24/11/2023

Boneca de trapo, pedaço da vida

Entre todos os esportes existentes, ou até lobbys, o único que nunca tive interesse de praticar foi a pescaria. Talvez pela minha pouca paciência. Não sei nem se tenho alguma. Todavia, usando a fama dos pescadores, sempre gostei de contar histórias, principalmente fatos ocorridos em minha vida.

Interessante que os fatos que mais vêm na minha lembrança, estão relacionados principalmente aos da minha infância. Lembro, por exemplo, de quando morava em Solânea na Paraíba na década de 60, quando em determinado tempo, constantemente diversas moças iam procurar meu pai (na época era Juiz de Direito desta cidade) em nossa residência. Bem, na época não sabia que aquelas “moças” trabalhavam no Baixo Meretrício de Solânea. Fiquei sabendo anos depois. Essa visita era para reclamar a decisão que tinha sido tomada por meu pai, em conjunto com o prefeito de Solânea, de relocar a rua das "Boates" que ficava praticamente paralela à rua principal daquela cidade. Essa era uma reinvindicação dos Solanenses. Claro, nem todos. Pois bem, assim ocorreu. O prefeito abriu uma nova rua que permitia as “meninas” trabalharem em local mais afastado do centro da cidade. 

Deixando minhas histórias de lado, mas continuando com o tema em questão, as famosas “zonas do baixo meretrício” atravessam o tempo se debatendo entre a má fama, o preconceito, e às muitas histórias ao redor delas. Apesar dos cabarés serem muito associados ao sexo, muita gente ia a eles apenas para beber, se divertir e conversar. Eram pontos de encontro para várias coisas. Citando um exemplo, temos o famoso cabaré de Maria Boa que ficava situado no Baldo, Rua Padre Pinto, 480, na cidade Natal-RN. Segundo conta os historiadores, quando os soldados americanos desembarcaram em Natal, durante a Segunda Guerra Mundial em 1942, a cidade possuía 55 mil habitantes e um único lugar onde atravessar a noite longe de casa: o cabaré de Maria Boa. Nascida em Remígio, na Paraíba, em 1920, chegou em Natal após ser expulsa de casa pelos pais.  A prostituição foi o modo como Maria Boa, passou a sobreviver. Tempos depois, Maria decidiu montar o próprio estabelecimento. Não seria um bordel, na concepção da palavra, mas um lugar para apreciar música e apresentações teatrais com as melhores bebidas, cigarros e jantares. “Os americanos eram loucos pelo cabaré de Maria Boa, pelas ‘meninas’ de Maria Boa. Eles ofereciam médicos para cuidarem delas, muitos se apaixonaram e queriam casar com as prostitutas”, disse o escritor Diógenes da Cunha Lima. Governadores, políticos e empresários sofreram a mesma atração dos americanos.

Algumas obras sobre as damas da noite, cita diversas curiosidades, como as que o presidente João Goulart, que esteve em Maria Boa em 1963.

A homenagem a Maria aconteceu na década de 50, após o fim da guerra, quando o avião já havia deixado de ser de guerra e se tornou de carga, por soldados brasileiros que atuavam na base aérea de Natal e o nome de Maria Boa escrito na lataria.

Infelizmente, a prostituição, popularmente conhecida como a profissão mais antiga do mundo, no decorrer da história até os dias atuais, encontra-se a margem da sociedade e ainda é um tabu grande a ser debatido e discutido na nossa sociedade. Sendo um dos mais antigos fenômenos sociais, pode ser vista por meio de diferentes registros históricos, marcada com traços peculiares de diferentes épocas e culturas. Se, para grupos feministas, ela é considerada uma espécie de escravização, para outros, como as prostitutas que debatem feminismo e prostituição, ela é considerada uma opção de trabalho.

As prostitutas se encontram em todas às sociedades e em todos os países, independentemente da situação financeira em que estão inseridas.

Alguns autores defendem a existência de prostitutas no Período Primitivo, denominadas de prostituição sagrada. A prostituição sagrada foi, na verdade, a tradição do ritual sexual que persistiu desde a Idade da Pedra para se tornar parte integral da adoração religiosa nas primeiras civilizações do mundo.

Na Antiguidade, a maioria das mulheres que exerciam a prostituição não sofriam repressões e isso preocupava os homens interessados em derrubar o poder que elas possuíam. Para reverter esta situação, foi criado um código moralista de repressão ao sexo, colocando-o como algo negativo. O primeiro registro da separação de prostitutas das esposas data de 2000 a.C., na antiga Suméria.

Deste modo, os homens deveriam prover a prostituta que lhe tivesse dado filhos. No entanto, ela nunca poderia frequentar a casa onde vivia a esposa, enquanto ela fosse viva.

