17/10/2021

A Liberdade caminha sobre o fio da navalha

Fonte: Baixaki

Em decorrência da pandemia, chegamos à conclusão que o direito à liberdade não é absoluto e pode ser relativizado, sob pena de cometimento de crime, visto que em momento de pandemia, o interesse público se sobrepõe ao interesse privado. Isto mostra a fragilidade da nossa liberdade. O lockdown que consiste na obrigação de manter-se em isolamento social, bate de frente com o direito constitucional de ir e vir (artigo 5° inciso XV da Constituição Federal), fundamental para a liberdade de locomoção dos cidadãos. Enfim, ficamos proibidos de ir a um bar, fazer reunião com amigos, sair do estado ou do pais, visitar familiares e etc. Desrespeitando a política de isolamento e quarentena passamos a cometer crime. A população fica nesses momentos privada de liberdade.

Independentemente da pandemia, há muito tempo que a violência cresce no campo e nas cidades, já não temos mais liberdade de ir e vir como antes, nos trancamos a cada dia mais em nossos lares. Instalamos equipamentos de vigia externa, colocamos cadeado nos portões, mais fechadura na porta, isolamos o quarto da sala e do resto da casa.

Mas, o que é a liberdade? Segundo a filosofia, liberdade é definida como a independência do ser humano, o poder de ter autonomia e espontaneidade. De acordo com a ética, a liberdade está relacionada com responsabilidade, uma vez que um indivíduo tem todo o direito de ter liberdade, desde que essa atitude não desrespeite ninguém, não passe por cima de princípios éticos e legais.

A Liberdade guiando o povo – Eugenne Delacroix
Museu do Louvre

Podemos afirmar que este vocábulo, representa o bem mais sagrado da vida. É o bem maior que repousa no coração do homem. Como pressuposto do lema revolucionário francês a “Liberdade” representava a identidade democrática, que não privilegiava interesses particulares em prejuízo do bem público e do cidadão.

Os povos antigos, sábios e sacerdotes, agrupavam-se em templos que diziam ser proibidos ao Vulgo (a classe popular, a plebe, o povão), a fim de estudarem os fatos científicos que originaram as divisões da ciência em várias disciplinas. Ao lado dos estudos científicos, técnicos realizavam o estudo dos fatos sociais com a preocupação de dar aos seres humanos, condições de vivência justa.

Após dotar a sociedade de estruturas que permitiram a vivência do homem em agrupamento, passou a sociedade a dedicar-se à libertação dos povos, à extirpação da inquisição e da escravatura.

Se ontem a luta era contra a prepotência, os dominadores, o absolutismo e as leis injustas, hoje se tem pela sua frente o monstro da corrupção para ser enfrentado. Deve-se a pobreza moral do ser humano, a implantação desse mal, que oriundo do orgulho e do egoísmo, elimina vidas, desagrega famílias. Vemos em pleno século XXI atos brutais de terrorismos, atentados, ditaduras, sequestros, assaltos, enfim, a violência campeia em todos os seguimentos sociais.

Será que está tudo perdido? Não, basta analisarmos os preceitos morais que nortearam, norteiam e hão de nortear a sociedade humana para que possamos nos posicionar em guardar contra o monstro voraz dos inescrupulosos, dos corruptos, etc.

Cabe agora à nossa Sociedade libertar o homem. Trabalho árduo, mas, necessário. Não mais a libertação física, mas libertação moral, libertação do seu interior, numa certeza que existe uma vida futura.

Para Rousseau, o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe. Da mesma forma, o homem nasce livre, mas por toda parte se encontrará acorrentado por fatores como sua própria vaidade, fruto da corrupção do coração. O indivíduo se torna escravo de suas necessidades e daqueles que o rodeiam, o que em certo sentido refere-se a uma preocupação constante com o mundo das aparências, do orgulho, da busca por reconhecimento e status.

Para se conquistar um maior grau de liberdade é fundamental o fortalecimento da paciência e da tolerância frente às frustações em geral. É poder ver cada novo dia uma nova esperança brotar. É acreditar que as pessoas podem mudar, se delas partir essa decisão. Liberdade é olhar para o céu, mas em toda a parte se vê acorrentado.

Não podemos esquecer que os vícios limitam os nossos atos livres. São, portanto, uma forma de escravidão, pois nos tornam dependentes deles.

