04/04/2022

O Exemplo do Mar

No Brasil, convencionou-se dizer que o ano começa depois do Carnaval. Máxima que se tornou quase um ditado popular. Cultura enraizada no nosso país. Entendo que tem um pouco de lógica, pelas datas comemorativas, que temos a partir do Natal até a Quarta-feira de Cinzas.

Oficialmente o Carnaval termina na quarta-feira de cinzas, data que foi criada pela religião católica para celebrar o início da Quaresma, ou seja, os 40 dias que antecedem a Páscoa.

Como sabemos, a origem da Quarta-feira de Cinzas é puramente religiosa. A tradição católica, diz que, se deve fazer jejum e não comer carne. Isso já existe há muitos anos e tem como intuito fazer com que os fiéis se identifiquem com o sacrifício de Jesus, se privando de uma coisa de que gostam, neste caso, a carne.

A Quarta-feira de Cinzas representa o primeiro dia da Quaresma no calendário gregoriano. Neste dia, é celebrada a tradicional missa das cinzas, quando temos a imposição de cinzas cuja ideia é lembrar a todos que nós, humanos, somos finitos. A concepção da celebração, remete à mitologia egípcia, especificamente ao mito da Fênix, um pássaro que não morre, é queimado, mas ressurge das cinzas.

O tempo da Quaresma é um tempo de reflexão e de penitência. Tempo de conversão e da mudança de vida, para recordar a passageira fragilidade da vida humana, sujeita à morte.

A Quaresma é uma prática realizada por fiéis de tradição católica, assim como por devotos da Igreja Ortodoxa, anglicanos e luteranos.

Na última semana do período da Quaresma, temos a Semana Santa, que inicia no Domingo de Ramos. É um período religioso do Cristianismo e do Judaísmo que celebra a subida de Jesus Cristo ao Monte das Oliveiras. Temos a crucificação de Jesus, na sexta-feira da Semana Santa e a sua ressurreição, que ocorre no domingo de Páscoa.

As tradições envolvendo a Sexta-feira Santa, conhecida também como Sexta-feira da Paixão, eram bem mais arraigadas no passado. A Igreja Católica sempre aconselhou os fiéis a fazerem algum tipo de penitência, como jejum, abstinência de carne e exclusão de coisas que dê prazer a eles. Pessoas mais velhas, ainda seguem às tradições a risca. No entanto, muitos jovens não conhecem muito bem esses costumes.

A única carne permitida é a de peixe. O Peixe é uma das representações que simbolizam a vida e a fé das pessoas em Jesus Cristo.

Na Sexta-feira da Paixão, também não se deve ouvir música alta e nem dançar. Mas, você pode ouvir músicas religiosas para refletir sobre esse dia.  Nada de consumo de bebidas alcoólicas. Não convém nem mesmo vinho. As pessoas devem evitar brigar e falar palavrões.

Na atualidade, a Igreja mostra mais flexibilidade e tolerância quanto a ações dos fiéis na data. Antigamente, os familiares evitavam fazer qualquer tipo de limpeza no lar. A mãe cobria as imagens de santos, quadros e fotografias com panos roxos, para simbolizar o luto, pela morte de Jesus. 

Um lamentável costume antigo, que ainda pode ser localizado em algumas cidades brasileiras, com maior força na região Nordeste, é o ato de roubar galinhas durante a Semana Santa.

Na madrugada da Sexta-Feira Santa para o Sábado de Aleluia, jovens e adultos saíam pelas ruas da vizinhança em que moravam em busca de casas em que eram criadas galinhas para assim poder roubá-las.

Uma das explicações para essa prática, se deve a crença de que como Jesus estava morto (ressuscitaria no Domingo de Páscoa), este não poderia ver os pecados dos ladrões de galinhas, que praticavam seus “crimes” sem “culpa”.

O fato, é que é uma prática cultural controversa. O crime muitas vezes levado em tom de brincadeira pode parar na Justiça, resultando em condenação.

Pelo fato, de ter nascido no seio de uma família católica, minha formação religiosa foi toda dentro da doutrina do catolicismo. Quando chegamos a uma certa idade, as influências externas ou outros fatores, podem fazer as pessoas seguirem outra religião, diferente da qual fomos catequizados, mas no meu caso posso afirmar que isso não ocorreu, pelo contrário, consegui fortalecer ainda mais minha convicção religiosa, a católica.

Não tenho dúvidas que essa catequese religiosa que tive, influenciou significativamente na formação do meu caráter. Assim sendo, dentro dessa influência religiosa, desde criança, aprendi que devemos vivenciar a Semana Santa. Por isso, é bom lembrar que a Semana Santa, assim como outros momentos de Festa da Igreja, não é nenhum tipo de feriado, onde podemos simplesmente viajar para descansar ou realizar passeios turísticos, pelo contrário é momento de viver intensamente a celebração, meditando o sofrimento de Cristo por amor à humanidade.

