiça em razão de altos administrativos ilegais, praticados no exercício do cargo”.

Outro triste exemplo de desmando administrativo, tem ocorrido nos últimos 24 anos na gestão administrativa do município de Guamaré-RN. De 1997 a 2021 ocorreram 06 (seis) eleições municipais, sendo duas suplementares. Dois prefeitos foram afastados do cargo por impropriedade administrativa, com condenação judicial, além de um vereador, que assumiu a gestão, por renúncia do prefeito. Em uma das eleições, tivemos a cassação do mandado eleitoral do prefeito e vice eleitos, tendo em vista a desaprovação de contas do vice prefeito, pelo Tribunal de contas, quando foi prefeito em Guamaré-RN. O cargo foi assumido pelo candidato que foi segundo lugar na disputa eleitoral. Em outra eleição, o candidato eleito não chegou a tomar posse, pois a Justiça Eleitoral do Rio Grande do Norte indeferiu o registro da candidatura, tendo em vista que a Constituição da República, veta a permanência de um mesmo grupo familiar na chefia do Poder Executivo, por mais de dois mandatos consecutivos. Uma verdadeira lambança.

Lógico que não podemos generalizar. Tenho certeza que em muitos municípios brasileiros, temos prefeitos que primam pela legalidade e pelo zelo do cargo público.

A instituição da prefeitura de seu encarregado maior, o "prefeito", é algo relativamente novo na história do Brasil. Durante todo o período do Brasil Colônia, a instituição administrativa máxima, no nível municipal era a câmara municipal, que exercia um número muito maior de funções do que atualmente. Era a responsável, por exemplo, pela coleta de impostos e preservação do patrimônio público.

No Brasil Império, a administração pública foi centralizada através da Constituição de 1824. A duração da legislatura foi fixada em quatro anos e o vereador mais votado assumia a Presidência da Câmara. Em tal cargo, o Presidente da Câmara, continuou a ser no entanto, responsável por funções comparáveis as do atual prefeito, além de seus encargos como vereador e como presidente da Câmara dos Vereadores.

Com a Proclamação da República Brasileira em 1889, as câmaras municipais são dissolvidas e seus poderes, alterados. Os presidentes dos estados, são habilitados a nomear os membros do Conselho de Intendência. Tais conselhos de intendência são responsáveis, com exclusividade, pelo poder executivo municipal, separando este poder do legislativo, que continua a cargo das câmaras municipais, uma vez que estas são recompostas.

Com a Revolução de 1930 e o início da Era Vargas, cria-se a figura do prefeito e institui-se a “prefeitura”. O prefeito, a partir da Constituição de 1934, passa a ser escolhido pelo povo.

Após 1988, a descentralização e autonomia municipal consagradas no federalismo brasileiro, foram defendidas como forma de melhorar a gestão local, de promover mais eficiência no uso dos recursos e de ampliação do controle social. O município ampliou suas responsabilidades, sobretudo na implementação de políticas de bem-estar social, e adquiriu respaldo constitucional, para responder por todas as questões que envolvam o interesse local. As prefeituras começaram a decidir o que era melhor para quem residia no município, utilizando os recursos federais, estaduais e municipais, sem que o governo federal tivesse que conhecer, a fundo, a vida de milhares de pessoas que estão distantes de Brasília.

O processo de evolução dos Municípios Brasileiros no que concerne aos recursos financeiros destinados a atender suas necessidades básicas, no curso dos anos, sofreu consideráveis modificações. Durante um vasto período, especialmente na fase conhecida por República Velha, os nossos municípios não recebiam recursos financeiros, nem do governo Estadual, nem tão pouco do Federal.

Se por ventura, o governo federal ou estadual decidisse construir uma obra pública em determinado Município, fazia por sua inteira conta. Não enviava o dinheiro para o Prefeito Municipal fazer o empreendimento, pois não se realizavam convênios de qualquer natureza entre os administradores, coisa que só ocorreu a partir da Constituição Federal de 1946.

Essa situação de penúria dos Municípios só começou a melhorar a partir da vigência da Constituição antes mencionada, porque aquela Carta Magna no seu contexto trouxe dispositivos constitucionais que obrigava os governos da União e dos Estados a repassarem determinados recursos, advindos de recolhimentos de impostos, em favor dos Municípios.

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços (ICMS), só se concretizou a partir da Constituição Federal de 1988. Antes, existia o ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias), de menor abrangência, criado em 1965 e cuja vigência só foi consolidada no ano de 1967.

Com relação à presença do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), teve origem ainda no regime militar, através da Lei Federal 5.172, de 25 de outubro de 1966. Com o Decreto-Lei de n° 1.881, de 27 de agosto de 1981, foi criada a Reserva do FPM e foram estabelecidos os coeficientes em favor dos Municípios, com base no número de habitantes de cada um, concorrendo para que houvesse um melhor disciplinamento na distribuição dos recursos.

Tomando por base essas considerações, há de se admitir que os Prefeitos brasileiros, durante bom tempo, administravam sem dispor de recursos financeiros dos governos estaduais e federais. Na realidade, ainda hoje, alguns municípios têm tanta dificuldade para se sustentar, porque nem deveriam existir, pois não geram receita suficiente para custear os serviços básicos da cidade.

Vale lembrar que seja no âmbito federal, estadual e municipal, cada um dos três poderes possui obrigações diferentes, porém considerando que a gestão municipal seja a base da pirâmide ou melhor dizendo, o primeiro degrau da organização de nosso país, a performance dos governos municipais, influenciam diretamente na vida dos brasileiros.

A péssima gestão municipal atrelada aos desvios de recursos públicos, condena a nação ao subdesenvolvimento econômico crônico.

No Brasil, de vez em quando, é dito que a política é geralmente considerada atividade desabonadora, para quem nela milita. Uma situação dessa natureza põe em risco a causa democrática, pois esta tem nos políticos uma de suas bases primordiais, por serem os representantes da coletividade na órbita do Estado.

Por enquanto, a única saída para que possamos ter bons administradores, é colocar-se através do voto, no lugar de Prefeito pessoas que implantem na administração pública métodos de trabalho impregnados de medidas saneadoras, longe da política paternalista e acima de tudo, voltados para o planejamento, a moralidade administrativa e o completo distanciamento dos chamados “picaretas” incompetentes, que tantos males e entraves já causaram ao Município e a nossa população.

O problema é encontrar candidatos que não tenham os olhos voltados para o próprio umbigo, que tenha competência gerencial para o cargo e que busquem realmente cumprir suas promessas eleitorais, em benefício da população. Enfim, a única solução é continuar procurando candidatos a gestores municipais com essas características. Será que temos? Possivelmente que sim, mas as ideologias políticas e as forças ocultas não deixam serem candidatos.

Parafraseando Jean Jacques Rousseau: o povo brasileiro acredita ser livre, mas estão completamente iludidos, é livre apenas durante as eleições dos membros do executivo e legislativo, pois, eleitos os seus membros, ele volta à escravidão, é um nada. Pelo uso que faz da liberdade, nos curtos momentos em que lhe é dado desfrutá-la, bem merece perdê-la. (Do Contrato Social, Liv. III, cap. 15 - Rousseau).

07/06/2022

Querido símbolo da terra, da amada terra do Brasil!

Nas décadas de 70, 80 e 90 o automobilismo brasileiro ganhou destaque mundial com Emerson Fittipaldi, Nelson Pique e Ayrton Senna. Porém, foi o piloto Ayrton Senna, que no final dos anos 80 e início dos anos 90, com seu tricampeonato mundial, deixou registrado seu nome na história como um dos maiores representantes do esporte do Brasil, podemos até dizer, do mundo.

Senna colecionava pódios em sua carreira, tendo o total de 80 pódios, onde 41 destes foi consagrado com a vitória. Em suas vitórias, o piloto carregava com orgulho a bandeira nacional em mãos, mostrando o poder do automobilismo brasileiro. Infelizmente, sua vida e carreira foram interrompidas devido a um acidente de carro em 1° de maio de 1994, no GP de San Marino, na Itália.

Esse ato de carregar a bandeira nacional, exaltava em todos brasileiros o sentimento de patriotismo. Lembramos que patriotismo é o sentimento de orgulho, amor, devolução e devoção à pátria, aos seus símbolos (bandeira, hino, brasão, riquezas naturais, patrimônios material e imaterial, os heróis de sua história, dentre outros) e ao seu povo. É razão do amor dos que querem servir o seu país e ser solidários com os seus compatriotas.

Será que os brasileiros ainda sabem o que são símbolos nacionais? Pois bem, para quem não se lembra, conforme descritos, na Constituição Federal, os quatro símbolos oficiais que representam o Brasil e a identidade da nação no mundo, são: a Bandeira Nacional, o Hino Nacional, as Armas Nacionais (ou Brasão Nacional) e o Selo Nacional.

O Patriotismo, luta para que esses símbolos sejam preservados, valorizados e transmitidos, tudo isso, aliado à construção de uma sociedade presente e melhor.

