17/01/2023

“Voa, canarinho voa, mostra pra esse povo que és um rei”

Rádio portátil Mitsubishi M8x

Logo após a eliminação da nossa querida canarinho, da Copa do Mundo do Catar, recebi uma mensagem, através do whatsapp, do amigo paraibano Marcílio Coutinho, cobrando uma crônica sobre a Copa. De imediato achei uma boa ideia escrever sobre o assunto.

Um filme passou na minha mente sobre a primeira copa do mundo, a qual tive conhecimento. Ocorreu em 1966, vendo o meu querido pai José Romeu Viana escutando jogos da Copa do Mundo na Inglaterra, pelo rádio portátil Mitsubishi M8x. Nessa época, morávamos em Solânea na Paraíba. Apesar de ainda não entender de futebol, os resultados da seleção brasileira, não o deixaram feliz. Todavia, quatro anos depois, já com o futebol mais vivo na minha vida, tive a alegria de vibrar com todas as vitórias da nossa seleção na Copa do Mundo de 1970. Infelizmente tivemos que acompanhar os jogos pelo rádio, pois na cidade em que eu morava, a recepção dos canais de TV deixava a desejar. Após cada jogo da seleção, eu e meus amigos do bairro, dirigimos para um pequeno campo de futebol, perto de minha residência, para virarmos os Pelés, Rivelinos, Tostãos e Jairzinhos da época.

Não há como não lembrar da ótima marchinha de Miguel Gustavo, que converteu-se no hino semioficial da Seleção: “Noventa milhões em ação / Pra frente, Brasil, do meu coração (...) De repente é aquela corrente pra frente / Parece que todo o Brasil deu a mão (...) Todos juntos, vamos, pra frente, Brasil”.  Tempo bom!

Quatro anos depois assisti pela primeira vez uma Copa do Mundo pela televisão (imagem colorida). Bem, a alegria foi apenas assistir os jogos, pois a seleção foi um fracasso. Como diz a música do cantor Cazuza, “O Tempo Não Para”. Cinquenta e dois anos se passaram da Copa de 70. Nesse período, algumas alegrias e muita tristeza com a nossa Canarinho. Mas isso faz parte. Não somos os únicos a jogarmos futebol sobre a face da terra.

Nesse momento, vamos passear um pouco no tempo. Começaremos com a quarta Copa do Mundo, que foi realizada no Brasil em 1950. Foi a primeira Copa do Mundo depois da interrupção de 12 anos causada pela Segunda Guerra. Destruídos e abalados pela longa guerra, nenhum dos países europeus tinha condição de sediar a quarta Copa do Mundo. O Brasil foi o único candidato.

Após trilhar um caminho de goleadas nas primeiras fases do mundial, o Brasil chegou como o grande favorito no jogo decisivo, contra a seleção do Uruguai, precisando apenas de um empate para levantar a primeira taça mundial. Mas infelizmente o resultado foi 2 a 1 para o Uruguai. O Brasil, deixou escapar um título que era tido como certo. A partir dali, começava o maior julgamento na história do futebol. A seleção brasileira abriu o placar, mas cedeu o empate. O resultado ainda era o suficiente para a seleção canarinha, mas o goleiro Barbosa tomou um gol, em um lance relativamente fácil.

A culpa da eliminação caiu toda sobre as costas do goleiro Barbosa. Aquele que na época era considerado o melhor arqueiro do país, ficou marcado como o maior responsável pela derrota da seleção.  O lance marcou sua carreira e até hoje ele é conhecido como o “homem que fez o Brasil chorar”. Na verdade o que aconteceu, foi que o Uruguai jogou bem e o Brasil teve uma tarde infeliz. Vale lembrar que poucos meses antes, as duas seleções haviam se enfrentado num amistoso preparatório e o Uruguai tinha levado a melhor: 4 x 3.