A verdadeira liberdade não é fazermos tudo o que queremos como: depredar o bem público, como se ele não fosse nosso, jogar detritos pela janela da casa ou do carro, quebrar os ônibus da cidade, ligar o rádio no máximo, pois quer ouvir música alta, bater e ferir emocionalmente as pessoas ou mesmo ter vícios para fugir da realidade. Isso não é liberdade, é falta de domínio próprio, é ser escravo. Ter a capacidade de escolher e seguir qual o melhor caminho, ainda que tenha todas as possibilidades ao seu alcance, é a cereja do bolo. É controlar-se mesmo em situações adversas, escolher as atitudes que lhe farão bem.

Haverá necessariamente conflitos de liberdades. A liberdade de uns necessariamente estará impactada pela liberdade dos outros. Imagine-se que, no exercício de sua liberdade de ir e vir, uma boa parte da humanidade decidisse, simultaneamente, estar no mesmo momento no Pico do Everest. A liberdade de ir e vir de muitos estaria limitada. Ou imagine que, em uma assembleia de cem pessoas, todas resolvessem simultaneamente exercer a liberdade de discursar.

A Liberdade não é só poder sair por aí, caminhando, respirando, vivendo, amando, partindo, voltando, e sim estar bem com seu espírito, seguir sua vontade sem obstáculos, sem amarras. É poder olhar as pessoas e ver o lado bom deles, é olhar a vida com os olhos da alma e poder alçar voos mais altos em busca da evolução. É meditar, ouvir, é sentir sua verdadeira essência, é sempre querer ser alguém melhor, e também querer que os outros sejam.  Ser livre é poder escolher o que você quer para a vida, mesmo que para os outros não seja a escolha certa. 

Enfatizo que a liberdade deve sempre vir acompanhada de responsabilidade. Assim, “ser livre” é também não se vincular a compromissos para os quais não estamos preparados.

Liberdade é desenvolver a criatividade, descobrindo sempre novas possibilidades. É ser inocente, sem ser ingênuo. É aumentar a cada dia a sensação de vitalidade. É sentir-se desobrigado a agradar constantemente os outros. É não precisar justificar-se a todo momento.

Liberdade é sermos nós – plenos de defeitos e imperfeições – devotados para poder talhar a pedra pela construção contínua de uma sociedade mais justa e perfeita.

Para terminar lembramos do Hino da Proclamação da República do Brasil, escrito por Medeiros de Albuquerque, que apresenta um importante conceito de liberdade: "Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós!". E de uma frase do livro “O Fio da Navalha” de W. Somerset Maugham: “Difícil é caminhar sobre o aguçado fio de uma navalha. Árduo, dizem os sábios, é o caminho da Salvação”.

Quem não se comunica, se trumbica

Discoteca do Chacrinha foi um programa de variedades da televisão brasileira apresentado por Abelardo "Chacrinha" Barbosa em várias emissoras (Fonte: observatoriodatv)

O escritor e jornalista macauense (RN) Vicente Serejo, escreveu um artigo com o título “Vesgos”. Segundo ele, o fenômeno “vesgos” nasce de polarização que divide brasileiros e impede a visão correta do Brasil; os que apoiam candidato “A” não enxergam erros do seu candidato e os que apoiam o candidato “B” olham em seu candidato o exemplo da virtude. O efeito imediato é a vesguice, um verdadeiro vício “vesgueiro”, que acaba por fomentar uma visão política brasileira atual completamente distorcida, cheia de intolerância e sem limites, jogada num fosso profundo.

As recentes manifestações de rua, por todo país, reforçam o pensamento do jornalista Vicente Serejo. Podemos até entender a indignação e frustração do povo com os descaminhos da política, mas fazer manifestação pedindo intervenção militar e, pior, retorno do AI 5 (Ato Institucional 5) é desconhecer totalmente a história do Brasil. Acredito que a maioria destas pessoas nem eram nascidas na década de 60 e 70.  Há muito tempo ouvimos a frase: “O brasileiro tem memória curta!”. Vou mais longe, a memória do brasileiro não dura sequer seis meses.