O conceito de patriotismo e nacionalismo são coincidentes, ao ponto de confundirem-se os conceitos originais. Patriotismo, remete à herança cultural e aos símbolos de uma nação, enquanto nacionalismo remete à ideia de país e sua organização política. Ou seja, o nacionalismo envolve um certo grau de patriotismo, mas é algo ligado ao compromisso, com um projeto político.

Já o patriotismo autêntico, transcende interesses políticos e partidários imediatos, e envolve o amor autêntico por toda a bagagem cultural de uma nação.

O Patriotismo está acima do amor por um governo ou partido específico, e engloba o amor por todo o conjunto de valores, tradições e gestos, que um determinado povo comporta.

O nacionalismo pode ser combinado com diversos objetivos e ideologias políticas, tais como o conservadorismo (conservadorismo nacional e populismo de direita) ou o socialismo (nacionalismo de esquerda).

Na prática, o nacionalismo pode ser positivo ou negativo, dependendo da sua ideologia e dos seus resultados.

A ideia de Nacionalismo, tem precedentes no período medieval, no momento em que as monarquias absolutistas promoveram a centralização dos reinos.

É a partir da Revolução Francesa, que surge o Nacionalismo na configuração que hoje se tem. Ele motivou guerras, como as Napoleônicas, e processos de independência ou unificação como nos casos dos Estados Unidos, da Alemanha e da Inglaterra.

O nacionalismo que vemos hoje, nas democracias consolidadas é muito diferente daquele da Alemanha nazista e do Brasil dos anos 30. Afinal, o mundo está muito diferente. Não tão presente no culto aos símbolos, como o hino e a bandeira.

O nazismo, é o exemplo máximo de uma das mais emblemáticas características do nacionalismo: a anulação das diferenças. Neste caso, houve uso da força física para exterminar algumas parcelas da população (judeus, ciganos e homossexuais) e forjar uma nação “sem diferenças”.

O nacionalismo no Brasil, está diretamente relacionado ao período de governo de Getúlio Vargas, principalmente no período da ditadura do Estado Novo, quando era presidente no Brasil. O Estado Novo, foi de 1937 a 1945 e tinha como principais características o anticomunismo, o autoritarismo e o nacionalismo. Vargas incentivava o nacionalismo de diversas formas, desde a implementação de políticas populistas, a utilização de propaganda do seu governo, a extrema valorização do território brasileiro.

Durante o regime militar brasileiro, o nacionalismo também foi bastante incentivado, por meio de campanhas ufanistas para conquistar a simpatia da população. Assim, surgiram os slogans “Ninguém segura este país” e “Brasil, ame-o ou deixe-o”, além das músicas com refrão “Eu te amo, meu Brasil, eu te amo; ninguém segura a juventude do Brasil”, “Este é um país que vai pra frente (…)”.

O hino da Copa de 1970 era cantado pelo país: “noventa milhões em ação, pra frente, Brasil do meu coração (…) Salve a seleção”. A ideia, era a de contagiar a população em torno de um mesmo objetivo: amar a sua nação. E deu certo, pois a vitória da Seleção Brasileira Masculina de Futebol, na primeira transmissão ao vivo de uma Copa do Mundo, levou grande parte do país às ruas para cantar versinhos patrióticos, o que foi uma grande vitória para a ditadura militar.

Muitos consideram que a maioria do povo brasileiro, não é nacionalista, ou só demonstra amor pela nação na altura de grandes competições esportivas, como a Copa do Mundo.

Historicamente, o povo brasileiro, nunca teve que se unir contra uma ameaça externa, como aconteceu em outros países. Mesmo quando o Brasil conquistou a independência, essa conquista foi alcançada para o benefício de um pequeno grupo, que lutava pelos seus interesses. Muitos acreditam, que por esse motivo o nacionalismo não foi fomentado no Brasil.

Voltando aos símbolos nacionais, podemos defini-los como “elementos gráficos ou musicais destinados a representar um Estado bem como uma nação que vive dentro dos seus limites” indicando a sua soberania.

De muito, os povos demonstraram uma tendência natural de se tornarem conhecidos, através de desenhos ou combinações de cores, detalhes que evoluíram até atingir a situação de bandeiras e escudos. Realmente, diferentes comunidades, em épocas remotas, elegeram desenhos que permitiam identifica-las.

Os símbolos nacionais são elementos que representam a nação e os fundamentos constitucionais: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Os nossos símbolos nacionais atuais, são definidos pela Lei 5700 de 1° de setembro de 1971.

Lembrando novamente, da atitude do nosso Ayrton Sena do Brasil, carregando a bandeira nacional em mãos, quero ressaltar que as Bandeira Nacionais, simbolizam a soberania de uma nação, representando sua história, seus valores, suas lutas e uma infinidade de outros elementos e sentimentos de um povo em relação ao seu país. Isto é, as Bandeiras Nacionais, emblemam o sentimento de pertencimento a uma nação, mas, para além disso, simbolizam o patriotismo: o sentimento de amor, orgulho e devoção à pátria. Portanto, é respeitável que recordemos um pouco da história da bandeira do Brasil, a fim de que entendamos sua origem e seu sentido originário, nem sempre mantidos nos discursos da atualidade política.

Por mais de um século, as cores que representavam nosso país eram o branco e o vermelho. Isso porque, até 1645, o Brasil utilizava os mesmos símbolos nacionais que nossa metrópole, Portugal, sendo comum encontrar nas bandeiras anteriores brasões, coroas e escudos, que representavam a família real portuguesa.

A bandeira Imperial do Brasil, criada e adotada após a Independência do Brasil, trazia os traços de nosso atual pavilhão nacional.

A atual Bandeira Nacional do Brasil, foi criada pelo filósofo e matemático Raimundo Teixeira Mendes e pelo filósofo Miguel Lemos, sendo inspirada na antiga Bandeira do Império que foi desenhada pelo pintor francês Jean Baptiste Debret sendo utilizada oficialmente pela primeira vez em 19 de novembro de 1889, apenas quatro dias após a Proclamação da República.

O que distingue a nossa bandeira é a original disposição do losango amarelo sobre o campo verde. Nenhum outro pavilhão nacional, no mundo, apresenta desenho igual ou parecido ou tem o verde e amarelo como cores principais ou únicas. Essa concepção, foi projetada pelo artista francês Jean Baptiste Depret, que se inspirou nas bandeiras militares da França, usadas no tempo da Grande Revolução e na época Napoleônica, delas reproduzindo o modelo ornamental em estilo império, constituído por um losango inscrito num retângulo.

Apesar de ser famosa a história de que a Bandeira do Brasil, representa nossas riquezas naturais e minerais - o amarelo seria o ouro, o verde, nossas florestas e o azul, nossos mares, na verdade a bandeira representa nosso atual sistema político, a República.

Prova disso, é que as estrelas da bandeira representam a divisão do país nos 26 Estados e mais o Distrito Federal.

Na verdade, a cor verde representa a Casa de Bragança, da família real portuguesa, e a cor amarela representa os Habsburgos, a família da imperatriz Leopoldina. O lema escrito na bandeira, "Ordem e Progresso", tem inspiração em uma frase de Augusto Comte, criador da filosofia positivista, que diz: "O amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim".

A Lei nº 5.700, de 1971, dispõe sobre a forma e a apresentação dos Símbolos Nacionais. Sendo bem específico a Bandeira Nacional, no Art. 31 da referida Lei, considera manifestações de desrespeito à Bandeira Nacional, e portanto proibidas: apresentá-la em mau estado de conservação, mudar-lhe a forma, as cores, as proporções, o dístico ou acrescentar-lhe outras inscrições, usá-la como roupagem, reposteiro, pano de boca, guarnição de mesa, revestimento de tribuna, ou como cobertura de placas, retratos, painéis ou monumentos a inaugurar e reproduzi-la em rótulos ou invólucros de produtos expostos a venda. Todavia, apesar do artigo 35 da referida Lei, prevê, que “a violação de qualquer disposição desta Lei, é considerada contravenção, sujeito o infrator à pena de multa de uma a quatro vezes o maior valor de referência vigente no País, elevada ao dobro nos casos de reincidência”, com a revogação do Decreto-lei n. 898, de 1969 que definia como delito o ato de e “destruir ou ultrajar a bandeira, emblemas ou símbolos nacionais, quando expostos em lugar público”, com pena de detenção de 2 a 4 anos para quem o fizesse, queimar ou insultar a bandeira nacional passou a não ser mais crime. Em resumo, as Leis do Brasil não protegem totalmente a Bandeira Nacional.

Após a descrição de todas as normativas referentes a Bandeira Nacional, faço o seguinte questionamento: Por que os brasileiros que se consideram tão patriotas, muitos não valorizam seus símbolos nacionais, principalmente a Bandeira Nacional?  O que vemos atualmente no Brasil é um desrespeito total a este amado Símbolo Nacional. Um símbolo só tem legitimidade, enquanto sua forma e conteúdo são integralmente respeitados.