A Idade Média, foi um período marcado pelo domínio do cristianismo, representado pela Igreja Católica na Europa Ocidental. O cristianismo, adotou o vínculo obrigatório da relação sexual com o casamento, tornando a fidelidade conjugal um dever incondicional. A principal autoridade da Igreja inicial sobre a sexualidade e o casamento, foi Santo Agostinho, que também foi impetuosamente contra ao prazer sexual: “Não conheço nada que rebaixe mais a mente dos homens do que as carícias de uma mulher e aquela união de corpos sem a qual não se pode ter uma esposa”. A Igreja Católica criou condutas rígidas para as mulheres, buscando garantir a manutenção das virtudes femininas, como a virgindade. A prostituição era tolerada, com certas ressalvas, como o objetivo de evitar casos de estupro.

Tomás de Aquino escreveu que a "prostituição nas cidades é o mesmo que os banheiros dos palácios. Tire-os e os palácios serão destruídos pelo fedor e pela putrefação".

A Idade Moderna foi um período marcado por acontecimentos significativos como a Expansão Marítima, o Renascimento e a Reforma. A Itália se torna o palco do florescimento da prostituição, que pode ser atribuído ao fato deste país ter sido o berço do renascimento do Classicismo e da Razão. A prostituição em Veneza, era passada de mãe para filha, quando às jovens eram consideradas prontas para exercer a profissão, as mães,  as levavam para desfilarem nas feiras e nos mercados. Nos séculos 16 e 17, as cortesãs dominaram a cena da prostituição na Europa ocidental. Elas não eram mulheres públicas e não estavam disponíveis a todos.

No fim do século 19, com o surgimento das cidades e a entrada da mulher na vida social urbana, médicos e higienistas passaram a pressionar o Estado para que interferisse e delimitasse as zonas de atuação das prostitutas nas cidades.

No Brasil, a prostituição já existia na época colonial e foi por muito tempo vista como um "mal necessário" para preservar as "mulheres de família". As escravas negras muitas vezes vendiam o corpo em troca de alforria. A chegada da família real portuguesa, em 1808, trouxe também as cortesãs (amantes que se associavam aos ricos e poderosos nobres que as proviam de luxo e bem-estar, assim como status junto à corte, em troca de sua companhia e seus favores).

Na Idade Média, as mulheres entravam para a prostituição por razões basicamente iguais às que as levam a fazê-lo em qualquer época: pobreza, inclinação natural, perda de status, um passado familiar perturbado, violento ou incestuoso. Podemos complementar: uma situação econômica precária, difícil colocação no mercado de trabalho por baixos rendimentos, e muitas vezes, pela condição de arrimo e chefe de família.

Muitas mulheres entram para a prostituição muito cedo, às vezes ainda criança. Essa prática pode ser incentivada pela própria família que busca recursos financeiros para sobreviver e por isso, explora a criança e a coloca em uma situação de violência.

Em geral, as prostitutas são vistas como mulheres vítimas de uma situação econômica em desequilíbrio ou submetidas à prostituição forçada, como no caso do tráfico internacional de seres humanos com fins de exploração sexual.

Existe um número muito grande de prostitutas que se tornam vítimas de problemas secundários advindos da prostituição, como maior predisposição ao uso e tráfico de drogas, doenças sexualmente transmissíveis, estupros, homicídios, suicídios, depressões, entre outros,

Hoje, a profissão incorporou as características do século, com mulheres sendo contratadas por redes sociais, oferecendo serviços eróticos por telefone ou fazendo strip-tease pela internet.

Uma prática que está se tornando cada vez mais comum entre garotas é adentrar ao mundo das agências de modelos. Muitas destas, com o disfarce de agenciadoras de meninas para desfiles e campanhas publicitárias, lançam mão do book rosa, onde modelos que prestam serviços sexuais são agenciadas por um novo modelo de cafetão e que também não pode ser caracterizado como exploração sexual, devido a toda estrutura montada em forma de agência de modelo. Algumas são convidadas para participar de festas, convenções na companhia de executivos, empresários e turistas, locais em que se exige uma postura que em nenhum momento as identifique como prostitutas. Vestem-se bem e conhecem os principais lugares da moda. O interessante é que estas mulheres não se consideram prostitutas, mesmo comercializando o sexo.

Além da degradação espiritual e moral que provoca, tanto individualmente, quanto socialmente, a prostituição é um dos maiores sistemas usurpadores de vida.

Todavia, no mundo atual, uma preocupação ainda maior bate a nossa porta, a prática afetivo-sexuais dos jovens. Alguns jovens, experimentam práticas afetivo-sexuais diferentes ao mesmo tempo, por exemplo, namorar e “ficar”, outras vezes, sequencialmente, alternando fases tais como a de “namoro sério” e a de “curtir”. No “ficar”, na maior parte das vezes, o jovem se sente mais livre para fazer o que bem quiser, e buscar prazeres mais imediatos.

No Brasil, a vida sexual dos jovens está sendo iniciada cada vez mais cedo, é o que diz uma pesquisa realizada pelo ministério da Saúde. Às vezes, as garotas fazem somente para provar ao namorado que o ama, e inicia rápido demais a vida sexual e acaba não respeitando o seu tempo. Isto demonstra que os jovens vivem um momento muito difícil na nossa sociedade no que se refere à sexualidade. A adolescência ganhou evidência pelos problemas sociais associados a esta fase da vida.

