25/08/2024

É PROIBIDO COCHILAR

Durante o período que trabalhei no antigo Polo Industrial de Guamaré-RN (quando ainda pertencia a PETROBRAS), semanalmente fazíamos um apresentação para os colegas de trabalho sobre Segurança, Meio Ambiente ou Saúde Ocupacional. Normalmente utilizávamos como recurso Power Point para ajudar na apresentação e no último slide gostávamos de colocar a frase “É proibido Cochilar”. Esse ditado tem origem na música “É proibido Cochilar” de autoria dos compositores paraibano Antônio Barros e Ceceu, gravada pelo conjunto Os Três do Nordeste. Reforça uma frase que diz: “Um piscar de olhos ou uma distração de segundos põe em risco sua vida e a dos outros”. Uma pura verdade em todos momentos de nossa vida, seja na familiar, nos momentos de lazer, profissional, etc.

Imaginemos essa realidade dentro de uma empresas do setor petrolífero, onde riscos potenciais existem tais como incêndios e explosões. Por isso, deve ser obrigação, compromisso, responsabilidade dos gestores desses corporações que, todos os risco que os colaboradores estão expostos, seja agentes químicos, físicos e biológicos potencialmente nocivos para a saúde humana, sejam devidamente analisados e que ações preventivas e medidas de segurança sejam implementadas, para evitar qualquer tipo de acidente. Infelizmente, em diversas vezes, mesmo com toda execução desse gerenciamento de risco, os acidentes ocorrem, sendo importantíssimo a análise criteriosa de todas as causas que levaram a ocorrência do acidente, de modo a se tomar ações corretivas e preventivas.  Fomos específico ao setor petrolífero mas essa ação vale para todos os setores da nossa economia, assim como em nosso cotidiano.

Bem, depois que me aposentei, posso dizer que esses riscos, inerentes ao setor petrolífero, não corro mais. Mas, a vida continua no meu dia a dia e infelizmente o cotidiano fica a cada ano que se passa com riscos ameaçadores e violentos.

A história da humanidade sempre foi a história do perigo, da violência, das guerras e das tentativas crescentes de proteção e de defesa. Talvez seja impossível medir-se hoje a violência para saber se ela é menor ou maior do que no passado.

A preocupação em relação aos acidentes pode ser encontrada nas fases mais remotas da história da sociedade humana. Do mesmo modo pode-se dizer do acidente do trabalho, que está relacionado com o desenvolvimento das relações de trabalho. Desde os primórdios do mundo do trabalho, o acidente fez parte do cotidiano dos trabalhadores. No entanto, ganha visibilidade a partir do século XIX, com o avanço do processo de industrialização.

Ao buscar historicamente os fatos, observa-se que os problemas e as preocupações com a saúde dos trabalhadores foram objetos de estudo bem antes de Cristo. Hipócrates (460-355 a.C.) descreveu sobre a verminose em mineiros bem como as cólicas intestinais dos que trabalhavam com chumbo e também sobre as propriedades tóxicas do metal.

A modernidade ocidental fez crescer a consciência do risco e a dedicação das pessoas às atividades previsíveis e preventivas. Até o final da Idade Média, associava-se à fatalidade, a dogmas e ao determinismo todos os eventos: pouco se explicava como acidental ou fruto do acaso. Via-se o risco como parte de eventos naturais incontroláveis ou atos de Deus: excluía-se a interferência humana, inclusive o erro, a culpa e a responsabilidade. Inclusive, por um longo período, após a industrialização, ainda se consideravam os acidentes no processo produtivo, simplesmente como involuntários e de certa forma inevitáveis.

Acredito que todos nós já pronunciamos ou escutamos alguém dizer: "faça sua parte que Deus te ajudará", "esforça-te que Deus te ajudará" e "ajuda-te que o céu te ajudará". Essas frases são populares no meio cristão. Embora conhecidas - até bem intencionadas - não estão na Bíblia e não têm fundamento bíblico. Encontramos, por exemplo no Livro de Josué (1:9): Não fui eu que ordenei a você? Seja forte e corajoso! Não se apavore nem desanime, pois o Senhor, o seu Deus, estará com você por onde você andar".

Quantas vezes já ouvimos essas expressões ou crenças: "Tinha que acontecer" quando se está diante de um evento trágico, ou no mínimo, indesejado. Em caso de morte, há sempre quem diga "cada um tem sua hora". Para quem sofreu acidente grave e sobreviveu, o que aconteceu foi um grande susto: "Eu andei muito perto de morrer, mas acho que não chegou à hora ainda".