Na minha opinião, o Brasil hoje, enfrenta um perigoso processo de extinção do que é seu Patriotismo. Verifica-se hoje uma tendência crescente de apropriação de símbolos nacionais por movimentos político-partidárias no Brasil. Pior ainda em manifestações ocorridas que atearam fogo na Bandeira Nacional e ultrajam os Símbolos Nacionais.

Triste lembrar, torcedores jogando bandeirinhas em direção ao campo, nas eliminatórias da Copa do Mundo de 2002, no jogo contra a Colômbia, bem como, na final da Copa de 1998, em que o Brasil perdeu a final contra a França em placar de 3×0. 

O Brasil, tem passado por mudanças dentro e fora dos esportes nos últimos anos, mas a bandeira nacional, tem que ser utilizada como símbolo de esperança para torcedores e esportistas, em todas as modalidades.

Todo cuidado é pouco na hora de se manifestar nas ruas. E aqui não há opção entre cumprir ou não cumprir as determinações legais. O que menos importa é que o indivíduo pensa, seja doutrinador ou não, patriota ou apátrida, de qualquer posição do campo de pensamento, seja qual for a ideologia seguida, pois a lei está em vigor.

É importante que a Bandeira Nacional, do Brasil seja um símbolo de união de todo o povo brasileiro, longe de se restringir apenas a algumas convicções políticas. Ela é o símbolo do patriotismo, que todo brasileiro deve carregar consigo, congregando o nosso povo. O amor e orgulho que temos de nossa Pátria e que nos faz arrepiar quando se ouve a execução do Hino Nacional, ou vislumbramos com o tremular altaneiro da Bandeira Nacional.

É preciso refletir acerca do tema, a fim de que o sentido originário deste símbolo nacional, seja lembrado e preservado, independentemente de ideologias político-partidárias.

Desta forma, sugerimos o respeito, e sobretudo, ordem e progresso na Pátria Amada, para que tenhamos lindos campos e mais flores, que reconheçamos, paz no futuro e glória no passado, nesse gigante Torrão pela própria natureza, forte, belo, encantador, fenomenal, impávido colosso, Terra adorada Brasil, e que a luz do cruzeiro possa resplandecer sempre, riscando os céus dos mais belos horizontes, pois já raiou a liberdade no horizonte do Brasil, abrindo as asas sobre todos, das lutas na tempestade.

Desta feita, recebe o afeto que se encerra em nosso peito varonil, querido símbolo da terra, da amada terra do Brasil!

17/05/2022

Um monstro de muitas faces

Embora não seja um assunto novo, o racismo passou a ser, nos últimos tempo, um tema principal dos debates públicos, dentro e fora das redes sociais. Vejamos, por exemplo, a palavra “macaco”, como ela é usada nos campos de futebol para ferir (jogadores negros).

Lembramos, também, quando da chegada de médicos cubanos (2015), em sua maioria negros, que vieram para o país através do Programa Mais Médicos. Nos aeroportos, eles foram recebidos com vaias e bananas por médicos brasileiros, majoritariamente brancos.

O racismo, foi por muito tempo naturalizado na sociedade e, muitas vezes, o debate sobre esse tema, causa constrangimento ou irritação, porque provoca nas pessoas a necessidade de refletir sobre suas ações.

A ideia de que “hoje tudo é racismo” ou “não dá mais pra brincar com nada” fazem com que até mesmo propor esse debate seja difícil. Tem um processo de conscientização envolvido. Muitas pessoas não veem maldade nessas “brincadeiras” e acham que a intenção de quem fez a brincadeira, vale mais do que o sentimento causado pela brincadeira, no outro, na vítima.

No Brasil, durante os períodos colonial e imperial, foi a escravidão que se encarregou de posicionar os negros e os brancos em mundos diferentes. Com a assinatura da Lei Áurea, em 1888, os brancos criaram mecanismos menos explícitos do que as senzalas e os grilhões, para manter os negros num lugar de subordinação.  Da escravidão ao formato atual, o racismo foi se metamorfoseando no correr no tempo, hábil em adaptar-se às mudanças da sociedade.

No começo do século 20, no meio acadêmico, havia a ideia de que era o elemento negro que produzia a desordem e as crises que o Brasil vivia na Primeira República. Isso, legitimou o uso da violência contra essa população. Ao mesmo tempo, acreditava-se que a miscigenação seria benéfica para o país porque, nessa mistura, o sangue branco forte prevaleceria sobre o sangue negro fraco e haveria o branqueamento da população. Aquele grupo desestabilizador acabaria sendo eliminado. Sendo mais direto: eugenia. Na década de 1930, o discurso que passou a vigorar foi a da democracia racial. O Brasil seria um país plural, com o branco, o negro e o indígena convivendo em harmonia, todos importantes, desde que cada raça ficasse no seu lugar. Já não se pensava mais em eliminar o negro, mas sim em absorvê-lo e mantê-lo numa posição subalterna.

O historiador, sociólogo e escritor pernambucano, Gilberto Freyre (1900-1987), oriundo de família rica e tradicional, escreveu a primeira grande obra brasileira que trata das relações entre senhores e escravos no período colonial e imperial no Brasil, o livro Casa Grande e Senzala, publicado em 1936. A obra-prima de Freyre, dedica páginas e mais páginas ao relato das atrocidades que se fizeram contra os escravos. Está tudo ali, todos os sofrimentos impostos aos escravos: o trabalho desumano nas lavouras, as meninas menores de 14 anos, virgens, violentadas na crença de que o estupro curaria a sífilis, as mucamas que tinham os olhos furados e os peitos dilacerados apenas por despertar os ciúmes das senhoras de engenho.

O papel de Freyre, porém foi outro, muito mais marcante. No debate com o pensamento majoritário de então, o que Freyre fez foi resgatar a importância do negro para a construção de nossa identidade nacional, para a construção da nossa cultura, do nosso jeito de pensar, de agir e de falar. Ele enalteceu a figura do negro dando e ela sua real dimensão, sua real importância. A nossa miscigenação, concluímos depois de ler Freyre, não é a nossa chaga, mas a nossa principal virtude.

Segundo os estudiosos, o que vigora no Brasil é o racismo estrutural. O racismo é estrutural porque se apresenta como um alicerce em cima do qual se constroem as relações políticas, econômicas e sociais no país. As pessoas e as instituições são moldadas, por vezes de forma inconsciente, para encarar como normal que brancos e negros ocupem lugares diferentes. O racismo estrutural, impede que as pessoas enxerguem suas atitudes como racistas e se responsabilizem pelas consequências delas.

Muitos de nós fomos ensinados a acreditar na existência de diferenças biológicas e genéticas entre as raças. Essa biologia responde por diferenças visuais tais como a cor da pele, textura capilar, formato dos olhos e características que achamos poder ver, como sexualidade, habilidades atléticas ou competências matemáticas. A ideia de raça como um construto biológico facilita acreditar que a maioria das divisões que vemos na sociedade é natural. Todavia, a raça, assim como o gênero, é socialmente construída. As diferenças que detectamos com nossos olhos, textura capilar e cor dos olhos, são superficiais e emergiram como adaptações geográficas. Por baixo da pele, não existe raça biológica de verdade. As características externas que usamos para definir raça são indicadores inconfiáveis da variação genética entre duas pessoas quaisquer.

Nos últimos trinta anos, este é o consenso entre os geneticistas: os homens são todos iguais ou, como diz o geneticista Sergio Penas, os homens são igualmente diferentes.

Consideremos dos grupos. O primeiro com aqueles que o senso comum diz ser de “raça” negra: homem de cor preta, nariz achatado e cabelo crespo. O segundo com aqueles que o mesmo senso comum diz ser da “raça” branca: homens de cor branca, nariz afinado e cabelos lisos.

As diferenças entre indivíduos de um mesmo grupo serão sempre maiores do que as diferenças entre dois grupos, considerados em seu conjunto. Tanto no grupo de negros ou brancos haverá indivíduos altos, baixos, inteligentes, menos inteligentes, destros, canhotos, com propensão a doenças cardíacas, com proteção genética contra o câncer, com propensão genética ao câncer, etc.

A única coisa que vai variar entre os dois grupos é a cor da pele, o formato do nariz e a textura do cabelo, e, mesmo assim, apenas porque os dois grupos já foram selecionados a partir dessas diferenças.

O genoma humano é composto de 25 mil genes. As diferenças mais aparente (cor da pele, textura do cabelo, formato do nariz) são determinadas por um conjunto de genes insignificantemente pequeno se comparado a todos os genes humanos. Para ser exato, as diferenças entre o branco nórdico e um negro africano compreende apenas a fração de 0,005 do genoma humano.

Por essa razão, a imensa maioria dos geneticistas é peremptória: no que diz respeito aos homens, a genética não autoriza falar em raça. Segundo o geneticista Craig Venter, o primeiro a descrever a sequência do genoma humano, “raça é um conceito social, não um conceito científico”.