Depois da ressaca do Maracanaço, no mundial de 1950, a seleção brasileira passou por uma reformulação, tendo em vista a Copa do Mundo de 1954, que se realizaria na Suíça, terra dos relógios e chocolates. Passou a contar com jogadores que fariam história com a amarelinha, mas não em 1954. O elenco contava com, entre outros, Nilton Santos, Djalma Santos e Didi. Naquela Copa, o Brasil dava aula de qualidade técnica quando entrava em campo. Até o uniforme foi mudado. A famosa camisa amarela fez a sua estreia em Copas, substituindo a branca, considerada um dos fatores de "azar" na derrota para o Uruguai, em 1950. Nas quartas de final, a rival foi a poderosa Hungria, que não deu chances ao Brasil. O Brasil perdeu por 2 x 1 e foi eliminado. Neste jogo, a vítima foi o zagueiro Pinheiro. Logo aos quatro minutos de jogo o defensor tentou sair driblando dentro de sua própria área e entregou a bola para os adversários abrirem o placar.

Depois de cinco tempestades em Copa do Mundo, veio a bonança. Ganhamos a primeira Copa do Mundo em 1958 e quatro anos depois a segunda Copa do Mundo. Como dizia Nelson Rodrigues, a seleção passou a ser a pátria de chuteiras.

Mas nem tudo são flores, principalmente no futebol. Quatro anos depois fomos para a “Terra da Rainha" disputar nossa sétima Copa do Mundo. O Brasil vinha agora de um bicampeonato com os títulos de 1958 e 1962, período que surgiram os dois maiores gênios do futebol brasileiros: Rei Pelé e Mané Garrincha.  Todavia, a campanha em 1966 foi um vexame histórico refletido no 11º lugar da Seleção. A seleção brasileira apresentou um futebol apático, sem criatividade, sendo facilmente dominada por equipes um pouco mais estruturadas, como Hungria e Portugal.

Durante os anos, vários fatores foram apontados como responsáveis pela queda precoce, dentre os quais o envelhecimento dos bicampeões mundiais, que fizeram parte do grupo, casos de Gilmar, Bellini, Djalma Santos e Garrincha.

Mas, graças a Deus, na Copa do Mundo realizada em 1970, o Brasil se redime de 1966 e, comandado por genialidade de Pelé e craques como Tostão, Jairzinho, Gerson, Rivellino & Cia., conquista o tri e, para sempre, a Jules Rimet.

Depois da conquista do Mundial em 1970, o Brasil passou por uma grande renovação na preparação para a Copa do Mundo de 1974. A Seleção avançou à Segunda Fase, mas foi eliminada pelo Carrossel Holandês. Para a imprensa, o mau desempenho era resultado do estrelismo dos jogadores, pouco comprometidos com a missão nacional de ganhar o tetracampeonato e uma nova superioridade técnica dos times europeus. Políticos propuseram a instalação de uma CPI para investigar a CBD, atribuindo o fracasso à má gestão.

Na Copa do Mundo de 1978, a expectativa era de um futebol revolucionário, mas o que se viu foi o contrário. Um futebol muito burocrático e de pouca inspiração. O Brasil não fez uma boa Copa, longe disso, mas uma goleada suspeita dos donos da casa no Peru tirou o Brasil da final. O treinador Claudio Coutinho foi massacrado pela imprensa, mesmo com o terceiro lugar no mundial. O pior, terminou a Copa invicto. O técnico Cláudio Coutinho, então, cunhou uma expressão que até hoje serve para definir o desempenho brasileiro naquele mundial: "somos os campeões morais".

Em 1982, a seleção canarinha era favorita, já que apresentava o melhor futebol disparado. Para muitos, a seleção de 1982 era tão boa quanto a de 1970 mas acabou eliminada na segunda fase da Copa de 1982, após derrota para a Itália. O Brasil parou contra o disciplinado time italiano de Paolo Rossi. A atuação de Rossi foi espetacular, fazendo os 3 gols da Itália, mas para os brasileiros, o maior culpado pela derrota foi Toninho Cerezo. Em um momento da partida, Toninho tentou sair jogando, mas um erro de passe terminou no segundo gol da Itália. Depois, o Brasil tomou outro gol, que ocasionou sua desclassificação do torneio. Uns culpam Telê Santana por não ter segurado o empate. Alguma lembrança da Copa do Catar? Outros olham para os erros individuais de Júnior no primeiro e no terceiro gol. Na verdade, o erro coletivo de marcação no primeiro gol e falha na bola parada, explicam derrota largamente romantizada. A derrota foi batizada pela imprensa de “Tragédia do Sarriá”. Um trauma eterno de uma seleção que não conquistou a Copa, mas conquistou o mundo.