Banalização do sexo é entrave na vida dos jovens. As tecnologias, os meios de comunicação de massa (internet, jornais, tevê, cinema) são para os jovens fontes fartas de informação sobre o assunto, mas ainda falta sensibilidade para aplicar o conhecimento em suas vidas.

Como sexo é algo desconhecido no universo do adolescente, este tende a iniciar cada vez mais precocemente a prática de relações sexuais, muitas vezes até mesmo por pressão do grupo social no qual se encontra engajado.

Acreditando que a filha adolescente não pratique relação sexual, os pais evitam discutir sobre sexo e ficam a espera de "algum sinal" que indique que a jovem descobriu a sexualidade. Entretanto, esse sinal pode surgir como produto de uma prática sexual desprovida de orientações ou baseada em informações inadequadas.

É necessário compreender a importância que se tem de discutir sobre a questão da pornografia, prostituição e exploração sexual, seu desenvolvimento e embasamento histórico na sociedade e a forte relação existente para com a violência contra a mulher.

O tempo presente é de regressão civilizatória com visível banalização da vida humana. Antes a gente via às mulheres prostitutas nas rua, e hoje existem jovens com atitudes iguais ou piores que elas, a coisa mudou muito.

Não se pode deixar de mencionar que foi Maria Madalena (considerada erroneamente como prostituta por muitas pessoas ao longo da história) da Galileia, que desempenhou um dos papéis mais importantes da história de Jesus Cristo, sendo dado a ela o crédito de ter descoberto a tumba vazia do mestre e de testemunhar a sua ressurreição. No entanto, o mais incrível – infelizmente – foi Maria Madalena ter proporcionado aos cristãos o protótipo de um de seus modelos preferidos: a Prostituta Arrependida. “Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra” (João 8;7).

A história da prostituição perdeu-se na poeira do tempo, porque é tão antiga quanto a história da humanidade, onde nenhuma civilização escapou à sua convivência e nenhum berço foi respeitado.

Concluímos, lembrando da música “Meu Vício é Você” de Adelino Moreira: "Boneca de trapo, pedaço da vida.  Que vive perdida no mundo a rolar. Farrapo de gente que inconsciente. Peca só por prazer, vive para pecar".

27/10/2023

QUE A PAZ REINE NO MUNDO

Anualmente, milhões de turistas de todos os cantos do mundo visitam a “Terra Santa”.  Região do Oriente Médio formada por três países: Israel, Jordânia e Palestina. Ela também é considerada solo sagrado, para as três grandes religiões monoteístas da atualidade: Cristianismo, Judaísmo e Islamismo. As três compartilham suas origens a partir da história de Abraão, o patriarca bíblico. Para os cristãos, a Terra Santa, ou Galileia, é o local do nascimento, pregação, crucificação e ressurreição de Jesus Cristo. Para os judeus ela é a Terra Prometida, onde estão suas cidades mais sagradas. Para os muçulmanos, o local também tem muito significado e é citada diversas vezes no Corão.

Muitos ainda acham que a Terra Santa, é um destino apreciado somente por peregrinos, mas quem já teve a oportunidade de ter pisado onde o Senhor Jesus pisou, se entregou e ressuscitou, descobriu o que essa incrível jornada espiritual, histórica, cultural e gastronômica pode nos oferecer.

Infelizmente nem tudo são flores. Uma região considerada “Santa ou Prometida”, gerações e gerações sofrem com conflitos entre os israelenses e os palestinos que já destruiu muitas vidas e já pendura mais de 70 anos.

A região é complexa, principalmente, em termos políticos, haja vista que essa área se caracteriza por inúmeros conflitos há décadas. Não é à toa que se diz ser a região um “barril de pólvora”.

Para entender plenamente a natureza desse conflito, se faz necessário caminhar pelos eventos históricos e os fatores que moldaram, ao longo do tempo, os povos israelenses e palestinos a entrarem em conflito até os dias atuais.

O surgimento dos povos israelenses e palestinos,   está ligado à história de Abraão, que recebeu de Deus, segundo os textos religiosos, a missão de migrar para a “terra prometida”, em Canaã, antiga terra dos cananeus, depois chamada de Palestina, onde hoje se localiza o Estado de Israel. A promessa de Deus a Abraão deu origem à crença de que a terra da Palestina era a herança legítima do povo judeu, uma crença que foi mantida e fortalecida ao longo dos séculos. No entanto, a região não estava desocupada,  povos árabes e palestinos já viviam lá.

Na Bíblia, Abraão teve ao todo oito filhos. O único filho que teve com sua esposa Sara foi Isaac. Filho prometido que herdaria as promessas feitas por Deus a Abraão (Gênesis 21:1-3). Sua primeira concubina foi com a egípcia chamada Agar que lhe deu o filho chamado Ismael (Gênesis 16:1-6).  Abraão ainda teve seis com sua concubina Cetura (Gênesis 25:1-6).