Na verdade, muitas vezes buscamos transferir a causa do acontecimento indesejado a algo que está fora do nosso controle, de preferência bem distante de nós, consequentemente atribuindo ao Criador do Mundo a responsabilidade sobre o trágico. Deste modo que o fatalismo ganha forma e expressão.

Em outras palavras, o que tem que acontecer, simplesmente acontecerá e não há como escapar do fato. Dentro dessa teoria, acidentes se explicam pela intervenção de Deus ou do destino. Sinceramente, esse negócio de "entregar nas mãos do Senhor", não me parece a atitude mais sensata.

Por que algumas pessoas preferem obedecer ao sinal de pedestre para cruzar a rua com segurança e outras preferem cruzar a rua driblando os carros? Por que alguns pedestres são impacientes para esperar a mudança do sinal para atravessar a rua com segurança?

No ambiente industrial é a mesma coisa, alguns trabalhadores preferem trabalhar com segurança, outros preferem driblar os riscos e perigos e outros são impacientes para utilizar os procedimentos de segurança, pois atrasam as etapas de serviços. Não podemos deixar de ressaltar o descaso de muitas empresas em relação à segurança.

Por que apesar de sabermos que utilizar o aparelho celular enquanto dirigimos põe a própria vida em risco, como a dos pedestres e demais condutores, e mesmo assim muitos utilizam? Os médicos comparam o uso do celular ao efeito do álcool. “É como se a pessoa tivesse dois copos de cerveja ou uma dose de destilado. É como se estivesse dirigindo ligeiramente embriagado. Interessante é a desculpa de quem é pego falando ao celular: estou desligando o celular porque está acabando a bateria; estou vendo se tem recado; o farol está fechado, aproveitei pra usar só um pouquinho só.

A maioria das pessoas sabem que o uso do capacete é obrigatório para motociclistas e que pilotar moto sem capacete é algo extremamente perigoso e imprudente, todavia é a principal causa de morte em acidentes de trânsito com motociclistas. O argumento de muitos motociclistas flagrados conduzindo o veículo sem esse equipamento essencial, é que o trajeto seria curto. Contudo, um “é logo ali” pode ser fatal.

O que será que pensam os motorista que dirigem sob efeito do álcool? Acredito que seja: “Não tem risco pois Deus está comigo”. Infelizmente ao optar dirigir alcoolizado, não é apenas a vida de quem tomou essa decisão que está em risco, mas das pessoas que compartilham a via com o mesmo.

Há alguns anos conheci um provérbio chinês que diz o seguinte: “Antes de mudar o mundo, dê três voltas em redor de sua casa”. Será que nós observamos com bastante critérios os riscos que corremos em nossa própria casa? Pois bem riscos de acidentes domésticos estão nos mais diversos ambientes e situações, desde o contato com altas temperaturas na cozinha até o caminhar do quarto para o banheiro durante a noite. Este último é um dos casos mais comuns de acidentes que acomete os idosos. Basta um piso molhado ou um tapete solto para provocar uma queda, que causa ferimentos ou, no mínimo, um grande susto. O banheiro é o local com maior ocorrência de acidentes graves, por causa da umidade que torna o ambiente escorregadio.

A sala de estar costuma conter muitos móveis e objetos de decoração. Um idoso com dificuldade de locomoção ou mesmo uma pessoa distraída pode bater ou tropeçar em um desses itens, se ele estiver bloqueando a passagem.

As panelas de pressão e de fritura são uma das principais causas de incêndio em residência. No caso das panelas de pressão se faz necessário uma manutenção sistemática dos sistemas de alívio. No caso de panelas de frituras e a panela pegar fogo, nunca jogue água.  Desligar o fogão ou a fritadeira, se é mais seguro fazer isso. Nunca devemos deixar as panelas em fogo aceso, desacompanhadas (sem ninguém por perto). Importante tomar cuidado com os cabos das panelas que ficam na beirada do fogão, que podem ser resvalados ou alcançados por crianças.

No caso de produtos de limpeza, temos o hábito de ler as recomendações no rótulo do produto? Devemos lembrar que além de nos ensinar como manipular o produto, nos mostra os equipamentos de proteção individual necessários para manipulação.