Independentemente de definição, o homem brasileiro é uma amálgama de várias correntes raciais, resultante de diferentes elementos étnicos: o aborígine, o branco colonizador e o negro escravo. Do ponto de vista psicológico, essa pluralidade racial também reflete os temperamentos, de tal sorte, que se poderia formular um diagnóstico genérico da personalidade social brasileira em suas grandes tônicas psico-sociais. Assim, encontramos no homem brasileiro diversas qualidades. Por exemplo, herdamos do português a instabilidade emocional, o sentimento de religiosidade e o individualismo decorrente da figura do patriarca avulta, tomando conta da terra e das gentes de cada grupo isolado, o sentimentalismo, traço fundamental do brasileiro, fruto do lirismo do português, do espírito contemplativo. Herdamos o sentimento de amor à liberdade e a natureza do índio e da nostalgia, a abstração e o senso estético do negro.

Outros elementos étnicos oriundos das imigrações trouxeram subsídios a nossa civilização. Assim, do germânico herdamos um certo conteúdo de idealismo e teorização, do italiano, a exuberância do gesto e palavras, e certo culto às artes, do árabe a tendência à especulação, do francês, a ilustração, e a cultura ornamental, e do britânico, certo senso crítico e humorismo irreverentes. Assim, temos o elenco das principais qualidades do caráter nacional. 

Importante ressaltar sobre os dados divulgados sobre a população no Brasil no último censo demográfico (2010). Segundo o IBGE, 7,5% são negros, 47,5% brancos e 43,4% são pardos.

Como o pardo tem de ser, necessariamente, o resultado do casamento entre brancos e negros, o número de brasileiros com algum negro na família é necessariamente alto. Isso seria a prova que somos uma nação majoritariamente livre de ódio racial (repito que, sim, sei que o racismo existe aqui e onde mais houver seres humanos reunidos, mas, certamente, ele não é um traço marcante de nossa identidade nacional).

A cor da pele não determina sequer a ancestralidade, Nada garante que um indivíduo negro tenha a maior parte de seus ancestrais vindos da África. Isso é especialmente verdadeiro no Brasil, devido ao alto grau de miscigenação.

Com anos de naturalização de estigmas, de inferiorização e ridicularização do povo negro, o uso de palavras, frases e brincadeiras racistas que deprimem, machucam e mutilam física ou mentalmente, muitas vezes, repetimos de geração para geração. Trata-se de um conjunto de práticas, hábitos, situações e falas embutido em nossos costumes e que promove, direta ou indiretamente, a segregação ou o preconceito racial. Podemos tomar alguns exemplos: “ele é um negro de alma branca”, “não sou racista, tenho até amigos negros”, “negro correndo é ladrão”, “as crianças não se assustam com esse seu cabelo?”, “a coisa tá preta”, “negro tem cheiro forte”, “negros se destacam apenas em atividades recreativas ou no esporte”, “preto quando não suja na entrada, suja na saída”, “ele nem tem cara de médico, parece mais com o faxineiro”, “ainda bem que nasceu clarinho!”, “negro é complexado”, “ela ainda anda com aquela negrada?”,

Algumas expressões que também são racistas e tão comuns no nosso vocabulário, tais como: “Pensa que eu sou tuas negas”. Ela surgiu na época da escravidão, quando, as mulheres negras eram consideradas “propriedades” dos seus senhores, que se achavam no direito de fazer tudo com elas – inclusive estupros, assédios e agressões. A expressão "dar com pau", usada hoje em dia para expressar "abundância" ou "grande quantidade", também remete à violência da escravidão. Expressão originada nos navios negreiros. Muitos dos capturados preferiam morrer a serem escravizados e faziam greve de fome na travessia entre o continente africano e o Brasil. Para obrigá-los a se alimentar, um 'pau de comer' foi criado para jogar angú, sopa e outros alimentos pela boca.

“Cabelo ruim”, “cabelo bombril”, “cabelo duro”.Termos racistas usados como bullying que depreciam a imagem e o cabelo de pessoas negras. Falar mal das características dos cabelos Afro também é racismo. Melhor falar: “cabelo crespo”, “cacheado” ou “afro”.

O pior é que em nosso meio social, sempre escutamos alguém com essas frases: “deixa de vitimismo, foi só uma brincadeira”, “nossa, o mundo tá chato, agora tudo é racismo, é muito mimimi”, “os negros são os mais racistas”, etc.

Como é possível mudar essa situação? Pensando de forma mais pragmática, uma das maneiras mais simples de se lidar com o racismo em seu dia a dia é exercer mais empatia pelo próximo, independentemente da cor da pele ou gênero. Exercermos sinceramente a empatia, que é a capacidade psicológica de sentir o que sentiria outra pessoa, caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela. É tentar compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar o que sente outro indivíduo. Por exemplo, ao ver ou saber que uma pessoa sofreu racismo, você pode ter empatia por ela, tentando entender o que ela sentiu ao sofrer com o episódio.

O racismo faz parte das raízes da nossa sociedade e cultura e, por isso, consiste em um monstro de muitas faces. Está profundamente entranhado em nosso tecido social. Ele não se limita a um só ato ou pessoa. Barrar as forças do racismo é trabalho contínuo, de uma vida toda porque as forças que nos condicionam a estrutura racista estão sempre em ação.

O racismo não é causado por uma patologia, uma anomalia, ou a falta de caráter de alguém: é, na verdade, um sistema complexo e histórico, fazendo com que o racismo ocorra a todo momento, e que as pessoas sejam racistas sem perceberem

O racismo está em nosso dia a dia, por isso, para combatê-lo devemos estar vigilantes de nossas ações e de ações coletivas que perpetuem injustiças. Mais do que não ser racista, é nosso dever social combater o racismo. E isso não se aplica apenas aos discursos em redes sociais, ou posicionamentos pessoais dentro de correntes em prol da causa. Esta é uma ação que precisa ser exercitada no nosso dia a dia, com as pessoas próximas a nós.

Se algum amigo ou colega seu fizer comentários racistas: situe eles. Se alguém compartilhar uma piada racista perto de você: lembre-se que racismo não tem graça e que é crime. Se seus familiares tiverem noções equivocadas sobre o racismo estrutural, construa conhecimento junto a eles e procure explicar mais sobre a causa.

Estudiosos, da desigualdade racial, afirmam que, para que a luta contra a discriminação da população negra produza resultados consistentes, há um passo decisivo que nós, brasileiros, ainda não demos: assumir que somos, sim, racistas — seja como indivíduos, seja como sociedade. Quando se admite a existência do racismo, cria-se automaticamente a obrigação moral de agir contra ele: A negação é essencial para a continuidade do racismo.

Os brasileiros entendem que é lá fora que existe ódio racial, não aqui. Acreditam que no Brasil vivemos numa democracia racial, miscigenados, felizes e sem conflito. Essa é a perversidade do nosso racismo. Ele foi construído de uma forma tão habilidosa que os brasileiros chegam ao ponto de não quererem ou não conseguirem enxergar a realidade gritante que está bem diante dos seus olhos.

Não é possível haver democracia numa sociedade racista. A sociedade racista é sistemicamente autoritária, porque precisa se utilizar da força para rejeitar as reivindicações justas da maioria e atender à minoria. Manter a desigualdade, a pobreza e a baixa representatividade política exige violência sistêmica, que depois acabará sendo aproveitada também contra os brancos. Além disso, se a maioria da sociedade é pobre, violentada e humilhada o tempo todo, essa sociedade não pode ser saudável. É um lugar péssimo para qualquer pessoa viver, inclusive os brancos. O engajamento na luta antirracista significa compromisso com a democracia, o bom desenvolvimento econômico e a humanidade. 

Eu acredito que majoritariamente, ainda somos uma nação que acredita nas virtudes da nossa miscigenação, da convivência harmoniosa entre todas as cores e nas vantagens, imensas vantagens, de sermos um pais em que os racistas, quando existem, envergonham-se do próprio racismo. “Numa sociedade racista, não basta não ser racista é preciso ser antirracista.” Ângela Davis.

06/05/2022

Mãe, luz que não apaga quando sopra o vento e chuva desaba

O mês de maio é recheado de celebrações importantes que chamam as pessoas a refletir sobre diversos temas. As datas comemorativas revestem-se de importância por representarem o esforço de se manter vivo na memória coletiva algum acontecimento ou homenagem com certa relevância social. Nesse nosso artigo vamos lembrar de quatro datas, ou melhor, acontecimentos, com destaque para um deles.

Primeiramente, o dia 1°de maio, que é marcado como o Dia Mundial do Trabalho ou o Dia Nacional e Internacional do Trabalhador. Uma greve da classe operária nos Estados Unidos em 1886, deu início ao que hoje é comemorado o Dia do Trabalho em muitos países.