Quando Isaac cresceu e foi desmamado, Abraão deu uma grande festa. Durante a festa, Sara viu Ismael escarnecia de seu filho Isaac, ela ficou muito zangada e persuadiu Abraão a expulsar Agar e Ismael de sua morada, fazendo com que mãe e filho partissem para o deserto. Isto causou uma contenda entre Ismael e Isaque.  Abraão ficou preocupado por seu filho, mas Deus lhe disse que protegeria Ismael.  Ismael cresceu e ficou vivendo no deserto. Ele se tornou flecheiro e se casou com uma egípcia (Gênesis 21:20-21) com quem teve doze filhos, que seriam as doze tribos ismaelitas, que deram origem aos árabes.

A descendência de Isaac se tornou Israel, o povo prometido de Deus, que ocupou as terras de Canaã. Enquanto a descendência de Ismael, tornou-se os ismaelitas, povo que vivia no Egito e que teve diversos encontros com o povo israelita através da Bíblia. Assim sendo, podemos dizer que os judeus são descendentes de Isaac, filho de Abraão. Os árabes são descendentes de Ismael, também filho de Abraão.

Saindo dos fatos históricos, relatados na Bíblia, podemos dizer que o conflito entre israelenses e palestinos, tem suas raízes no final século XIX, surgimento do movimento sionista, com o início da chegada à Palestina de judeus que fugiam de perseguições religiosas na Rússia e na Europa central. Essa região era reivindicada pelos judeus por ter sido deles até a sua expulsão pelo Império Romano, no século III d.C., dando início à Diáspora Judaica, a dispersão de judeus pelo mundo.

A partir do século XIII, o antissemitismo passou a crescer na Europa, junto com as superstições da época, levando muitos vilarejos a considerarem os judeus como culpados pelas muitas das epidemias e desastres naturais da época. Esse fenômeno medieval, foi amplamente descrito no livro Bode Expiatório, do sociólogo francês René Girard. Muitas vilas realizavam linchamentos públicos contra as comunidades judias, exilando-os de seu convívio.

A palavra antissemitismo refere-se a aversão preconceituosa e xenofóbica, criada por certos setores da sociedade contra povos de origem judaica, que são povos da linhagem étnica semita. Na contemporaneidade, os semitas são judeus e árabes. Na Antiguidade, esses povos eram fenícios, hebreus (judeus), babilônicos, arameus, assírios e outros que, no terceiro milênio antes de Cristo, deslocaram-se da Península Arábica para a Mesopotâmia.

No século XIX, o antissemitismo era comum em nações europeias, em especial na Alemanha. Fundou-se então uma ideologia antissemita, que colocava no crescimento econômico judeu, a responsabilidade pela fome e pelas crises alemãs, o que serviu mais tarde para que Hitler perseguisse, prendesse e matasse milhões de judeus, sob a justificativa de uma higienização étnica que livraria a Alemanha de suas mazelas.

Não havia uma base em fatos ou lógica. Hitler e os nazistas tinham como alvo os judeus para perseguição e aniquilação, pois eram antissemitas raivosos que odiavam os judeus. Considerados pelos nazistas como o 'inimigo mundial', a serem procurados ativamente onde quer que vivessem e mortos sem exceções, em um processo abrangente de extermínio que deveria continuar até não havia mais judeus em nenhum lugar do mundo.

Os nazistas fizeram duas alegações falsas principais em sua propaganda inicial: primeiro, que os judeus alemães haviam traído a Alemanha durante a Primeira Guerra Mundial e eram responsáveis por sua derrota; e, segundo, que os judeus foram responsáveis pela miséria econômica da Alemanha durante a depressão do final dos anos 1920 e início dos anos 1930. Isso ainda vinculado a uma mentira maior sobre uma conspiração judaica global.

Os judeus foram transformados no bode expiatório e culpados de todos os males pelos quais atravessava a Alemanha, fazendo com que sua eliminação se tornasse um imperativo de Estado. Por exemplo, se você fosse um agricultor com dificuldades para lidar com o súbito crescimento das cidades e com a realidade das ferrovias que agora cortavam suas terras, os judeus eram culpados por isso. Esses argumentos apoiavam-se, é claro, em preconceitos.

Há de ressaltar que financeiramente, quase um terço do esforço de guerra alemão foi pago com dinheiro roubado dos judeus. As autoridades nazistas apreendiam e vendiam a propriedade de judeus que fugiam ou era enviados para os campos da morte.

Importante ressaltar que na Alemanha, em 1543, Martinho Lutero escreveu sobre os judeus, dizia Lutero, “os judeus nada mais são do que ladrões e usurpadores que diariamente não comem bocado e não usam peça de roupa que não tenham furtado e subtraído de nós por meio de sua maldita usura”. Mas o Iluminismo trouxe uma mudança na sorte dos judeus europeus. Christian Wilhelm von Dohm, um historiador alemão, escreveu em 1781 em favor da emancipação dos judeus e destacou que “Tudo aquilo cuja culpa atribuímos aos judeus é causado pelas condições políticas sob as quais eles vivem agora”.

O ódio de Hitler aos judeus, fruto da profícua imaginação de um homem, resultou na morte de seis milhões de judeus brutalmente assassinados pelos nazistas em campos de concentração e extermínio.