Muitos produtos de limpeza contêm amônia – solução aquosa de amoníaco. Outro produto químico frequentemente utilizado em nossas casas é a água sanitária, ou lixívia – solução aquosa de hipoclorito de sódio.  A água sanitária não deve ser misturada a outros produtos, em especial àqueles com amoníaco. A mistura, que pode explodir e causar queimaduras graves, exala gases muito tóxicos que provocam sérios danos à saúde.

Quanto mais conscientes estivermos de um risco, melhor é a nossa percepção e maior a nossa preocupação.  Não há dúvida de que consciência, informação, conhecimento e trocas de experiências são meios que podem favorecer a aprendizagem para a prevenção. Por isso, é importante que todos nós devemos estar cientes dos perigos que nos rodeiam, assim como de tudo o que podemos fazer para corrigir as condições inseguras. Por exemplo, qual deve ser sempre a nossa atitude quando um carona não coloca o cinto de segurança ao entrar no seu carro? Os comportamentos considerados como sendo “de risco” são aqueles que contribuem para que os acidentes aconteçam. Assim como as condições inseguras, a maioria das causas de acidentes estão relacionadas com práticas inseguras e a desatenção a fatores de riscos porque acreditamos que nada de adverso nos acontecerá, como por exemplo dirigir alcoolizado ou falando com o celular. Em matéria de segurança não há mais ou menos.

A vida tende a punir os teimosos e reprova quem não aprende as lições. Quando falamos de segurança essa frase se encaixa muito bem. Devemos aprender com nossos erros, com o que sofremos. Um dos exemplo claros é a aviação. A evolução da história da aviação sempre foi marcada pela ocorrência de muitos acidentes mas o estudo das causas contribuintes para a ocorrência de acidentes e incidentes aeronáuticos, tornaram um dos meios mais seguros nos transportes, apesar de sua complexidade.

O comportamento humano nem sempre é constante e racional, e, portanto não segue padrões rígidos pré-estabelecidos. No entanto, mesmo que todos os riscos sejam conhecidos, ainda persistirá a possibilidade de falha humana, pois cada indivíduo organiza e interpreta as situações de maneira diferente.

Enaltecemos a cultura de modo geral, mas esquecemos da cultura de segurança. O ideal seria uma reflexão coletiva que viesse a contaminar as consciências com a cultura da segurança. Mas isso é utopia; consciências não se contaminam; consciências são formadas por meio de um lento processo: educação. Os conceitos básicos de prevenção de acidentes - no trânsito, no trabalho, em casa - precisam ser semeados a partir dos bancos escolares e cultivados nos cursos técnicos e universidades. Se assim for feito, os seus frutos - ambientes seguros e saudáveis - serão colhidos durante a vida de todos os cidadãos.

O risco sempre esteve e sempre estará presente em toda e qualquer atividade humana e, ao longo de sua evolução, o homem continuará a ser agredido pelas suas próprias descobertas, principalmente nas áreas tecnológica. Por isso é importante priorizar a segurança e a saúde do ser humano em todos os empreendimentos seja público ou privado. Na verdade é um direito e dever de todos nós.

Não tenho dúvida que nossa vida está nas mão de Deus. Nosso criador. Mas se faz necessário que cada um de nós realmente façamos a nossa parte, principalmente quando se trata de prevenções de acidentes. Caso contrário, continuarão ocorrendo e continuaremos atribuindo a Deus ou ao destino.

Quando um pássaro está vivo, ele come as formigas, mas quando o pássaro morre, são as formigas que o comem. Tempo e circunstâncias podem mudar a qualquer minuto. Por isso, “É proibido cochilar”.

 

24/04/2024

O CANGAÇO CONTINUA

De vez enquanto escutamos, principalmente dos idosos, a seguinte frase: “Não há mal que não traga um bem”. O escritor Machado de Assis, na sua genialidade literária, fez um pequeno complemento, que na minha opinião foi perfeita: “Não há mal que não traga um pouco de bem, e por isso é que o mal é útil, muitas vez indispensável, algumas vezes delicioso”. Este pensamento me faz lembrar de duas vezes que minha residência foi assaltada quando morava no Bairro de Lagoa Nova, na cidade Natal-RN, na década de 90. Todas as duas vezes foi durante a semana Santa quando viajávamos para Paraíba. Na segunda vez, quando estava na delegacia para abrir um Boletim de Ocorrência, o delegado me deu o seguinte conselho: “Não viaje mais na Semana Santa”. Na oportunidade, fiquei muito chateado com aquele “conselho”, mas depois de uma profunda reflexão, eu e minha esposa tomamos a decisão de não mais viajarmos. Somos cristãos, e a Semana Santa é um período sagrado. É a ocasião em que é celebrada a paixão de Cristo, sua morte e ressurreição.