Após a decepção da Seleção Brasileira na Copa de 1982, o Brasil teria uma nova chance para buscar o tetracampeonato na Copa de 1986, realizada no México, após desistência da Colômbia, porém nas quartas de finais, o Brasil foi eliminado pela França. Durante o jogo, a seleção brasileira teve um pênalti assinalado ao seu favor. O craque Zico foi para a cobrança, mas não fez o gol. Infelizmente o jogo foi para a disputa de pênaltis e a França bateu o Brasil. Assim como nas copas anteriores ensinaram, nem mesmo os grandes craques brasileiros escaparam de falhar em momentos cruciais na competição. Porém, na Copa do Mundo de 1986 no México, essa máxima ultrapassou todos os limites, pois pela primeira vez, o ídolo máximo do Brasil, seria crucificado.

Na Décima quarta copa do Mundo realizada na Itália, a seleção canarinho parou nas oitavas após perder para Argentina. Faltando dez minutos para o final, Maradona resolveu acordar no jogo, driblou boa parte da defesa brasileira e tocou para Caniggia mandar a bola para a rede de Taffarel. O técnico Sebastião Lazaroni, caiu em desgraça após a Copa. O curioso é que a melhor atuação da equipe foi justamente na partida da eliminação.

Finalmente, em 1994, nos Estados Unidos, a canarinho ganhou pela quarta vez uma Copa do Mundo. O Brasil chegou aos Estados Unidos desacreditado. A seleção sofreu para passar pelas eliminatórias sul-americanas. Porém, durante a Copa, o time mostrou consistência e tranquilidade para buscar os resultados e levá-lo a final contra a Itália. Pela primeira vez, o título seria decidido nos pênaltis. E o time brasileiro foi mais competente. O planeta bola se tornava novamente verde-amarelo.

Escrever sobre participação do Brasil na Copa do Mundo de 1998, na minha opinião, resume-se principalmente em lembrar da dolorida derrota por 3 a 0 da seleção brasileira para a França na final. O Brasil jamais havia perdido um jogo de Copa do Mundo por tamanha diferença de gols. O clima para a seleção brasileira na grande final não foi dos melhores. No quarto do hotel, Ronaldo teve uma convulsão, mas mesmo assim disse que estava bem e pediu para jogar. Então, Zagallo escalou o fenômeno, que apático, assim como o elenco brasileiro, não impediu o placar negativo de 3 a 0 com um show de Zidane. Após o término do jogo, várias teorias da conspiração começaram a pairar no ar. Dentre elas, de que Ronaldo e o elenco brasileiro teriam entregado o jogo para a França, após acordo com a Nike. Por conta disso, uma CPI foi instaurada e jogadores e o técnico Zagallo foram convocados, mas as especulações não saíram do papel.

Agora era a vez da Copa do Mundo 2002. Após passado o pesadelo das eliminatórias, tendo em vista os seguidos maus resultados da equipe, levando ao Brasil só garantir a classificação na última rodada, o Brasil chega a final contra Alemanha. Com dois gols de Ronaldo fenômeno, e finalmente conquista do pentacampeonato.

Novo objetivo. A conquista do hexacampeonato. Mas infelizmente nas duas copas consecutivas o Brasil cai nas quartas de final.

Em 2006, perdeu para a França. O único gol foi anotado pelo francês Thierry Henry, já na segunda etapa. Após esse tento, surgiu o grande “vilão” por parte do lado brasileiro, o lateral-esquerdo Roberto Carlos. Ele estava ajeitando os meiões, justamente no exato momento em que Zidane cobrava falta no campo ataque, que resultou em gol de Thierry Henry. Roberto Carlos foi considerado por muitos, um dos principais culpados pela eliminação brasileira, naquela copa, mesmo em um time que já apresentava problemas.