Todavia, no século XIX reascendeu o movimento judeu denominado sionismo. O termo sionista deriva da palavra bíblica sion, que designa “Jerusalém” (cidade sagrada para judeus, muçulmanos e cristãos). Justificados pela expulsão de territórios e diásporas vividas pelos judeus desde a Antiguidade, os sionistas pretendiam reocupar o território da Palestina, sua terra natal, a fim de construir um Estado-nação que abrigasse novamente essa etnia dispersa pelo mundo. Após a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto, aumentou a pressão pelo estabelecimento de um Estado judeu.

Em 1947, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou o plano de criação do Estado de Israel, que só foi oficializada no ano seguinte, dividindo a Palestina em dois estados, um árabe e um judaico. Jerusalém permanece sob controle internacional. A Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, permanece com a Jordânia e a Faixa de Gaza com o Egito. Após a fundação de Israel, em 14 de maio de 1948, a tensão deixou de ser local para se tornar uma questão regional. Infelizmente, o Estado da Palestina não foi criado. No dia seguinte, a fundação do Estado de Israel, as nações árabes, composta por Egito, Síria, Jordânia, Líbano e Iraque, não aceitando a criação de Israel, invadiram o território palestino recém-criado, dando início à Guerra árabe-israelense de 1948. A guerra foi desastrosa para os palestinos, uma vez que Israel possuía forças armadas organizadas. Essa oposição Árabe fez culminar uma série de conflitos que se estende até os dias de hoje.

A criação do Estado de Israel em 1948, marcou um ponto crucial no conflito. A busca dos judeus por um Estado independente, após o Holocausto e a perseguição histórica desencadearam uma série de tensões e hostilidades com os palestinos, que se sentiram prejudicados e deslocados por essa política.

A ONU estabeleceu o seguinte: Israel seria formado por 53,5% das terras; Palestina seria formada por 45,4% das terras; O restante corresponderia a Jerusalém, sob controle internacional. Havia nessa divisão uma grande contradição, pois os judeus, que correspondiam a 30% da população, ficariam com uma parcela maior do território.  Os palestinos, por sua vez, correspondiam a 70% da população e ficariam com uma parcela menor.

Proporcionalmente, o povo judeu é em conjunto, muito mais rico do que os demais grupos religiosos existentes. Infelizmente, por conta de seu resultado financeiro e criarem riqueza por onde passam. o povo judeu é até hoje vítima de preconceito, intolerância, inveja e associado a uma série de estereótipos.

Os judeus têm o comércio e a prestação de serviços como algo muito presente em suas tradições. Historicamente os judeus ao longo dos séculos foram proibidos por vários reinos de serem donos de terra. O que fez com que eles tivessem que literalmente aprender a empreender para sobreviverem. Dessa maneira, enquanto muitas pessoas tem vergonha de prestar serviços, e mais ainda de vender produtos, os judeus dominam há séculos as habilidades que envolvem o comércio. A sua subsistência era retirada do comércio, o que os permitiu acumular dinheiro ao longo do período medieval, sendo que a prática da usura (obtenção de lucro por meio do empréstimo), condenada pela Igreja Católica até o século XVII, era comum entre eles. Também foram os judeus, os fundadores dos primeiros bancos.

No Brasil temos como exemplo de empreendedorismo dos judeus, o apresentador de TV Senor Abravanel, mais conhecido como Silvio Santos. Silvio Santos começou a vida profissional vendendo canetas na rua. E ele amava se comunicar e vender. Era tão bom nisso que passou a ser vendedor ambulante de vários produtos. Com a experiência de venda popular nas ruas, foi trabalhar como comunicador. Se empenhou tanto, que se tornou o maior comunicador da TV brasileira. Sílvio Santos é judeu!

Não podemos esquecer deixar de ressaltar o desenvolvimento da agricultura em Israel, mesmo diante de limitados recursos naturais, possibilitou a autossuficiência na produção de alimentos e a liderança na exportação de produtos cítricos. Além disso, o país se destaca por suas tecnologias de ponta, como a dessalinização e o controle eficiente do uso da água.

A nação judaica corresponde a menos de 1% da população mundial. São apenas 14 milhões de judeus no mundo inteiro e cerca de metade vivendo fora de Israel.

A busca pela paz na Terra Santa,  é uma tarefa complexa e extremamente delicada, devido ao valor político, econômico e simbólico do território tanto para os Israelitas como Palestinos. Na realidade, três fatos importantes contribuíram para que essa região se tornasse palco de inúmeros conflitos, a saber: as duas grandes Guerras Mundiais, a criação e a efetivação do Estado de Israel e a descoberta de grandes Jazidas Petrolíferas.

A presença de grupos radicais islâmicos, como o Hamas, o Hezbollah e o Estado Islâmico, também desempenhou um papel importante na escalada da violência e na perpetuação do conflito, tornando-o ainda mais difícil de resolver.