Ela deve ser um tempo de recolhimento, interiorização, oração e abertura do coração. É a hora de reconstruir a própria fé e abrir a mente e o coração para Deus. Enfim, significa fazer uma parada para reflexão e reconstrução da espiritualidade, essencial para o equilíbrio emocional e a segurança no caminho natural da história de vida com mais objetividade e firmeza.

É muito triste lembrar, quando falamos sobre assaltos, bandidagem, que Jesus Cristo morreu como um criminoso, com verdadeiros criminosos dos dois lados.  E o pior ainda, ter sido trazido para diante da multidão numa tentativa covarde de Pilatos de se livrar de um inocente. Pilatos sabia quem era o criminoso chamado Barrabás, o qual ele mesmo mandou prender por crimes hediondos. O Evangelista Mateus empregou o título “muito conhecido” para referenciar Barrabás (Mt 27:16), deixando claro que ele era alguém com certa fama entre o povo, talvez até reputado como uma espécie de herói, principalmente se seus delitos fossem por motivação nacionalista. Seja como for, as referências bíblicas descrevem Barrabás como sendo um salteador, perturbador da ordem pública e homicida. Porém acabou sendo solto por Pilatos a pedido da multidão.

Infelizmente os “salteadores” sempre fizeram parte da história da humanidade. Quem não se lembra da lenda de Robin Hood, o conhecido príncipe dos ladrões? Essa personagem criada no Reino Unido no século XIII, conhecido por ser hábil no arco e flecha, trajava verde e vivia escondido nos bosques de Sherwood, em Nottingham, se tornou o modelo do bandido justiceiro, que redistribuía a riqueza roubando dos ricos para dar aos mais pobres. No entanto, trata-se de uma versão fictícia do personagem, muito distante da realidade histórica de bandidos e foras-da-lei medievais.

Dentro desse contexto, podemos citar os “piratas”. Existem desde que o homem passou a transportar bens e mercadorias usando rios e mares. Os registros mais antigos contam que, por volta do século V antes de Cristo, no Golfo Pérsico (região do Oriente Médio), ladrões já investiam contra barcos de comerciantes. A pirataria ganhou força entre os séculos VXI e XVIII, quando houve um aumento importante do transporte de riquezas pelo mar. Países europeus, como Portugal e Espanha, encararam os oceanos, explorando novas terras e buscando recursos naturais e minerais.

Uma curiosidade da vida dos piratas é como viviam em navios, manter um animal de estimação grande, como um cachorro ou um macaco, era difícil. Uma opção muito mais sensata e estratégica era um papagaio.

Infelizmente, em pleno século XXI, os piratas “modernos” ainda atacam e roubam embarcações em muitos lugares. As estatísticas indicam um crescimento dessa modalidade de roubo em alguns pontos do planeta. No Brasil, os crimes de pirataria marítima são menos frequentes e os piratas menos audaciosos. A baía de Santos é considerada a área de maior perigo, de acordo com os boletins transmitidos aos navegadores europeus.

E os salteadores no Brasil? Quando começaram a existir? É muito comum escutar pessoas relacionando as mazelas do Brasil de hoje ao tipo de colonização que o país teve. Dizem uns que, colonizados por bandidos, assaltantes, enfim, pela escória portuguesa que veio aportar nas terras do pau-brasil, não poderia, mesmo, ser outro o resultado. Os historiadores do passado perpetuaram a ideia que o Brasil recebeu mais criminosos do que qualquer outro segmento da sociedade portuguesa nos seus primeiros tempos. Nos últimas décadas, documentos descobertos e estudados, tornou público novas facetas da colonização brasileira. A colonização brasileira levada a cabo por degredados é uma lenda já desfeita. O degredado era banido de sua terra de origem (no caso, a Metrópole portuguesa) por ter cometido algum tipo de crime. Os crimes cometidos pelos degredados variavam desde crimes comuns, como roubo, até crimes de ordem religiosa, condenados pelo Tribunal do Santo Ofício, como feitiçaria, rituais de bruxaria etc. A maioria dos degredados que chegaram ao Brasil foram condenados pela Santa Inquisição e as autoridades portuguesas se valiam disso para promover a exclusão social.