Segundo acontecimento, a data da abolição da escravatura, que foi o acontecimento histórico mais importante do Brasil, após a Proclamação da Independência, em 1822. No dia 13 de maio de 1888, após seis dias de votações e debates no Congresso, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, que decretava a libertação dos escravos no país. Sobre este dia, Machado de Assis escreveu anos depois na coluna “A Semana”, no jornal carioca Gazeta de Notícias: “Verdadeiramente, foi o único dia de delírio público que me lembra ter visto”.

Neste mesmo dia da assinatura da Lei Áurea, os católicos recordam a primeira das aparições de Nossa Senhora aos três Pastorinhos - Jacinta, Francisco e Lúcia - que ocorreu na cidade de Fátima, em Portugal, no ano de 1917. Sendo, portanto, comemorado o dia de Nossa Senhora de Fátima.

Por último, o dia das mães que é uma data comemorativa celebrada, no Brasil, no segundo domingo do mês de maio, em comemoração aos sentimentos e virtudes que o amor materno concorre para despertar e desenvolver no coração humano, contribuindo para seu aperfeiçoamento, no sentido da bondade e da solidariedade humana.

Considera-se que o Dia das Mães surgiu nos Estados Unidos, bem no começo do século XX. Apesar disso, os historiadores enxergam algumas semelhanças entre essa data comemorativa e algumas celebrações realizadas na Antiguidade clássica, isto é, na Grécia e Roma antigas. Não existe uma associação direta, entre a celebração moderna e a realizada na Antiguidade, mas os historiadores pontuam-nas em diálogo para demonstrar que festivais em homenagem à figura materna não são uma exclusividade do mundo contemporâneo. Na Grécia, por exemplo, celebrava-se Reia, a mãe dos deuses. Podemos observar então que, desde tempos muito remotos, as mães são enxergadas como figuras importantes dentro da família e da sociedade.

A norte-americana Anna Maria Jarvis (1864-1948) é considerada a idealizadora do modelo contemporâneo do Dia das Mães. Em 1905, ela perdeu a mãe, que também se chamava Ann Jarvis, e entrou em depressão.

Preocupadas com ela, suas amigas resolveram dar uma festa, para perpetuar a memória da mãe de Anna e, ao mesmo tempo, tentar animá-la. Anna quis que a homenagem fosse estendida a todas as mães, independentes de estarem vivas ou mortas, e em pouco tempo a comemoração se propagou por todo país. Em 1914, a data foi oficializada pelo presidente Woodrow Wilson, e passou a ser comemorada no dia 9 de maio. Aos poucos, a homenagem foi se espalhando para outros países.

Sua mãe era reconhecida como uma "grande mãezona" na comunidade onde vivia, no Estado americano da Virgínia Ocidental.  Conhecida por realizar trabalho social, com outras mães, sobretudo no período da Guerra Civil Americana. Participante da Igreja Metodista, dedicou sua vida ao ativismo social.

A popularização dessa data nos Estados Unidos fez com que ela fosse exportada para o Brasil. Os historiadores falam que a primeira celebração do tipo aconteceu aqui em 12 de maio de 1918, quando uma organização cristã realizou essa comemoração em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. O Dia das Mães só foi oficializado no Brasil na década de 1930, quando o presidente Getúlio Vargas emitiu o Decreto nº 21.366, em 5 de maio de 1932. Por meio desse documento, determinou-se o segundo domingo de maio, como momento para comemorar os sentimentos e virtudes que o amor materno concorre para despertar e desenvolver no coração humano, contribuindo para seu aperfeiçoamento no sentido da bondade e da solidariedade humana.

Interessante, que a data só se consolidou anos depois, durante o regime militar (1964 a 1985).

Já pensaram o que seria o mundo sem as mães? Um caos total. As mães são essenciais para a sociedade, possuem uma tarefa árdua de ensinar, cuidar e amar. Elas possuem forte influência sobre seus filhos e seu amor é incomparável.

Ser mãe, é gerenciar diariamente crises, ser enfermeira, professora, psicóloga, chefe de cozinha, economista e uma série de outras profissões

Muitos estudiosos afirmam que durante a primeira infância, isto é, até seis anos, o caráter da criança já está moldado em 75%. Por isso, seu modo de amar, de agir, de repreender e falar, têm grande interferência em seus filhos e uma mãe sábia, cria filhos sábios e que são motivo de orgulho para ela e não de vergonha. Como está escrito em Provérbios 22:6: “Instrui o menino no caminho em que deve andar, e até quando envelhecer não se desviará dele”.

Ser mãe, é sonhar com o filho antes mesmo dele existir no ventre. Ser mãe, é se desdobrar em cuidados e atenção aos filhos. Ser mãe, é ver o perigo antes mesmo dele existir. Ser mãe, é dormir tarde e acordar cedo para conciliar todas as suas outras atividades. Ser mãe, é amar incondicionalmente. Ser mãe, é amar sem esperar nada em troca.

Ser mãe, é ter seu ventre abençoado por Deus e a incumbência de educar, ensinar, amar, cuidar, zelar e se doar. Educar não apenas oferecendo uma boa escola e atividades extracurriculares. Educar, vai muito além disso, nos leva a refletir no espiritual também, ensinar o Caminho da Verdade. Essa é a responsabilidade das mães, ensinar que os filhos não estarão sozinhos, após a nossa partida, eles sempre terão a companhia de Deus.

Enfim: “Ser mãe é dom de Deus!”. 

Nesse momento não tenho como não falar em Maria, mãe de Jesus. Mulher escolhida soberanamente por Deus pela qual nosso Senhor e Salvador veio ao mundo. Ela também é conhecida como Maria de Nazaré. Pouco se sabe sobre quem foi Maria, e sobre seus pais, especialmente com respeito a detalhes biográficos. Mas a história de Maria, conforme narrada nos Evangelhos, já é suficiente para entendermos a importância dessa mulher.

Ela foi uma mulher bem-aventurada e digna de ser imitada, pelo seu exemplo de humildade, fidelidade e abnegação diante dos planos de Deus. Infelizmente algumas pessoas, que criticam a teologia católica, menosprezam e subestimam completamente a mulher a quem Deus escolheu soberanamente para receber a incalculável honra de dar à luz a Jesus Cristo.

Depois desse passeio na história, sobre a criação do dia das mães e a importância dessa homenagem, quero exaltar três mulheres em minha vida.

Primeiramente minha mãe Ruth que me colocou no mundo pela graças de Deus. Me ensinou o caminho do bem, da gratidão e da justiça. O seu coração é tão grande e generoso quanto a imensidão do universo. Tem uma expressão popular que ela sempre gosta de me dizer: “se a vida te der um limão, faça uma limonada”. Esse frase carrega um sentido muito forte, que podemos utilizar como uma filosofia para superar as adversidades em nossa vida. Enfim, sempre tem uma palavra que acalma e orienta.

A segunda mulher, minha querida Maria José, minha companheira. Uma mãe guerreira sempre disposta a lutar pela felicidade de seus filhos e agora seu neto. Uma mãe fenomenal. Exemplo de força e dedicação.

A terceira mulher, minha filha Nanda. Uma mãe amorosa, carinhosa, atenta. Posso dizer, uma mãe recente mas que desde cedo carrega no coração e traduz em ações o que é ser mãe.

Concluindo, quero celebrar o dia das mães, agradecendo a todas as mães pela dedicação, amor e carinho que dão aos seus filhos diariamente, lembrando de um pequeno trecho da música “Mãe, um pedacinho do céu, composta pela dupla de compositores da Jovem Guarda Ed Wilson e Carlos Colla, gravada originalmente pelo pernambucano Leonardo Sullivan:

“Para mim sou grande.  Mas pra ela pequenino.  Sou adulto mas pra ela sou menino

Quando olha pra mim seus olhos brilham.  Um amor feito de sonho. De alegria e de esperança.

Se estou junto dela sou criança.  O mundo é muito mais bonito.  Sem pecado e sem perigo.

E ninguém no mundo vai gostar de mim.  Como ela gosta.

Se eu estou errado ou certo não importa. Na alegria ou na tristeza ela está sempre comigo.

Na hora do prazer me lembro dela.  Mas na hora da tristeza e da saudade é meu abrigo.

Por mim ela não mede sacrifícios.  Pode parecer difícil que alguém ame desse jeito.

Acontece que ela é a minha mãe.  E mãe é sempre assim.

Mãe, palavra que Deus inventou.  Um anjo que à Terra chegou.  Voando nas asas do amor.

Mãe, palavra mais doce que o mel.  Talvez um pedacinho do céu. Que Deus transformou em mulher”.

01/05/2022

Se o penhor dessa igualdade, conseguimos conquistar com braço forte

Pouco tempo depois, que iniciei a publicação dos meus artigos, recebi uma ligação do meu ex-colega de empresa e amigo, o pernambucano Renato Matos. No meio da conversa, ele me sugeriu escrever sobre os invisíveis moradores de rua. Considerando que esse assunto, está em consonância com os artigos que tenho escrito, levantei bandeira acerca do tal assunto.