A demora na criação de um Estado palestino independente, a construção de assentamentos israelenses na Cisjordânia e o bloqueio de Israel a Gaza, condenada pelo Tribunal Internacional de Haia, complicam o andamento de um processo de paz. À medida que os eventos se desenrolam, é fundamental lembrar que por trás dos números e das manchetes estão vidas humanas, famílias e comunidades inteiras em sofrimento.

O sionismo, embora tenha alcançado seu objetivo de criar um Estado Judeu, também deixou um legado de hostilidades e disputas territoriais.

O historiador pioneiro do Holocausto, Raul Hilberg, argumentou que o ódio contra os judeus evoluiu através dos tempos, mas com notáveis continuidades em métodos e objetivos: “os missionários do Cristianismo disseram efetivamente: ‘Vocês não têm o direito de viver entre nós como judeus’. Os governantes seculares que se seguiram proclamaram: Vocês não têm o direito de viver entre nós. Os nazistas alemães por fim decretaram: Vocês não têm o direito de viver”.

No Salmos 122, o Salmista Davi descreve o seu amor por Jerusalém, a Cidade Santa, declara: “Orai pela paz de Jerusalém; prosperarão aqueles que te amam.  Haja paz dentro de teus muros; e prosperidade, dentro dos teus palácios.  Por causa dos meus irmãos e amigos, direi: Haja paz em ti.  Por causa da casa do Senhor, nosso Deus, buscarei o teu bem”. Foi durante seu reinado que ela foi escolhida como a cidade que levaria o nome do nosso Deus.

27/09/2023

Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar

No início da década de 70, a Rede Globo de Televisão exibiu durante várias semanas (sempre nas sextas-feiras) uma série documental com o título “O Mundo em Guerra” (The World at War). Um dos históricos mais completos que tive a oportunidade de assistir, sobre o conflito mais sangrento do século XX, que foi a Segunda Guerra Mundial. As minúcias da guerra são vasculhas sob todos os pontos de vistas possíveis – a luta dos anônimos pela sobrevivência, as experiências dramáticas dos soldados, os bastidores políticos, as estratégias militares, tudo esclarecido em detalhes. Foi baseada em similar britânico, mas teve de ser adaptada ao público brasileiro. Dissecou as entranhas da Segunda Guerra Mundial pela primeira vez na televisão nacional. É memorável o capítulo que trata da participação brasileira. Mostrava detalhes, como fora o Brasil e seus pracinhas da FEB no maior confronto armado da História.

Se analisarmos os principais responsáveis por esse conflito militar global, que durou de 1939 a 1945, envolvendo a maioria das nações do mundo, isto é, a Alemanha e Itália, podemos nos questionar como tiranos como Adolf Hitler e Benito Mussolini chegaram ao poder e conseguiram implementar seus ideais, ou melhor, orquestraram um dos maiores genocídios da história da humanidade.  Como subiram ao poder em países democráticos?

Bem, primeiramente é importante destacar que no século XX, vários países sofreram ditaduras militares devido à fragilidade de suas instituições democráticas. E outro ponto a se lembrar, que nem sempre as ditaduras se dão por golpe militar, podem surgir por golpe de estado político. Exemplo de movimento desta ordem, se deu quando ocorreu a ditadura fascista, imposta por Adolf Hitler na Alemanha nazista e a ditadura fascista de Mussolini, na Itália.

Mas, por que a Alemanha, o país com um dos melhores sistemas de educação pública e a maior concentração de doutores do mundo na época, sucumbiu a um charlatão nazista?

Na verdade, a ascensão de Hitler ao comando supremo do III Reich, ocorreu ao longo de várias décadas. A ascensão se desencadeou a partir das próprias estruturas de governo. Foram aproveitadas as debilidades de um sistema falho e entraram partidos cujas ideologias não eram democráticas. Portanto, uma vez instalados no poder, lá permaneceram e se impuseram à vontade popular, suprimindo os demais partidos e oposições, portanto, a democracia.

Ressaltamos que nos regimes totalitários, verificamos a existência de um só partido político e uma ideologia claramente definida.  O governo se utiliza de meios de intimidação para controlar a população como a polícia política, a censura e a delação. A propaganda política também é largamente utilizada para promover os ideais do regime. Os regimes totalitários surgiram na Europa, por conta da crise econômica e política que ocorreu após a Primeira Guerra Mundial. Nesta época, surgiram correntes políticas que defendiam o uso da força, a eliminação dos partidos políticos e do parlamento como um caminho para tirar os países da crise econômica e política. Os regimes políticos totalitários apareceram naquele cenário caótico como possíveis soluções para os problemas da população, tais como: alta inflação, miséria, fome, desemprego e falta de assistência básica à população. Por isso, ganharam apoio popular.

Adolf Hitler, surgiu como uma esperança de recuperação numa Alemanha arrasada e humilhada, e que vivia numa profunda crise política, social e econômica, e o altíssimo desemprego era fonte de empobrecimento entre o povo.

O descontentamento social com o regime democrático ineficaz, o apoio do povo alemão aos partidos nacionalistas e o temor de uma revolução socialista, levaram a alta burguesia alemã, empresários e o clero a apoiarem a extrema-direita do espectro político, optando por extremistas de partidos como o Partido Nazista.

