12/10/2021

Quando vamos revogar a “Lei de Gérson”?

Fonte: Acarlosoliveira

O Filósofo Sócrates (470-399 a.C) foi condenado a beber veneno por acusação de corromper a juventude, não honrar os deuses da cidade e violar as leis. Ele dizia: “Sabemos que os poderosos têm medo do pensamento, pois o poder é mais forte se ninguém pensar, se todo mundo aceitar as coisas como elas são, ou melhor, como nos dizem e nos fazem acreditar que elas são”.

A maior investigação criminal sobre corrupção no Brasil (Lava Jato), derrubou, dentre tantos outros, um dos mitos mais aceitos pelo ingênuo senso comum: o de que os responsáveis pela corrupção são apenas os funcionários e agentes do demoníaco Estado, destacando-se os políticos. Os números e as provas, demonstram que muitas fortunas (boa parcela delas) foram construídas por força da compra de favores e privilégios junto ao poder público. A corrupção jamais se tornaria sistemática nas proporções a que chegou sem a participação efetiva, a conivência e o estímulo dos agentes do mercado (econômico e financeiro). É praticamente impossível medir a proporção de efetividade de cada parte (Estado e mercado) na medonha corrupção brasileira.

A corrupção no Brasil tem se transformado numa espécie de luta dos bons contra os maus. Corrupto é sempre o outro. Temos que lembrar que é um ato corrupto quando alguém desafia a honestidade e ganha vantagem em cima de outra pessoa. Parar em fila dupla é corrupção também. “Quem é que garante que quando você para em uma fila de mão dupla não vai prejudicar alguém que está em estado grave numa ambulância?”. É honesto o cidadão pegar atestados médicos sem estar doente ou saquearcargas de veículos acidentados nas estradas?

As práticas designadas como corruptas e corruptoras não são idênticas, elas sofrem uma variação significativa no tempo e espaço, isto é, o fenômeno possui uma dimensão legal, histórica e cultural. No Brasil, em razão do nosso passado colonial, isso ficou bem evidente.

Segundo os historiadores, a corrupção chegou ao Brasil com as caravelas portuguesas. Para estimular um fidalgo português a deixar o conforto da Corte e se aventurar no território selvagem recém-descoberto, a coroa então era permissiva, deixava que trabalhassem aqui sem vigilância, para não abrir mão do Brasil. A concessão de cargos foi o mecanismo usado por Portugal para garantir seu domínio e explorar as riquezas da nossa colônia. Esses cargos trariam não somente prestígio social, mas, principalmente, vantagens financeiras.

Ressaltamos ainda o estimulo da coroa portuguesa para pessoas irem para o interior, dizia: “vão para o interior e podem mandar à vontade por lá”. Esses locais só eram acessíveis após meses de caminhada, o que exigia ainda mais “incentivos” para os “fidalgos-desbravadores”.

A escravidão também contribuiu para o desenvolvimento da corrupção no país. Isso porque era a única relação de trabalho existente, deixando o trabalho livre sem qualquer tipo de norma para regê-lo. A corrupção encontrou, desta maneira, em solo brasileiro, condições propícias para sobreviver e se difundir na cultura de novo país durante a sua formação. Propinas a governantes e funcionários reais era uma prática tolerada e até regulamentada por lei.

D. João VI, nos oito primeiros anos em terras brasileiras, distribuiu mais títulos de nobreza do que em 700 anos de monarquia portuguesa. O historiador Pedro Calmon uma vez disse que, para ganhar título de nobreza em Portugal, eram necessários 500 anos, mas, no Brasil, bastava 500 conto. O Banco do Brasil foi fundado e refundado várias vezes. A primeira delas foi em 1808, por Dom João VI. Ao voltar para Portugal, em 1821, Dom João VI pegou todo o dinheiro depositado no banco.

Os populares santos de pau oco são mais representativos da contradição entre a fé e cobiça do que da prática do contrabando de ouro e diamante. Fonte: Revistadehistória

O famoso “jeitinho brasileiro” já era notado nessa época. Basta lembrar da famosa expressão “Santo do pau oco”. Pedras preciosas e ouro eram contrabandeados para a Europa, dentro de imagens de santos católicos para escaparem dos altos tributos. Nem a padroeira do Brasil escapou da corrupção. Entre a colônia e o Império, a devoção a Nossa Senhora Aparecida foi explorada e doações foram surrupiadas. Durante o Império, padres foram afastados pela Coroa e civis foram nomeados para comandar a diocese e usufruir do poder político.,

No primeiro Reinado, a Marquesa de Santos, amante de Dom Pedro I, cobrava dinheiro para fazer indicações a cargos públicos. O imperador, segundo jornais da época, era suspeito de estar envolvido. O jornalista Borges da Fonseca chamava D. Pedro I, ironicamente, de ‘Caríssimo`, não por considera-lo um ‘Prezado` monarca, mas em referência às enormes verbas que a Casa Imperial consumia dos cofres público”.

 “Quem furta pouco é ladrão, quem furta muito é barão e quem furta e esconde passa de barão a visconde” (adágio do século 19). Uma indicação da permanente suspeita de corrupção no Império.

Durante o reinado de D. Pedro II, Ângelo Agostini, um importante cartunista da época, desenhou ratazanas gordas usurpando do Tesouro Nacional. A casa Imperial também possuía grandes verbas, como o chamado “Bolsinho do Imperador”, de caráter pessoal, do qual o monarca era dispensado de prestar contas. Cartão Corporativo da época.