Bem, vamos refletir um pouco sobre esta triste situação, hoje, quando a sensibilidade é mais aguçada e se fala tanto na fraternidade cristã.

Historicamente, sabe-se da existência de moradores de rua desde o período clássico no Mundo Grego e Império Romano, passando pela idade média e se perpetuando até os dias atuais. Há notícias, inclusive, de uma certa “profissionalização” da situação de rua. Já, na Era Industrial, sabe-se que teria havido repressão generalizada, à difusão de atividades ligadas à vagabundagem e à mendicância.

A desigualdade social, faz parte da construção das sociedades. No Brasil, isso é evidenciado desde o período colonial brasileiro, que foi marcado por intensas desigualdades sociais e raciais, onde um negro africano era considerado inferior e tinha valor somente para ser escravizado. Acentuando-se com a abolição da escravatura em 1888, pela Lei Áurea, na qual sem aparo social nenhum, os escravos (à própria sorte) foram deixados à margem da sociedade, não conseguindo muitas das vezes, trabalhos assalariados, reconhecimento como cidadãos e sendo privados de ir aos lugares. As ruas se tornaram a solução para os seus problemas. E esse contraste, de modo de vida, é visto até hoje que, cerca de 67% dos moradores de rua são negros ou pardos.

Para agravar, entre os séculos XIX e XX, o Brasil viveu o auge de seu período de industrialização. Houve, nessa época, acentuado êxodo rural e grande quantidade da população migrou para as cidades, em busca de melhores oportunidades. No entanto, esse processo não foi organizado e não contou com nenhum planejamento de distribuição populacional. Consequentemente, o processo de urbanização, do que hoje são os grandes centros urbanos, gerou um contraste no tecido social, haja vista que os mais ricos tiveram oportunidade de habitação e bem-estar social, enquanto os mais pobres foram submetidos à marginalização. Como resultado, surgiram favelas e muitos indivíduos em situação de rua.

Reflexo do histórico de exclusão social existente no país, que a cada dia afeta um maior número de pessoas, que não se encontram enquadradas no modelo econômico atual.

Reforçamos ainda, que em razão da precária situação econômica de uma considerável parcela da população brasileira, alguns comportamentos, tidos como criminosos ou contravencionais devem ser excluídos do ordenamento jurídico em razão do seu conteúdo retrógrado e injusto. As contravenções penais de vadiagem e mendicância são dois desses comportamentos. Esses dois tipos penais não são recentes, tendo em vista que eram previstos no Código Criminal do Império de 1830.

O artigo 295 do Código Criminal do Império, descrevia o crime de vadiagem como aquele cometido nas hipóteses em que "não tomar qualquer pessoa uma ocupação honesta e útil de que possa subsistir, depois de advertida pelo juiz de paz, não tendo renda suficiente". Enquanto o artigo 296 previa punição para aqueles que andassem mendigando em determinados locais.

Passados bons anos, foi sancionada a Lei 3.688 de 1941- Lei das Contravenções penais, que ficou conhecida como lei contra vadiagem no Brasil.  No seu artigo 59, a lei classifica como vadiagem “entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita". A pena pode variar entre 15 dias e três meses. Apesar da Lei da vadiagem ser raramente aplicada, ainda persiste no país. Essa sanção proibia a livre circulação da população de rua, o que evidencia a presença da desigualdade e da exclusão social desde os primórdios do capitalismo.

Interessante, que de acordo com a constituição no Art.5º "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". Nessa perspectiva, é fato que a discriminação sofrida por moradores de rua, ainda é um fato excludente dos interesses sociopolíticos.

No livro Homens Invisíveis, o psicólogo Fernando Braga comprova a existência de uma invisibilidade social, a qual atinge, principalmente, pessoas em situação de rua. Nesse sentido, constata-se uma diferença de tratamento entre classes socioeconômicas distintas.

Os moradores de rua são considerados invisíveis, por grande parte da população, as pessoas passam por eles todos os dias e não conseguem enxergar a sua existência. Parece que estas pessoas já fazem parte do cenário urbano. Muitos evitam qualquer contato e passam de largo evitando até olhar à distância, acreditam se tratar de alguém supostamente perigoso, demente, um indigente que pode nos atacar, nos ferir ou mesmo nos matar. Esta, em geral, é a reação da sociedade diante de um ser humano que por algum motivo se encontra na rua abandonado e, na maioria das vezes, sem nenhuma esperança. Indivíduos que perdem a condição de cidadãos à medida que se dissipam as simbologias que os retratam como tal em adjetivos pejorativos – mendigo, vagabundo, etc.

É importante ressaltar, que essa invisibilidade social, acaba tornando os moradores de rua pessoas sem oportunidades, no que tange ao mercado de trabalho. Tendo como consequência o aumento das mazelas sociais.

Além de não possuírem as condições básicas de sobrevivência (comida, água, local para dormir, etc), também estão suscetíveis à violência, maus tratos e, principalmente, ao desprezo e abandono.

O aumento exponencial no número de moradores de rua, é um retrato da desigualdade em nosso país. O número de pessoas em situação de rua no Brasil cresceu 140% entre 2012 e março de 2020, chegando a quase 222 mil pessoas. Maior parte da população é masculina.

A população em situação de rua se caracteriza por ser um grupo populacional heterogêneo, composto por pessoas com diferentes realidades, mas que têm em comum a condição de pobreza absoluta, vínculos interrompidos ou fragilizados e falta de habitação convencional regular, sendo compelidas a utilizar a rua como espaço de moradia e sustento, por caráter temporário ou de forma permanente.

Os motivos que levam uma pessoa a morar na rua são vários, como o desemprego, o abandono familiar ou até falta da família, a situação econômica, o desajuste social, violência, perda da autoestima, problemas psicológicos e, muitas vezes, o uso abusivo de drogas, como o álcool e o crack.

A população em situação de rua é subdividida em três grupos, nos quais ocorre a distinção conforme a permanência na rua: As pessoas que ficam na rua – configuram uma situação circunstancial que reflete a precariedade da vida, pelo desemprego ou por estarem chegando na cidade em busca de emprego, de tratamento de saúde ou de parentes. Nesses casos, em razão do medo da violência e da própria condição vulnerável em que se encontram, costumam passar a noite em rodoviárias, albergues, ou locais públicos de movimento. As pessoas que estão na rua - são aquelas que já não consideram a rua tão ameaçadora e, em razão disso, passam a estabelecer relações com as pessoas que vivem na ou da rua, assumindo como estratégia de sobrevivência a realização de pequenas tarefas, com algum rendimento. É o caso dos guardadores de carro, descarregadores de carga, catadores de papéis ou latinhas. As pessoas que são da rua e já utilizam esses lugares como moradia há um bom tempo e de certo modo, se acomodaram com tal situação, em consequência do uso de drogas e da má alimentação, degradam sua saúde. O álcool e as drogas são substâncias presentes nesses grupos, pois servem como alternativa para minimizar a fome e o frio.

As pessoas que vivem nas ruas viram-se como podem. Dormem em “mocôs” (imóveis abandonados), próximas a órgãos públicos, em rodoviárias ou estações de trem, montam barracas em praças ou áreas verdes, abrigam-se embaixo de pontes. Dormem geralmente em grupos, em razão dos riscos que enfrentam pela violência de que são alvos, mas também há as que se mantêm sozinhas.

É possível, por intermédio da linguagem simples e coloquial do poema, "Tinha uma pedra no meio do caminho" de Carlos Drummond de Andrade fazer uma analogia a respeito da população em situação de rua no Brasil. Dentro do contexto do tema, a exclusão sofrida pelos residentes de rua, torna-se uma pedra no meio do caminho, para a melhoria das condições de vida, desta parcela da população brasileira. A problemática atua e repercute no cotidiano dos brasileiros como um verdadeiro obstáculo social a ser superado. Contudo, percalços como a inércia governamental e a falta de acesso à educação dificultam o sobrepujar dessa adversidade.

Da mesma forma, o poema de Manuel Bandeira “O Bicho” na passagem “não era um gato, não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem." Torna-se possível imaginar a situação dos moradores de rua no Brasil, que são animalizados, por falta de adjetivos, que caracterizem tamanha falta de dignidade em suas condições de vida. Um bicho misterioso e tenebroso, comendo comida do lixo, depois percebe que o ser, na realidade, era um Ser Humano. Paralelo à realidade, muitos moradores de rua, como o personagem do poema de Bandeira, são vistos socialmente como seres estranhos, ou às vezes nem são vistos, se tornam parte do cenário urbano, isto é, deixam de ser enxergados como seres humanos, devido ao estado em que se encontram. Portanto, os moradores de rua passam por um processo de desumanização, devido à forma preconceituosa pela qual são vistos pela óptica social.