Embora o Nazismo partilhasse algumas características do Fascismo italiano, o regime nazista era mais radical e violento que o fascista. O nazismo, ainda acrescentou no seu programa a superioridade da raça ariana sobre às demais.

Hitler, era uma figura muito popular e tomou ações para que o discurso nazista alcançasse diferentes camadas da sociedade alemã. Um excelente orador, e se que cercava de pessoas que, como ele, não tinham medo de usar a violência para cumprir seus objetivos políticos. Com uma linguagem simples e direta, gestos dramáticos, emotivos e uma fala sedutora, tornaram a sua mensagem facilmente compreendida pelas massas. Prometia trabalho e melhores condições de vida. O resultado disso, foi que o nazismo ganhou força politicamente e começou a obter resultados expressivos nas eleições alemãs.

Apesar das eleições de julho de 1932, os nazistas terem se tornado o maior partido no Reichstag, não conseguiu uma maioria parlamentar. Todavia, em 1933, carregando ideais racistas, totalitaristas, nacionalistas, unipartidários e anticapitalistas, Hitler chegou ao cargo de chanceler.  Com a morte do presidente alemão Paul von Hindenburg (1934), Adolf Hitler assume os poderes da presidência. Importante ressaltar que o exército faz um juramento de lealdade pessoal a Hitler.

Uma análise mais objetiva mostra que, justamente quando era mais necessário, defender a democracia, os alemães caíram na tentação fácil de um demagogo patético, que fornecia uma falsa sensação de segurança e muito poucas propostas concretas de como lidar com os problemas da Alemanha, em 1932.

Voltamos a pergunta, por que tantos alemães instruídos votaram em um patético bufão que levou o país ao abismo?

Os alemães tinham perdido a fé no sistema político da época. A jovem democracia não trouxera os benefícios que muitos esperavam. Muitos dos eleitores de Hitler, ficaram incomodados com seu radicalismo, mas os partidos estabelecidos não pareciam oferecer boas alternativas. Muitos alemães sentiram que seu país sofria com uma crise moral, e Hitler prometeu uma restauração. Pessoas religiosas, sobretudo, ficaram horrorizadas com a arte moderna e os costumes culturais progressistas que surgiram por volta de 1920, época em que as mulheres se tornavam cada vez mais independentes, e a comunidade LGBT em Berlim começava a ganhar visibilidade.

Com relação a violência, Hitler argumentava que poderia ser resolvido, aplicando a pena de morte com mais frequência e aumentando as sentenças de prisão. Problemas econômicos, segundo ele, eram causados por atores externos e conspiradores comunistas. Os judeus - que representavam menos de 1% da população total - eram o bode expiatório favorito.

O regime se vangloriava de sua nova abordagem contra criminosos reincidentes, alcoólatras crônicos, criminosos sexuais, desempregados e mendigos. Hitler, prometeu “limpar as ruas”, e a maioria das pessoas aprovou a medida. Algumas acreditavam de fato no Hitler e no nazismo. Outras queriam proteger seu país e lutar como nacionalistas e patriotas. E provavelmente a maioria lutou para manter distantes os russos e os comunistas, que eram amplamente temidos e odiados no país. Muitos alemães que não apoiavam o regime preferiam ficar calados, para evitar problemas com os nazistas.

Tudo foi embalado em slogans fáceis de lembrar: "Alemanha acima de tudo", "Um povo, uma nação, um líder” e “Renascimento da Alemanha".

Quanto a Benito Mussolini, começou sua carreira política na militância de um núcleo socialista italiano, mas acabou sendo expulso do movimento socialista,  quando publicou um artigo em 1914 defendendo a participação da Itália na Primeira Guerra Mundial. Os socialistas italianos da época eram rigorosamente contrários à participação do país na guerra. Foi fundador do Partido Fascista (Fasci Italiani di Combattimento, em português Grupo de Combate) em 1919, que era uma organização paramilitar de cunho nacionalista e antiliberal.

Seu discurso nacionalista (grande orador) arregimentava membros e simpatizantes nacionalistas, militares e o proletariado dos grandes centros urbanos. Acreditava que a violência era um poderoso instrumento, para provocar mudanças na sociedade. O lema de Mussolini era "Crer, obedecer e combater".

O uso da violência contra os socialistas, recebeu forte apoio de diversas camadas da sociedade italiana. O objetivo era intimidar e enfraquecer o socialismo enquanto movimento social e político. A violência do fascismo italiano estava muito ligada com um forte militarismo e uniformização de seus partidários a partir de milícias conhecidas como camisas negras. Mussolini e seus fascistas aproveitaram-se do “perigo vermelho” para, em nome da preservação da ordem e da paz interna na Itália, obter apoio da elite industrial e dos proprietários.