A charge acima, publicada na revista Ilustrada, mostra os ratos que comiam o Tesouro Nacional (Segundo Reinado). Um detalhe curioso para os paranaenses: dois ratos levantam suspeitas sobre a construção da Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá e da obra do ramal ferroviário para Antonina (Fonte: Gazeta do Povo)

Com a proclamação da república (1889), cenário de corrupção pouco mudou. Fontes históricas sugerem, por exemplo, a continuidade da prática de pagamentos de propina, como no caso de concessões para construção de ferrovias durante a Primeira República.

Fonte: HH Magazine

Na República Velha não tínhamos sequer eleições para valer. O que tínhamos era o regime “café com leite”, o regime dos governadores, onde os governadores se reuniam e decidiam: “Essa é a vez daquele, aquela é a vez do outro”. Destacamos ainda o “voto de cabresto”, em que os coronéis locais determinavam em quem os eleitores tinham de votar. No dia da eleição o votante ganhava um pé do sapato e somente após a apuração das urnas o coronel entregava o outro pé. Caso o candidato não ganhasse o eleitor ficaria sem o produto completo.

A expressão “mar de lama” foi popularizada na segunda gestão do governo Getúlio Vargas. O Inquérito do Branco Brasil, Cexim (antigo CACEX) e Jornal Última Hora, foram três casos de corrupção envolvendo órgãos e agentes do governo, que contribuíram por fixar certa concepção social do que seja corrupção na sociedade brasileira nos anos 50.

O Regime Militar (1964) se firmou sob o pretexto de lutar contra a subversão e a corrupção porém não estava imune à corrupção. Embora não haja nenhuma denúncia de corrupção envolvendo diretamente os generais-presidentes, muitos outros militares e civis foram alvo de denúncias durante o regime. Mais de 1.100 processos foram instaurados pela Comissão Geral de investigações, ligado ao Ministério da Justiça, mas desse montante apenas 99 casos chegaram ao fim, com o confisco de bens aos envolvidos. Como a imprensa era censurada, muitos escândalos nem sequer chegavam aos jornais.



Fonte: Brasilefragilrepublica

Em 1974, o “Pasquim”, deu uma “cutucada” e publicou uma foto da ponte Rio-Niterói, com uma legenda mais ou menos assim: “Ilusão de ótica: onde vocês veem uma ponte, são onze pontes”.

Segundo a pesquisadora Heloísa Starling, o Presidente Castello Branco descobriu depressa que esconjurar a corrupção era fá­cil; prender corrupto era outra con­versa: “O problema mais grave do Brasil não é a subversão. É a corrup­ção, muito mais difícil de caracteri­zar, punir e erradicar”.

A redemocratização não impediu que o país continuasse a ser palco de grandes escândalos de corrupção. Afloraram principalmente por três fatores: maior liberdade de imprensa (sem censuras dos governos), atuação mais energética do Ministério Público e Promotores de Justiça e maior participação da população na política. O ex-presidente Fernando Collor sofreu impeachment em 1992 por denúncias de que tinha suas despesas pagas por meio de um esquema de corrupção. Anos depois, a emenda constitucional que garantiu a reeleição de Fernando Henrique Cardoso foi alvo de outra grande suspeita: os votos favoráveis no Congresso teriam sido comprados. Em 2005, o governo Lula foi palco do escândalo do mensalão. Pouco depois veio a Lava Jato, que criou a pressão popular para o impeachment de Dilma Rousseff. Ressaltamos ainda os escândalos corrupção do ex-governador Sérgio Cabral (RJ), do ex-presidente da Câmara Deputado Eduardo Cunha e outros políticos.

Pelo exposto, evidenciamos que as práticas que vemos hoje na política brasileira já remontam ao século XVI. O sistema político brasileiro (com raríssimas exceções) sempre foi um balcão de negócios e predominantemente um escritório de gerenciamento dos interesses das classes dominantes. Não devemos esperar que a corrupção seja suprimida da noite para o dia. A atitude de conformismo, passividade e alienação do cidadão alimenta a proliferação de maus políticos. Precisamos urgentemente, mudar nossos valores e atitudes. Vamos revogar a “Lei de Gérson”. Chega de levar vantagem em tudo!

Em meados dos anos 70, em pleno regime militar e o Brasil tricampeão mundial de futebol, um infame comercial de cigarro (Vila Rica) teve como garoto propaganda o nosso Gérson, o Canhotinha de Ouro, que protagonizou uma campanha publicitária e sem querer descreveu em uma frase o brasileiro e sua essência, Gérson finalizava o comercial dizendo: “gosto de levar vantagem em tudo”.

6 respostas para “Quando vamos revogar a “Lei de Gérson”?”

  1. Pádua Saldanha disse:

    Parabéns, Viana, pela iniciativa do blog. Você é um cidadão exemplar e tem muito a contribuir para bem da sociedade. Sucesso…

  2. Nelio Wanderley da Silva disse:

    Parabéns Grande Viana. Excelente Blog, já coloquei nos favoritos para acompanhar suas publicações.

  3. FRANKILEIDE disse:

    Parabéns Viana, revivi e aprendi momentos históricos na sua publicação, me ajudou a identificar de forma mais clara os desvios do nosso país. Tbm estará nos meus favoritos..e vou compartilhar o blog 👏👏👏👏

  4. Fernando Cassimiro disse:

    Uma aula de história e filosofia!
    Parabéns Viana.

  5. Fernando Gurgel disse:

    Excelente artigo, caro amigo! Siga em frente e continuarei seguindo o blog.

  6. Guilherme disse:

    Valeu amigo Viana, precisamos de mais 500 anos para acabar com a corrupção no Brasil.

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