O historiador e professor do Departamento de História da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) Geraldo Pieroni relata no seu livro “Os excluídos do reino” (2000) que mais de 50% das pessoas degredadas para o Brasil eram mulheres, acusadas, quase sempre, por feitiçaria, blasfêmia e bigamia. Devemos relembrar que os dois maiores poetas portugueses, Camões e Bocage, sofreram a pena de degredo na Índia.

No Brasil, as histórias mais conhecidas sobre banditismo organizado, são sobre Lampião e seu bando de cangaceiros. Porém, antes de falar sobre o Cangaço, vamos comentar um pouco sobre o Coronelismo, tendo em vista que foi durante o período do coronelismo, surgiu o fenômeno marcante na história brasileira: o Cangaço.

O Coronelismo tem suas raízes nas primeiras décadas do Brasil independente, durante o Período Regencial (1831-1842), nascendo para conter as revoltas e motins pelo país e assim proteger a postura centralizadora do governo.

O coronelismo estava intimamente ligado ao sistema latifundiário brasileiro, visto que os coronéis eram proprietários de grandes extensões de terra, ainda que fossem das capitais. Terras onde exerciam autoridade absoluta sobre os trabalhadores rurais, estabelecendo relações de subserviência e dependência.

Foi um sistema político e social que moldou profundamente a história do Brasil de forma extremamente exploratória e corrupta. Como diz o advogado e historiador Victor Nunes Leal, em sua obra “Coronelismo, Enxada e Voto”, os coronéis foram senhores do bem e do mal.

Quanto ao Cangaço, podemos afirmar que é um dos fenômenos mais controversos da história nacional, geralmente categorizado na seguinte dualidade: ou criminosos assassinos ou heróis populares.

Os cangaceiros, como eram conhecidos os integrantes do cangaço, eram ladrões e assassinos que andavam bastante armados, os quais se dividiam em três formas de banditismo: o de vingança, o puro e simples e o de justiça social.

O Cangaço foi um movimento criminoso que aconteceu na região Nordeste durante o período que abrangeu o final do século XIX e a metade do século XX que desafiaram a autoridade do Estado e principalmente a dos coronéis locais. Interessante que muitos dos jagunços (pistoleiros) dos próprios coronéis se bandearam para a vida de cangaceiros. Alguns cangaceiros vendiam seus serviços para coronéis, perseguindo e matando seus opositores em troca de dinheiro.

O primeiro cangaceiro de repercussão nacional foi Jesuíno Brilhante, que, a partir de 1871, formou um poderoso grupo que circulou pelo Sertão, atacando principalmente fazendas dos grandes coronéis da região. Todavia, o bando de cangaceiros mais famoso foi o comandado por Lampião. Foi por volta de 1918 que Virgulino se tornou cangaceiro para vingar de um conflito familiar.

Importante ressaltar, que desde a época do cangaço, a opinião pública sobre o movimento se dividia. Para alguns, eles eram heróis praticando o que é chamado de banditismo social, para outros, eles eram criminosos cruéis que agiam com violência, destruíam cidades, cometiam estupros e não respeitavam as leis. Não deveriam, portanto, ser alçados à condição de heróis e seus atos violentos não deveriam ser relativizados.

Independente de pensamentos, a vida dos cangaceiros influenciou em diversas manifestações artísticas no Brasil, basta ver o modo de vestir de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Quem nunca cantou a música "Olê mulher rendeira? Segundo o Padre Frederico Bezerra Maciel, regionalista pernambucano e biógrafo de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, o cangaceiro teria escrito os versos da versão original desta canção. A ele se acrescenta Câmara Cascudo, segundo o qual Lampião teria escrito a letra em homenagem ao aniversário de sua avó Dona Maria Jocosa Vieria Lopes ("Tia Jacosa") que era uma rendeira.

No mundo atual, a criminalidade assumiu contornos diversos, e hoje é um mal que todos os países, tentam combater, e que infelizmente na maioria das vezes sem sucesso. 

Na atualidade ocorre no Brasil um fenômeno social conhecido como Neocangaço que são grupos de criminosos fortemente armados dominam pequenas e médias cidades, assaltando instituições financeiras. Entendo que não dá pra traçar uma analogia entre o cangaço e essas ações empreendidas atualmente. Claro que razões sociais estavam por trás do cangaço, assim como também estão por trás do crime organizado moderno, mas as situações históricas, lá atrás e agora, são completamente diferentes.