Já em 2010, a eliminação ocorreu após perder para Holanda pelo placar de 2 x 1. O Brasil abriu o placar mas a Holanda empatou após um esbarrão do criticado Felipe Melo no goleiro Júlio César. Em seguida, a Holanda fez o segundo gol. Felipe Melo confirmando o seu estilo temperamental, pisou no jogador holandês e foi expulsão.

Em 2014, voltamos a ter uma Copa do Mundo no Brasil. A Seleção Brasileira chega a semifinal contra a Alemanha, com uma campanha convincente, mas nessa fase aconteceu o fatídico 7x1. Performance desastrosa dos atletas brasileiros. Nem o brasileiro mais pessimista imaginava, mas o Maracanaço se tornou um Mineiraço.  No fim do jogo, declarou o técnico Luiz Felipe Scolari: “A responsabilidade pelo resultado catastrófico é minha”.  Bem, de quem é, eu não sei, mas manchou para toda eternidade a história do futebol canarinho.

Chegamos na Copa do Mundo da Rússia. Quatro anos tinham se passado dos 7x1. A seleção tinha feito uma tranquila eliminatória. A seleção chega as Quartas de Final mas novamente o sonho do hexa é adiado. Perde para a Bélgica e volta para casa. Desta vez o bode expiatório, foi o jogador Fernandinho, errou na maioria dos botes que tentou durante o jogo e abriu o placar da derrota para a Bélgica, fazendo um gol contra, sem nenhum adversário próximo dele. Para completar, não parou a arrancada do jogado Belga Lukaku no lance do segundo gol da Bélgica.

Depois desse passeio no tempo, chegamos em 2022 na Copa do Catar. Para não sair da rotina, a canarinho foi eliminada mais uma vez nas quartas de final. Lembrando de uma frase de Nelson Rodrigues: “Nas derrotas muito amargas, a tendência natural da torcida é caçar, por toda parte os culpados”. Na verdade, isto tem sido feito em todas as vezes que o Brasil não ganha uma Copa do Mundo. E agora José? Diria Carlos Drummond. O jogo acabou. E o que fazer agora? A resposta existe, se o Brasil voltar ao seu passado com respeito e depois com olhar crítico para buscar melhorar no futuro.

Não podemos esquecer que a seleção brasileira ainda é a única a ostentar cinco títulos mundiais. Se pensarmos que existem oficialmente 195 países do mundo e que apenas sete países tiveram esse feito em noventa e dois anos, talvez consigamos entender como é difícil ganhar uma copa do mundo e valorizar o que o Brasil fez até hoje, sem buscarmos tantos “bodes expiatórios”.

Em um estudo realizado na Universidade de Amsterdã, pesquisadores descobriram que os jornais mais sensacionalistas, costumam ter uma estratégia em comum: fazer com que a população procure um culpado para tudo o que acontece.

O cartunista americano Bill Watterson tem uma frase que diz: “Não há nenhum problema tão terrível que você não pode adicionar um pouco de culpa e torná-lo ainda pior.

Algumas derrotas do escrete canarinho, foram dotadas da dramaticidade das tragédias gregas e capazes de colocar o torcedor diante de indagações metafísicas sobre o sentido da vida e outros babados.

A derrota é uma perda, é uma decepção, é uma certeza de oportunidade desperdiçada, talvez a última de suas vidas, e se assemelha ao luto. Eu acredito que a vida seria péssima se tivéssemos tudo que desejamos. Se bastasse esfregar a lamparina mágica e pedir algo para um gênio realizar, a vida seria um porre. Por isso inventaram o tempo, para dosar nossas decisões, para aprendermos a dar valor nas vitórias e nas derrotas, algumas vezes, também. Quem sabe se daqui a quatro anos não cantaremos novamente: “Voa, canarinho voa Mostra pra esse povo que és um rei”.