O importante ao se analisar essa realidade encontrada no Brasil, é lembrar que essas pessoas fazem parte de nossa sociedade, que todos possuem os mesmos direitos perante as leis. No Art.1º da Constituição Brasileira é citado os fundamentos do Estado Democrático de Direito e entre eles está presente aspectos como a cidadania e a dignidade da pessoa humana. O Artigo 3º afirma que erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais são os objetivos da República Federativa do Brasil. O artigo 6º garante a todos os indivíduos, o direito à moradia, assistência aos desamparados e ao bem-estar social. No entanto, trazendo para o contexto da população de rua no Brasil, mostra-se que esses direitos, não estão corretamente sendo praticados.

De acordo com o jornalista Gilberto Dimenstein, a terminologia "Cidadão de papel" designa os direitos previsto na legislação e servem apenas para criar um estado de bem-estar social, todavia o Estado não faz quase nada para alterar o cenário na realidade.

Em 2014, com a Copa do Mundo realizada no Brasil, o Governo estipulou um plano para remover a população de rua, nas principais cidades, onde os jogos seriam realizados. Apesar da aparente preocupação, o projeto não logrou êxito e reincidiu a mesma situação decadente. Na realidade, o plano não continha medidas para buscar resolver o problema mas "esconder os desfavorecidos."

Enfim, não basta o estado criar programas sociais, é preciso acompanhar, criar métodos quantitativo e qualitativo, a fim de consertar seus erros e propor melhorias para atingir à eficácia dos programas. É necessário a criação de políticas públicas que garantam a reinserção destas pessoas como cidadãos.

Sabemos que a questão é muito complexa, mas é preciso pensar em caminhos preventivos, em soluções que envolvam direito à moradia e geração de renda. Cuidar das pessoas, antes delas estarem em condição de rua, é muito mais eficiente e barato do que cuidar delas depois desta situação consolidada, quando o resgate social fica mais difícil a cada dia que passam na rua.

O pior, é que o desinteresse do Estado, influencia diretamente no comportamento da sociedade, haja vista que os moradores de rua são tratados, ora com compaixão, ora com repressão, preconceito, indiferença e violência.

Mas, não podemos deixar de exaltar e agradecer, as diversas Organizações Não Governamentais, às (ONGs), às Instituições Religiosas, Maçonaria, Lions Clube, Rotary Club e Sociedades Espíritas, nos serviços de amparo à essas pessoas, atuando na distribuição de alimentos, roupas, cobertores, etc.

Temos também pessoas que se unem em grupos e sempre saem a procura destes moradores, levando-lhes roupas, alimentos e sobretudo, calor humano. São os "bons samaritanos" modernos, pessoas abnegadas que desempenham tão linda missão.

No caso de instituições Religiosas, na cidade de Natal-RN, queremos dar dois exemplos. Primeiro o trabalho realizado pela Pastoral Ronda Fraterna que faz parte da Paróquia de Nossa Senhora das Graças e Santa Teresinha, localizada no Bairro do Tirol. Com objetivo e atender aos irmão necessitados, realiza distribuição semanal de sopa, pão e leite achocolatado, para diversas famílias cadastradas nas comunidades. Construção e reformas de casas, e outras atividades. E o segundo exemplo, é o trabalho feito pela Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, onde através do trabalho denominado “A Ronda Paz e Bem”, ocorre a distribuição de sopa e roupas para os moradores de rua.

Durante meu trabalho de pesquisa para escrever esse artigo, conversei com um ex-colega de trabalho e amigo George Adriano, que eu tinha conhecimento que fazia parte desse grupo de “samaritanos” do Ronda Paz e Bem. Ele me contou, que sempre observava que a grande maioria dos moradores de rua, que participavam da distribuição de sopa com a ronda Paz e Bem do convento Santo Antônio, não tinham acesso a um banho. Foi aí que surgiu a ideia da construção de um trailler banheiro. A ideia foi colocada em prática e em 15 de dezembro de 2016, ocorreu o ato inaugural do primeiro “Banho Solidário”. Repetindo as palavras do amigo George Adriano: “Foi assim que nasceu a vontade de fazer algo mais para os nossos irmãos em situação de rua."

Nosso exemplo de solidariedade é Jesus Cristo. Viveu uma trajetória de dedicação e cuidado com os mais pobres. Desde o seu nascimento, teve uma vida simples. Nasceu em um estábulo entre animais, cresceu em uma família humilde e foi apresentado no Templo, com a oferta dos pobres. Com o passar dos anos, mostrou-se próximo daqueles que eram discriminados e desprezados da sociedade e fez dessa a sua missão de vida.

Jesus não apenas deixou o exemplo da solidariedade, como também nos indicou que esse é o caminho a ser trilhado, para fazer a vontade de Deus e caminhar na santidade.  Dessa forma, quando olhamos para a sua história, devemos nos inspirar no tamanho do seu amor pelos mais necessitados. O espaço que o pobre tem no coração de Cristo é o que também devemos manter em nossos corações.

 “Se o penhor dessa igualdade. Conseguimos conquistar com braço forte”. Esse trecho do hino nacional brasileiro expõe uma visão idealizada de uma nação justa e igualitária.

Entretanto, ao observar a situação dos moradores de rua, no Brasil, percebe-se que essa noção patriota é constatada apenas em teoria e não desejavelmente na prática, e a problemática persiste intrinsecamente ligada à realidade do país.

 “Triste mundo este que cobre os vestidos e despe os nus”. A frase, do dramaturgo e poeta espanhol Pedro Calderón de la Barca, exprime a ideia de que quem pouco tem terá menos ainda, uma vez que dele será tirado para dar aos que muitos possuem.

18/04/2022

Liberdade, ainda que tardia

“Mestre, é lícito pagar imposto a César ou não? (Mateus 22:17). Qualquer resposta de Jesus o comprometeria, colocando-o ou como traidor da nação de Israel ou em confronto direto com o Império Romano. Se defendesse a liberdade de Israel, respondendo que era ilícito pagar imposto a César, seus opositores o entregariam a Pilatos para que fosse executado, embora também considerassem injusto tal tributo. Se dissesse que era lícito pagar tributo a César, o jogariam contra o povo que o amava, pois o povo passava fome na época, e um dos motivos era o jugo de Roma. Por isso que disse: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Segundo o escritor Augusto Cury, no seu livro “O Mestre da Sensibilidade”, não havia outra solução para Jesus naquele momento, a não ser que se intimidar e se omitir. Suas palavras certamente abririam a vala da sua sepultura.

A necessidade de coletar tributos dos cidadãos, não é uma prática que iniciou apenas na sociedade atual, como conhecemos. Na verdade, o recolhimento de impostos acompanhou a evolução da sociedade e da humanidade desde os primórdios.

Segundo relatos da história, os primeiros registros de cobranças foram de 4000 A.C., documentados em peças de barro, encontradas na região da Mesopotâmia. Nessas peças foi possível constatar que os tributos exigiam que parte dos alimentos produzidos pela população, fossem destinada ao governo. Além disso, parte do povo era obrigado a passar até cinco meses por ano trabalhando para o rei.

O Império Romano, foi o primeiro grande exemplo do uso eficiente dos tributos recolhidos. A cobrança de impostos, era usada como forma de fortalecer seus exércitos e conquistar mais terras. Os principais impostos cobrados eram sobre a importação de mercadorias (“portorium”) e sobre o consumo geral de qualquer bem (“macelum”).

A queda do Império Romano, trouxe um novo sistema de organização da sociedade e, portanto, dos impostos. É nessa época, que surge a lenda do mais belo protesto contra excesso de tributação. O conde Leofric de Mercia disse a sua mulher, Lady Godiva, que só baixaria os impostos da pequena cidade de Coventry, Inglaterra, quando ela passeasse nua pela cidade sobre um cavalo branco. Ela aceitou o desafio, mas em respeito ao seu ato de bravura e humanidade, o povo fechou as janelas e não a contemplou.

Importante ressaltar, que o tributo administrado pelo Estado, de uma forma muito semelhante ao que conhecemos hoje, foi instituído na Grécia. Com base nos impostos recolhidos e no trabalho escravo, os gregos se tornaram uma das maiores civilizações do mundo.

Com a evolução da sociedade, os impostos também foram se adaptando, seguindo os formatos de governança do Egito, Império Romano, Grécia e Idade Média, chegando aos modelos de tributação que ainda temos hoje em dia.

Aterrissando em nossas terras, a história da origem dos impostos no Brasil, iniciou-se com o extrativismo do pau-brasil, sendo o primeiro produto a ser tributado. Nessa época, 1/5 de toda a extração do pau-brasil deveria ser entregue à Coroa Real Portuguesa.

No final do século XVII, a cana-de-açúcar, que era a principal economia do Brasil, estava em decadência. Sendo assim, os colonos tiveram que buscar uma nova alternativa para garantir o enriquecimento da metrópole. Foi então que, finalmente, encontraram as primeiras jazidas de pedras preciosas, na região das Minas Gerias. Inicia-se, dessa forma, o Ciclo do Ouro (ouro, prata e diamantes). A descoberta de ouro na região das Minas Gerais gerou uma corrida para extração desse metal.