Hoje as organizações criminosas estão envolvidas com bingos, cassinos, lenocínio, narcotráfico, lavagem de dinheiro e jogos ilegais. Por exemplo, o Comando Vermelho (C.V.), tem atuação fortemente com o tráfico de armas, roubos, narcotráfico, entre outros. O Primeiro Comando da Capital (PCC), que é formado por todos os tipos de criminosos, com atuação vasta, que vai desde a proteção, até a assassinatos encomendados, sequestros, roubos, etc.

Da mesma forma que ao falarmos do Coronelismo temos que falar do Cangaço, quando citamos as organizações criminosas, tais como as ligadas ao tráfico de droga, vem em nossa mente as milícias brasileiras.

É provável que as milícias existam desde muitos séculos atrás. São diversos os relatos de grupos de mercenários, revolucionários e grupos armados que atuavam na sociedade, como a revolução de Espártaco e a milícia do senador romano Catilina.

A registros que no Brasil as atividades milicianas começaram na década de 60, no bairro Rio das Pedras, na cidade do Rio de Janeiro. Os objetivos inicial dos milicianos eram: lutar contra os narcotraficantes; impedir o uso e tráfico de drogas; ganhar dinheiro através do serviço de segurança privada. As milícias avançaram para as organizações criminosas que conhecemos hoje em dia, quando policiais enxergaram a oportunidade de exploração de atividades econômicas nas comunidades carentes, principalmente após a expulsão dos traficantes.

A diferença original entre milicianos e traficantes era simples: os milicianos cobravam para oferecer segurança; já os traficantes, por sua vez, vendiam drogas ilegais e dominavam territórios das favelas, tornando-se o governo desses locais. Contudo, atualmente a diferença entre os dois grupos tornou-se inexistente ou complexa.

Juntando a toda essa forma de bandidagem, que já existiram e continuam a existir, hoje em dia o banditismo organizado está no alto da cúpula política e econômica. Os chamados bandidos de colarinho branco. Na realidade sempre existiram, apenas hoje são mais sofisticados e manipuladores. Já é constatado que os criminosos do colarinho branco não estão presentes apenas no âmbito político e econômico do país. Profissionais de todas as áreas podem estar sujeitas a cometerem o crime de colarinho branco. O que irá diferenciar será os que decidirão enveredar pelo caminho do crime em busca de vantagens financeiras e pessoais muitas vezes valendo-se do seu poder econômico, intelectual e social. Infelizmente a prática criminosa não acaba, mas sim se adapta aos novos meios estruturais da sociedade.

Se hoje não existem mais os coronéis de patentes figurativas, conferidas pelo Estado, hoje temos, numa nova roupagem, políticos e empresários corruptos que ditam as regras. Se não temos mais cangaceiros de bornal espalhados pelas caatingas, assolando os sertões com suas ações criminosas, hoje temos milicianos, grileiros, traficantes e quadrilhas espalhando as mais diversas formas de miséria e degradação humana. O que podemos chamar poder paralelo ao do Estado.

Entraves da sociedade brasileira, como a desigualdade social, a pobreza e a falta de acesso à Justiça e a outros serviços fornecidos pelo Estado, foram fundamentais para o surgimento do cangaço e continuam sendo entraves na sociedade atual.

Diversas políticas sobre segurança pública são instauradas no Brasil, mas o problema continua. Não vejo o Estado desenvolver uma estratégia de recuperação dos territórios dominados pelas milícias e por traficantes. As ações contra os colarinhos brancos continuam sendo regidas e orquestrada para não prender ninguém.  O que vemos é o ciclo do mandonismo, favorecimentos e apadrinhamento, continuarem a regendo de forma orquestrada sobre as muitas vidas desfavorecidas e necessitadas nos quatro quantos do país. Em outras palavras, a velha cultura política do clientelismo e da dependência.

Em síntese, sem usar a lente de ideologias políticas, não podemos omitir ao menos o fato de que fazemos parte de um país que, mesmo tendo evoluído em algumas áreas, ainda somos uma nação atrasada, carente de “heróis” que realmente estejam dispostos dar a vida para sanar essa doença, visando a construção de uma sociedade mais igualitária, democrática e segura.

Bem, por enquanto só nos resta cantar: "Se gritar 'pega, ladrão'/ Não fica um, meu irmão".