Ao longo de mais de 150 anos, a postura do poder constituído frente às ideias dissonantes que emergiam da sociedade variou de uma repressão ferrenha à relativa liberalização, por vezes centrando fogo nas questões políticas, outras posicionando-se em defesa de uma suposta moral da família brasileira. 

A censura no Brasil, tanto cultural como política, ocorreu durante todo o período após a colonização do país. A imprensa brasileira, por exemplo, teve um nascimento tardio, como tardios foram o ensino superior, a própria independência política e a abolição da escravatura. As três primeiras tentativas de surgimento da imprensa no Brasil, tanto em Pernambuco (1706), Rio de Janeiro (1747) e Vila Rica – Minas Gerais (1807) foram suprimidas por ordem do governo português.

O objetivo da Coroa era manter a Colônia ainda em seu domínio, nas trevas e na ignorância. Era coibida toda e qualquer atividade de imprensa (jornais, livros ou panfletos). A Coroa proibia circular em seus territórios e suas colônias todas as obras de teor iluminista ou que criticassem a  Igreja Católica e a monarquia absolutista instituída em Portugal.

A Gazeta do Rio de Janeiro foi o primeiro jornal publicado em território nacional. Começou a circular em 10 de setembro de 1808. Infelizmente, pouco mais de um mês depois, uma série de medidas renovou os dispositivos referentes à censura e à vigilância sobre os impressos. A situação da imprensa só se alterou em março de 1821, quando D. João ordenou por decreto a suspensão da prévia censura, mas sob a condição de que dois exemplares de cada impresso seriam obrigatoriamente remetidos ao Diretor de Estudos, para análise das provas que se tinham de cada folha na imprensa. Em 28 de agosto de 1821, D. Pedro alterou a Lei da Imprensa, determinando a liberdade de imprensa, porém foram caracterizados os chamados crimes de imprensa com punições.

A censura foi em tese abolida com a lei de imprensa de outubro de 1823, assinada por D. Pedro I. Esse decreto estipulou que nenhum escrito estaria sujeito a censura, mas não impedia que o imperador fizesse uso de outras prerrogativas para perseguir aqueles que o atacavam nos jornais.

Um fato interessante sobre D. Pedro I era que gostava de publicar artigos inflamados contra seus adversários no jornal “O Espelho”. Era considerado um jornalista panfletário, irreverente e polêmico. Utilizava vários pseudônimos: “Simplício Maria das Necessidades”, “O Inimigo dos Marotos”, “Derrete Chumbo a Cacete”, “Piolho Viajante”, etc.

A constituição brasileira de 1824 estabeleceu a liberdade de imprensa como norma, mas incluía limitações suficientemente vagas para aplicações de restrições e represálias.

Importante lembrar que o jornalista João Soares Lisboa, editor do Correio do Rio de Janeiro, foi o primeiro a defender, através da imprensa, a convocação de uma constituinte brasileira e a primeira pessoa processada no Brasil por abuso da liberdade de imprensa (1822), do mesmo modo que o jornalista Líbero Badaró foi o primeiro jornalista a ser assassinado no Brasil em virtude do que escrevia. Era um crítico em relação ao autoritarismo do Imperador e defensor de que a imprensa deveria ser tanto livre quanto responsável. Morreu em novembro de 1830, em consequência de um atentado a bala.

Do ponto de vista da liberdade de imprensa, o Reinado de Pedro II é incomparável, principalmente decorrente da postura tolerante do monarca frente às críticas escritas e ao deboche das caricaturas. Os jornais que pregavam a mudança da forma de governo nunca foram reprimidos por isso.

Com a proclamação da República (1889), ocorreu a volta aos tempos de cerceamento da liberdade e dos atos de violência, no início, sobretudo, contra os poucos jornais que se mantinham monarquistas, por parte de agentes e simpatizantes do governo.

No fim de 1889, surge a primeira lei de censura republicana, ou seja, a junta militar passa a ter o direito de processar jornalistas e puni-los. Ocorreu o fechamento de diversos jornais. Além da repressão, não foram poucos os casos em que recursos públicos foram utilizados para corromper jornais e jornalistas, em especial sob o governo Campos Salles (1898-1902).

No governo Arthur Bernardes (1923) foi criada a Lei de Imprensa Brasileira (lei de censura) para estabelecer limites de atuação da imprensa.