Vivemos numa época de mudanças. Os costumes de duas ou três décadas atrás apresentam tendência a se diluírem. A sociedade era marcada pelo cristianismo e pelo catolicismo, hoje não é mais assim. Conforme pesquisa da Data Folha, realizada no Brasil em 2020, a população brasileira católica atingiu 50%. Ressaltamos que no censo demográfico de 1940, totalizava 95%.

Ao contrário, do que ocorre entre os católicos, a Igreja Evangélica não altera sua programação devido ao período de Páscoa, nem estabelece um cronograma específico para a Semana Santa.

Dessa forma, a Semana Santa não é tão enfatizada, sendo lembrada nas celebrações como os dias que antecedem o sacrifício de Jesus na cruz. Já o domingo de Páscoa, costuma ser o dia mais importante na tradição reformada, uma vez que simboliza a redenção da humanidade. Portanto, os evangélicos enxergam esse período como um momento para refletir e levar a palavra de Cristo para mais pessoas.

Para os membros da Igreja Evangélica, não é proibido comer nada. Segundo os pastores, o que prejudica o homem não é o que entra pela boca, mas sim, o que sai dela. No entanto, os evangélicos não condenam os membros que só comem peixe, nos Dias Santos.

Para a Doutrina Espírita, não existe a chamada Semana Santa, nem tão pouco à Sexta-feira Santa. A Sexta-feira Santa, para o espiritismo é um feriado nacional e uma prática católica.

Os espíritas, veem Jesus como um mestre por excelência, um educador, que ensina como agir rumo ao sumo bem. Não seria o derramamento do sangue do Cristo que teria significado, mas toda sua trajetória.

Na Doutrina Espírita, não há restrição à carne vermelha, na Sexta-feira Santa ou em qualquer outra data. Eles consideram essa restrição uma prática de outra religião que eles respeitam, mas não adotam.

Para o Espiritismo, a Páscoa significa libertação. “A passagem representa a libertação, desde que sigamos os ensinamentos. Comemoramos a festa da Páscoa, com muito empenho e alegria, porque Jesus vivenciou a morte e nos mostrou que somos espíritos mortais”.

Os rituais da Umbanda também acompanham a Quaresma. Na Quarta-feira de cinzas, por exemplo, os Orixás da casa são vestidos e cada filho de santo lhes oferece a sua comida preferida. Os atabaques são lavados e guardados, e só são acordados no Sábado de Aleluia.

Para a Umbanda, a Semana Santa representa a criação do mundo, por isso, durante esse período, os Umbandistas se vestem de branco, principalmente na Sexta-feira Santa. Além da roupa branca, eles se alimentam somente com comidas dessa cor, como a canjica, arroz doce e pães. Esse é o dia em que os Orixás descem do Orún (mundo espiritual), para conhecer a grande criação de Olorum (Grande Criador, Divino, Deus criador de tudo).

Os seguidores da religião judaica, não celebram a Semana Santa como os católicos, comemoram apenas a Páscoa judaica (do hebraico Pessach = passagem). A Páscoa significa para a comunidade judaica, a libertação do povo judeu do cativeiro do Egito. É comemorado no mundo inteiro. Oferecem um jantar especial na Páscoa Judaica. Um cerimonial, ritual diferente com alimentos como manda a tradição judaica.

Importante ressaltar a missa realizada no Sábado de Aleluia, o primeiro dia depois da crucificação e morte de Jesus Cristo e o dia anterior ao Domingo de Páscoa. A missa de Lava-Pés, celebra humildade com fiéis, relembrando o gesto de Jesus. Ao lavar os pés dos seus discípulos, Jesus tinha como objetivo deixar mais um exemplo de amor ao próximo e de humildade.

A humildade é um sentimento de extrema importância, porque faz a pessoa reconhecer suas próprias limitações, com modéstia e ausência de orgulho. Humildade é ter um conceito equilibrado de si mesmo, sem buscar honra para si. A justiça não se pode praticar sem humildade, porque o orgulho exagera os seus direitos em detrimento dos do próximo.

A pessoa humilde sabe que todos os seus talentos e sucessos vêm de Deus. O humilde trabalha e se esforça, mas nunca se esquece que foi Deus quem lhe deu a vida e todas as coisas melhores que tem. A pessoa humilde não faz as coisas para ganhar tratamento especial nem para parecer melhor que outras pessoas. Faz o que é certo, porque é certo, não porque vai parecer “santo”. A pessoa humilde, reconhece que não é perfeita nem faz tudo certo. Não fica cheia de orgulho por se achar melhor que os outros.

Madre Teresa nos ensinou que “a humildade consiste em calar as nossas virtudes e deixar que os outros as descubram”, e assim, sendo tolerante com as diferenças, respeitando os nossos limites, podemos então trilhar o caminho do crescimento.