A Coroa Portuguesa, na época, viu uma grande possibilidade de arrecadar tributos e lucrar muito com o trabalho da população, que convergia para a área, tratou então de lançar pesados tributos sobre a produção mineral. Foi lançado então a cobrança do "QUINTO". O chamado quinto, como o próprio nome já indica, correspondia à cobrança de 20% (1/5) sobre a quantidade de ouro, extraído anualmente. Afirma-se que o termo era dirigido aos cobradores de impostos, que ao exigir o quinto ouviam algo como "Vá buscar o quinto nos infernos!".

A partir do final do século XVIII, a exploração desmedida fez com que os metais das jazidas se esgotassem. Com isso, os proprietários não tinham como pagar o imposto referente a extração dos metais, chamado de quinto real.

Com o descompasso entre o imposto esperado e o que deveria ser verdadeiramente pago, Portugal lançou a “derrama”. A Derrama tinha como objetivo cobrar todos os impostos atrasados de uma só vez. Caso não fosse pago, ocorria o confisco de todos os bens dos devedores.

Pois bem, em 21 de abril de 2022 completarão 230 anos que Joaquim José da Silva Xavier, vulgo TIRADENTES, foi enforcado por ter cometido o crime de lutar pela independência e contra a cobrança injusta de impostos, pela Coroa Portuguesa.

O movimento, que foi denominado de Inconfidência Mineira, no entanto, nunca superou a fase conspiratória. Isso aconteceu porque Joaquim Silvério dos Reis denunciou o movimento em março de 1789. Ele manteve contato com os inconfidentes e participou das reuniões secretas. Joaquim Silvério denunciou a organização em troca do perdão de todas as dívidas que ele possuía. 

Tiradentes foi o único dos líderes da Inconfidência Mineira a ter sua condenação à morte concretizada. De acordo com os historiadores, apenas Tiradentes foi condenado a morte porque era o único envolvido que não pertencia à elite econômica e política de Minas Gerais. Além disso, durante os interrogatórios que foram realizados, ele foi o único que não negou o envolvimento com a Inconfidência Mineira e também foi quem não abriu mão às defesas dos ideais republicanos.

Um fato curioso, é que poucos sabem, que a imagem que vemos nos livros escolares de Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, é uma idealização de quem o retratou. Segundo o historiador e pesquisador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) de Minas Gerais, Olinto Rodrigues, as pinturas que retratam Tiradentes com barba e cabelos nos ombros foram inspiradas em Jesus Cristo.

Ele percorreu um longo período de anonimato, antes de ser reconhecido como o grande herói nacional. Por sua atuação na revolta provocada pelo excesso de impostos cobrados pela Coroa Portuguesa é também denominado Patrono dos Contribuintes.

Passados 230 anos, o Brasil continua sob enorme carga tributária e um emaranhado de burocracia, para se apurar os tributos e contribuições a serem recolhidos pelos contribuintes.

Em 2021, considerando dados oficiais, a carga tributária no Brasil correspondeu 33,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Lembramos que em 1950, correspondia a 14%. Simplificando, a carga tributária que nos aflige é 63% (Sessenta e três por cento) maior do que aquela exigida por Portugal na época do "QUINTO DOS INFERNOS". Interessante que Tiradentes, foi enforcado por se levantar contra muito menos injustiça do que somos vítimas hoje.

Não à toa, o estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) revelou que os brasileiros precisam trabalhar, para pagar impostos, mais de 5 meses todos os anos. 151 dias de trabalho são destinados aos cofres públicos. 

Ao todo, entre impostos federais, estaduais e municipais, taxas e contribuições, o Brasil possui uma lista de 92 tributos vigentes.

Nosso país, destaca-se mundialmente em dois pontos antagônicos: está entre os países de maior Carga Tributária e infelizmente, entre os que menos retorno concedem aos cidadãos. Suécia, Dinamarca, Finlândia, Alemanha e França, por exemplo, têm cargas tributárias superiores as do País do Futebol. Todavia, em um ranking levantado pelo mesmo IBPT, entre os 30 países com a maior carga tributária no mundo, o Brasil é o que proporciona o pior retorno dos valores arrecadados em prol do bem-estar da sociedade.

Estudo publicado pela ONU revela que os cidadãos da Alemanha, são os que melhor aceitam pagar taxas para financiar bens públicos, como saúde e educação. Os brasileiros, por outro lado, estão entre os menos satisfeitos em ter que pagar taxas, por não terem a contrapartida de serviços públicos de qualidade.

A cobrança de impostos é inegavelmente uma preocupação dos brasileiros. O que poucos sabem, é que, ao contrário do que o senso comum imagina, o Brasil está entre os países do mundo que mais taxam a população pobre do país.  Aqui, quem tem menos paga mais. Isso acontece porque a carga tributária brasileira está concentrada nos impostos indiretos, que consistem em taxas sobre o consumo inseridas nos preços de toda e qualquer mercadoria. Quando você olha para os países europeus, a maior parte dos tributos incide sobre a renda das pessoas que ganham mais e também sobre o patrimônio.

De acordo com dados da Receita Federal, grande parte da arrecadação de impostos, vem de bens e serviços, cerca de 44,8%. Folha de salários, com 27,34%, e renda com 21,62% fecham o top 3 de arrecadação de impostos no país.  No caso de bens e serviços se destaca a tributação indireta, que quer dizer que não leva em conta a renda para tributar produtos neste sentido. 

Isto é, o mesmo valor de determinado produto ou serviço será cobrado para o rico e o pobre. Considerando esse cenário, é possível afirmar que a base da pirâmide social, a classe média assalariada e os pobres, de uma forma geral, é que acabam pagando mais impostos. 

Além do sistema tributário brasileiro, onerar os mais pobres, também abre mão de cobrar impostos dos mais ricos desde 1996, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso isentou impostos sobre lucros e dividendos das pessoas físicas na declaração do imposto de renda. Isso significa que quando uma empresa transfere lucros e dividendos para seus acionistas, essa transferência de renda, geralmente de valores exorbitantes, não é tributada. O Brasil faz parte de um reduzido grupo de nações que não taxam essa renda paga a pessoas físicas. No grupo, figuram ainda países como Estônia e Letônia.

Enquanto isso, um trabalhador assalariado tem que preencher sua declaração de imposto de renda com todos os rendimentos na parte de tributáveis. Informa seu salário, retém na fonte, tudo certo. Agora, o empresário informa seus lucros na parte de isento.

Outra distorção, refere-se o imposto sobre grandes fortunas. Está previsto na Constituição desde 1988, mas até hoje não saiu do papel porque ainda não foi regulamentado pelo poder público.

Quando os pobres arcam proporcionalmente mais com os tributos, a própria Constituição Brasileira é violada. O artigo 145 estabelece que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar e respeitar os direitos individuais nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

A grande razão do imposto ser alto no Brasil, é que, a cada dia que passa, os gastos públicos estão mais altos no país. A consequência disso é um grande rombo nas contas públicas e para supri-lo o governo aumenta os impostos para elevar a arrecadação.

Além disso, como o dinheiro da arrecadação não é investido corretamente, a qualidade dos serviços básicos na área de saúde, educação, transporte e outros é extremamente baixa.

Hoje, 230 anos depois, não se paga mais um quinto, mas cerca de dois quintos, ou seja, aproximadamente 35% de impostos saem do bolso do brasileiro direto para o governo.

Entendemos que uma Reforma Tributária é absolutamente necessária. Ela precisa ser profunda, alterar a Constituição, pois ela amarra muito o sistema tributário. É necessária uma reforma tributária de verdade, que provocasse aplausos a Tiradentes (se vivesse em nossos tempos), que priorize uma tributação justa, num sistema tributário mais simples de operar e menos burocrático, contemplando melhoria na distribuição de renda. Mas sou cético. A chance acontecer isso é muito baixa, pois contraria interesses dos grupos políticos.

Fico pensando o que faria o Mártir da Inconfidência se vivesse nos tempos atuais. Naquela época, Tiradentes não tinha Constituição na qual se apoiar. Ele não dispunha de celular, Instagram, facebook, e-mails, etc. mas mesmo assim lutou com todas as armas que tinha, contra o jugo Português, impiedoso e déspota.  

Bem, apesar de toda essas mídias digitais, existentes atualmente, acredito que um Tiradentes não daria conta. Seriam necessários vários Tiradentes. Hoje os Tiradentes vão para a rua, a polícia reprime e nada muda. Acho que só alguém no poder poderia mudar algo de cima para baixo.

Acredito que o dia 21 de abril deveria ser usado pelo cidadão, enquanto contribuinte, para manifestar sua indignação contra essa situação de opressão fiscal sem precedentes, em nossa história.

Dentre os direitos humanos, a liberdade econômica também compreende a liberdade do indivíduo.

Assim sendo, inspirado nos ideais de Tiradentes, tenhamos coragem de lutarmos pela nossa liberdade econômica para que sejamos realmente livres: “Libertas quae sera tamem”.