Um dos exemplos de censura mais conhecidos é o do Barão de Itararé. Em 1932, após mais de cinco anos de implacáveis sátiras à sociedade e à política em geral, Aparício é sequestrado e espancado por policiais da marinha, nunca identificados. O episódio não o fez abandonar seu ofício. Mantendo o espírito satírico, afixou o seguinte aviso na porta de seu escritório: “Entre sem bater”.

O nascimento do Estado Novo, em 1937 (Era Vargas), além de haver uma grande censura aos meios de comunicação, exilio e tortura de jornalistas e intelectuais que faziam críticas ao regime, foi também instituído uma espécie de culto à personalidade ao ditador Getúlio Vargas, semelhante à adoração que havia à Adolfo Hitler (Alemanha) e à Benito Mussolini (Itália).

Em 1939, foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que era encarregado do aparato de censura e da propaganda oficial. Objetivos principais: fazer censura do teatro, do cinema, das funções recreativas e esportivas, da radiodifusão, da literatura social e política e da imprensa.

Em março de 1940, registrou-se um dos casos mais notórios de intervenção em jornais com a invasão pela polícia de “O Estado de S. Paulo”; o jornal permaneceu sob intervenção do DIP até o final do Estado Novo (1945).

No período democrático entre 1946 e 1964, a censura centrou-se em questões morais e atuava em grande medida em função da pressão de setores conservadores da sociedade, preocupados especialmente com o cinema (decreto 20493), que experimentava uma popularização sem precedentes e começava a ousar em cenas e enredos.

O período de 1964 a 1985 foi sombrio para o exercício da liberdade de imprensa. A princípio, embora as lideranças políticas identificadas com o antigo governo e à esquerda dele tenham sido perseguidas, não houve maior repressão à imprensa, entretanto, em pouco tempo a censura ganhou força multiplicadora e se voltou para questões políticas. Era considerada subversivas e perigosas para a unidade nacional quaisquer manifestações que envolvessem algum tipo de crítica ao regime vigente, ao cotidiano nacional e às “tradições brasileiras”. O endurecimento do regime militar com a edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), no dia 13 de dezembro de 1968, reintroduziu a censura direta e indireta em níveis só comparáveis ao período mais duro do Estado Novo (1937-1945).

Parecer da censura recomendando a proibição da canção "Partido Alto", de Chico Buarque (Fonte Arquivo Nacional).

Em 1970 uma portaria formalizou esta prática em caráter mais duradouro e enfatizava a censura sobre publicações consideradas “subversivas” ou “obscenas.” Nesse período, censores foram colocados nas redações dos jornais, com uma lista de tópicos que não deveriam ser abordados, e até mesmo palavras que não poderiam ser faladas. A partir do governo Geisel a atuação da censura começou a arrefecer, mas não cessou, estendendo-se até mesmo além do governo Figueiredo.

Entretanto, graças a constituição de 1988, a proteção à liberdade de expressão e de pensamento foi firmada com tamanha amplitude. Afirma: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Apesar de transcorridos apenas 35 anos (1985-2020), este é o maior período da Era Republicana em que houve plena vigência das instituições democráticas, principalmente após a Constituição 1988. Com o retorno à democracia, conseguimos reaver os nossos direitos fundamentais, entre eles, o da liberdade de expressão que é vital para o próprio funcionamento da sociedade democrática, haja vista que a imprensa (escrita, televisiva ou virtual) tem o poder de fiscalizar o exercício da atividade pública, bem como supervisionar e denunciar abusos de autoridade e crimes que venham a ser praticados por membros de instituições públicas. Liberdade de expressão é um dos “pulmões” da democracia.

Fonte: mekstein.blogspot

A Democracia outorga liberdade, mas a mesma não significa permissividade ou licenciosidade, pela qual se pode abusar da liberdade para a prática do mal e de tudo o que é proibido, e sim, traduz-se pelo uso responsável dos direitos e o exercício consciente dos deveres. Nesse aspecto todos nós temos que nos policiarmos, principalmente em decorrência das redes sociais disponíveis nos tempos atuais (facebook, whatsApp, twitter, Messenger, etc). 

Já dizia o grande pernambucano Abelardo Barbosa, o Chacrinha: “Quem não se comunica se trumbica”. Se Chacrinha fosse vivo, faria um complemento: “porém sem fakenews”.