O escritor e blogueiro brasileiro Paulo Roberto Gaefke (1961, no livro “Quando é preciso Viver” página 29), escreveu: “Você sabe por que o mar é tão grande? Tão imenso? Tão poderoso? É porque teve a humildade de colocar-se alguns centímetros abaixo de todos os rios. Sabendo receber, tornou-se grande. Se quisesse ser o primeiro, centímetros acima de todos os rios, não seria mar, mas sim uma ilha. Toda sua água iria para os outros e estaria isolado”.

Antes de concluir, quero lembrar a origem da palavra humildade. Humildade tem origem no Latim humus, “terra fértil”, derivado por sua vez do Indo-Europeu ghyom-, “terra”. 

Assim, precisamos nos questionar, não só no período da Quaresma, mas em todos momentos de nossa vida, se temos vivido uma vida produtiva, uma vida fértil em fazer o bem, em aprender, evoluir e partilhar, ou se estamos pelo contrário, vivendo de forma improdutiva, de forma a não fertilizarmos nada de positivo no convívio com os outros. Essa é uma reflexão, que carrego comigo sempre e creio que seja esse o significado que devemos reconhecer e buscar, incorporar em nosso dia a dia, alguém humilde, é alguém que é capaz de produzir bons frutos, de fertilizar o bem e fazer a diferença nesse mundo.

Independente de religião, a Quaresma é um período em que todos são convidados a refletir, a repensar na vida, no modo de encarar o cotidiano, de como pode ser melhor dentro de casa, com o próximo no trabalho e na comunidade.

E que a Páscoa seja um período para agradecermos a Jesus, pelo sacrifício e também para pensar em todos os nossos atos e renovar os votos perante Deus, para sermos cada vez melhores e dignos desse ato tão nobre para nos libertar e nos dar a vida.

Viva uma Semana Santa de paz, de tranquilidade e de novos tempos. Seja gentil, reflita, respire. A mudança em sua vida, para melhor, deve começar por você mesmo! Sempre!

23 respostas para “O Exemplo do Mar”

  1. Claudio disse:

    Mensagem brilhante.
    Parabéns e que Deus nos proteja, abençoe e ilumine sempre

  2. José vamilsom pinto disse:

    Muito esclarecedor,e muito bom para refletir, obrigado amigo

  3. Ivonilde Melo de Lima disse:

    Um texto muito esclarecedor e profundo sobre a semana santa. Procuro nesse período fazer uma reflexão bem aprofundada sobre o momento e sobre a minha vida espiritual.
    Confesso que me encanto quando vejo uma pessoa humilde. Para mim esse é o maior dom que Deus pode nos dar. Procurei passar isso com muita veemência na educação dos meus filhos, pois foi o que meus pais me ensinaram e que carrego comigo até o fim dos meus dias.
    Parabens meu sobrinho pelo belo texto falando de todas as religiões e ritos. Que Deus o abençoe.

  4. Leickton disse:

    Adorei fazer a leitura deste texo. Pois, coincide com a linha dos meus pensamentos a respeito do tema exposto. Parabéns!

  5. Fernando Cassimiro disse:

    Gratidão a Jesus pelo seu sacrifício em favor da nossa libertação para a vida!

  6. Ney Argolo disse:

    Muito bom Viana!!!

  7. Marcilio Coutinho de Luna Freire Neto disse:

    Mais uma vez lhe parabenizo por escrever com propriedade, simplicidade e leveza, que Deus esteja sempre presente em sua vida e familia…abraço forte amigo!!!

  8. Antônio Mariano Sobrinho disse:

    Parabéns,mais uma vez, meu querido Irmão,pelos textos tão bem elaborados e explicativos!
    Aprendo muito com você…
    Obrigado!

  9. João Wilson de Luna Freire disse:

    Boa tarde Zé!
    Em um dos meus comentários, falei que você estava me surpreendendo com os textos explicativos de uma simplicidade que lhe é peculiar.
    Cujos textos são de uma leveza que nos deliciamos com as leituras.
    Você conseguiu descobrir o caminho das pedras, e está no rumo certo.
    Parabéns!
    Saudações Tricolores!!!
    🇧🇬🇧🇬🇧🇬🇧🇬🇧🇬🇧🇬🇧🇬🇧🇬🇧🇬🇧🇬🇧🇬

  10. George Adriano Bezerra de Moura disse:

    Texto “ Magnífico “ amigo Viana!!!
    Elucidou algumas situações.
    Parabéns!

  11. WASHINGTON disse:

    Parabéns Viana . Um excelente texto esclarecedor .

  12. Nadja dias f.pinto disse:

    Texto muito esclarecedor. Feliz Páscoa!!

  13. Azinete Izaias de Oliveira disse:

    Parabéns pelo texto, muito importante para mim.

  14. Fernanda disse:

    Muitas novidades pra mim nesse texto. Interessante 👏🏻👏🏻👏🏻

  15. Vera Lucia Araújo de Oliveira disse:

    Hoje,lendo seu texto,vivenciei mais uma vez as celebrações da semana Santa. Parabéns muito bem escrito.

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