A ascensão de Mussolini na sociedade italiana, foi tamanha que determinados grupos passaram a defender que o Duce (líder) fosse transformado em primeiro-ministro italiano. Mesmo assim, o partido que em 1922 já tinha 700.000 membros, não conseguiu convencer o eleitorado a lhe confiar o poder. Todavia, ainda em outubro 1922, após a ocorrência do evento denominado de “Marcha sobre Roma”, quando 50.000 militantes fascistas desfilaram, Mussolini consegue mostrar o poder do seu Partido Fascista, e o objetivo principal do evento que era pressionar o rei Vitor Emanuel III a empossa-lo como primeiro-ministro. Em 30 de outubro de 1922, Benito Mussolini, era empossado como primeiro-ministro italiano. A nomeação dele ao cargo aconteceu dentro da legalidade constitucional da Itália.

Um dos slogans de Benito Mussolini era "Dio - Patria - Famiglia”. Deus dirige os destinos dos povos. O homem vale pelo trabalho, pelo sacrifício em favor da Família, da Pátria e da Sociedade. Toda superioridade provém de uma só superioridade que existe acima dos homens: a sua comum e sobrenatural finalidade.

Algumas características podem ser mencionadas em relação ao neofascismo, tais como: Patriotismo exagerado que assume posturas xenófobas e violentas;  Desprezo pelos valores da democracia liberal, como as liberdades individuais; Construção de retórica violenta contra supostos “inimigos internos” que contribuem para a “degradação moral” da nação.

Que lições podemos ainda tirar, nos tempos atuais, acerca dessas duas personagem cruéis da história da humanidade? Autoritários, tiranos e despóticos, eles regeram seus países com mãos de ferro e não mediram meios para alcançarem os fins: perseguiram, torturaram, dissolveram partidos e se impuseram através da força. De certo modo, todos os ditadores do século XX contribuíram para o surgimento de novos líderes autoritários. Isso porque os passos de cada um deles serviram de guia e inspiração para outros políticos com aspirações igualmente antidemocráticas. Por isso que, temos que ficar sempre atentos, tanto no campo dos ideais políticos e religiosos de posições extremistas. O extremismo, não está relacionado a um posicionamento ideológico específico, na verdade ele pode existir na direita ou na esquerda. Posicionamentos apaixonados e incoerentes se misturam com discursos inflamados e violentos, carregados de reações extremas e radicais.

As ideologias extremistas foram responsáveis pela maior parte das tragédias humanas dos últimos séculos. Os radicais não têm a democracia como um valor universal, e admitem que regimes autoritários (ou semi-autoritários) são aceitáveis em circunstâncias determinadas.

A democracia está em erosão em todo o mundo, de acordo com o último relatório do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral - IDEA (nov/2022). Dados mostram cada vez mais países a afastar-se da democracia e a caminhar para o autoritarismo. O número de países a nível mundial que avançam na direção do autoritarismo excede o dobro do número de países que avançam numa direção democrática (45% da população mundial vive em uma democracia). O relatório recomenda uma série de ações políticas para impulsionar a renovação democrática global, adotando contratos sociais mais equitativos e sustentáveis, reformando as instituições políticas existentes e fortalecendo as defesas contra a regressão democrática e o autoritarismo.

Toda a sociedade que possui uma democracia madura deveria tolerar a existência de diversos grupos ideológicos, pois é essa diversidade que melhora o nível do debate público e político. As vozes discordantes não podem ser tratadas como inimigas, pois elas fazem parte do diálogo construtivo e equilibram a discussão política. Ao ignorar opiniões contrárias, os indivíduos podem, perigosamente, se aproximar do fanatismo político, aderindo cegamente a uma posição ou sistema político.

O que vemos hoje, infelizmente, são multidões que buscam apenas desconstruir o discurso e a autoridade de seu "inimigo", quando deveriam debater de modo civilizado formas de construir uma nação mais justa, democrática e desenvolvida. É preciso ter autocrítica, nem sempre seguir as multidões é a melhor forma de construir uma democracia.

Lembrando da frase de Nelson Rodrigues, o genial escritor brasileiro que tem as mais contundentes tiradas da crônica brasileira: “Toda a unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar”. Nelson Rodrigues tem razão, mas nem sempre. Há casos em que a unanimidade não é burra, ou talvez a unanimidade não seja unânime.

Na verdade, na vida real, a unanimidade só pode existir por dois fatores: Pela concordância cega ou pelo silêncio dos críticos. Onde há concordância cega, predomina a burrice; e, onde há o silêncio, certamente predomina o medo de se fazer oposição.

A unanimidade é tão pouco recomendada que nem mesmo Jesus, na plenitude da sua perfeição, a quis. Se houvesse unanimidade, a sua missão não teria atingido o objetivo. Foi preciso a discordância de um dos seus 12 apóstolos para que, como bem afirmou o Mestre, as escrituras se cumprissem (Lc 22:37 e Mt 26:54).

Ao que pese o exemplo de Jesus, fica evidente que mesmo em se tratando de alguém que absolutamente esteja certo e seja perfeito, a discordância é instrumento de extremo valor.

Como diria o pensador francês Gustave le Bom (1841 " 1931), em sua obra Psicologia das multidões, "na mentalidade coletiva, as aptidões intelectuais dos indivíduos e, consequentemente, suas personalidades se enfraquecem".