O livro “Subsídios para o estudo de problemas brasileiros” (1979) de autoria do professor Eurivaldo Tavares, no capítulo Saúde – Diagnóstico e Diretrizes, faz um raio X dos problemas da saúde no Brasil da época, evidenciando o enorme déficit de médicos, de enfermeiras e de leitos hospitalares, além do alto custo da medicina e dos produtos farmacêuticos. Além disso, complementa: “Os profissionais da medicina, além de poucos, são mal distribuídos, muito sofrendo o interior do país. Mais da metade dos municípios brasileiros não tem um só médico. De modo geral, os médicos recém-formados não são inclinados a se deslocarem para o interior...”. Alguma semelhança com o sistema de saúde no Brasil dos tempos atuais?
Voltando ao Brasil-Colônia, lembramos que o território brasileiro era ocupado unicamente por povos indígenas que já tinham algumas enfermidades, mas a colonização portuguesa trouxe diversas outras comuns na Europa, que não existiam por aqui. Isso causou um grande problema de saúde entre a população, já que os nativos não tinham imunidade para combater determinadas enfermidades; como consequência, milhares deles morreram. Como não existia infraestrutura na área de saúde, quem precisava buscar auxílio geralmente recorria aos pajés, curandeiros, boticários ou barbeiros.
Com a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808, o Brasil começou a receber mais investimentos em infraestrutura. Foram criados os cursos de Medicina, Cirurgia e Química.
Em 1822, D. Pedro I declara a independência brasileira com relação a Portugal, bradando: “Independência ou morte!” Relacionando o bordão com saúde pública, pode-se dizer que houve avanços durante o período Imperial – de acordo com o Dr. Drauzio Varella, pouco eficazes.
Na realidade, durante os 389 anos de duração da Colônia e do Império, pouco ou nada foi feito com relação à saúde. Não havia políticas públicas estruturadas, muito menos a construção de centros de atendimento à população. O acesso aos tratamentos e cuidados médicos dependia da classe social: pessoas pobres e escravos viviam em condições duras e poucos sobreviviam às doenças que tinham. As Santas Casas de Misericórdia foram, durante décadas, a única opção de acolhimento e tratamento de saúde para quem não tinha dinheiro. As pessoas nobres e colonos brancos, que tivessem terras e posses, tinham maior facilidade de acesso aos médicos e remédios da época.
Com a instauração da Republica do Brasil, em 1889, o Pais continuava sofrendo com epidemias e falta de saneamento básico. A cidade do Rio de Janeiro apresentava um quadro sanitário caótico, caracterizado pela presença de diversas doenças graves que acometiam à população, como a varíola, a malária e a febre amarela.
Na era do Estado Novo (Era Vargas) poucas foram as investidas no setor da saúde pública, podemos citar a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (1930) e o fortalecimento do Instituto Oswaldo Cruz, como referência nacional no controle epidemias e endemias.
É importante destacar a implantação da Lei Eloy Chaves, estabelecida pelo Decreto Legislativo 4.682/1923, que criou as chamadas Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs) para os empregados ferroviários. Depois estendida para empregados dos serviços de força, luz, bondes, mineração, para os telegráficos e portuários. As CAP’s concediam aos trabalhadores associados ajuda médica, aposentadoria, pensões, para dependentes e auxílio funerário. O Decreto n° 20.465/1931, estendeu o Regime da Lei Eloy Chaves aos empregados dos demais serviços públicos concedidos ou explorados pelo Poder Público Federal. É considerada a primeira lei de previdência social.
Posteriormente, as CAP’s existentes a época foram reunidas nos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP), organizados pelo Estado, como autarquias federais, por categoria profissional, surgindo, assim, uma previdência social de abrangência nacional. Todavia, a unificação dos IAP’s só ocorreu em 1977, por meio do Decreto-Lei nº 72/1966, após a criação do Instituto Nacional da Previdência Social (INPS).
Infelizmente, durante o regime militar, a saúde sofreu cortes orçamentários e muitas doenças voltaram a se intensificar. Em 1970, apenas 1% do orçamento da União era destinado para a saúde. Em 1977 foi criado o Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) que era ligado ao Ministério da Previdência e Assistência Social, e fornecia atendimento com uma ressalva: só eram atendidas as pessoas que tinham carteira assinada e contribuíam para a Previdência. O Inamps entra em declínio no final dos anos 1980, por pressão de movimentos por uma reforma sanitarista no País e por constituir um sistema, cuja conta não fechava: arrecadação não cobria os gastos.
Em setembro de 1990 tivemos a regulamentação do Sistema Único de Saúde (SUS). Na Constituição de 1988 ficou definido que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. A frase define a ideia de qualquer pessoa pode ir a uma unidade básica de saúde ou a um hospital público e receber atendimento de graça. O sistema brasileiro foi inspirado no britânico, o NHS (Nacional Health Service). O SUS não é apenas atendimento médico, mas também vigilância em saúde e fornecimento de medicamentos.
O SUS é o único sistema público de saúde do mundo que “atende uma população com mais de 200 milhões de pessoas” gratuitamente, universal (para todos) e financiado pelo dinheiro dos impostos. Dos países reconhecidos por possuírem sistema de saúde público e universal, como Reino Unido, Canadá, Dinamarca, Suécia, Espanha, Portugal e Cuba, nenhum tem população superior a 100 milhões de habitantes. Nos EUA não há sistema universal de saúde – é necessário pagar para ter atendimento ou remédios. O governo subsidia planos de saúde para alguns grupos específicos, como idosos ou pessoas de baixa renda – no entanto, mesmo para eles o atendimento e os remédios não são de graça. Na China, o sistema público de saúde não é gratuito, já que existem os seguros de saúde públicos e os privados.
Pelo que evidenciamos, apesar de inúmeras conquistas e avanços em sua história, o sistema saúde pública no Brasil continua enfrentando diversos problemas. O saneamento básico ainda é precário em várias regiões do Brasil. Temos retorno de doenças consideradas erradicadas ou controladas há muito tempo. Em muitos hospitais faltam leitos, principalmente quando trata-se de UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Além de que é comum a grande espera para atendimento. O mesmo acontece com a marcação de exames. Ressaltamos ainda que, a concentração e distribuição de médicos pelo território brasileiro é bastante desigual.
Todavia entendo que nosso SUS (Sistema Único de Saúde) foi uma das grande conquista da população brasileira, sendo reconhecido como um dos maiores do mundo e usado como modelo em muitos outros países. Entretanto, sofre desafios do mau gerenciamento e a insuficiência de investimentos financeiros. No Orçamento Público aprovado para 2020, que totaliza R$ 3,6 trilhões, foi destinado apenas R$ 125,6 bilhões para a Saúde. Isso corresponde à 3,5% do total, enquanto que a média mundial é de 11,7%. Atualmente, 75% dos brasileiros dependem exclusivamente do SUS, o restante da população utiliza a saúde privada.
Durante esta pandemia do coronavirus ficaram ainda mais evidentes alguns dos problemas do sistema de saúde do Brasil. Como por exemplo: a falta de profissionais, leitos, aparelhos, etc. Inclusive a atitude de nossos políticos. Talvez estes sejam o grande vírus da saúde brasileira.
“Um país onde falta saúde, educação, segurança e ainda pagamos os impostos mais altos do mundo, precisa ser repensado.” Marcos Ferreira.
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