25/07/2023

CHORA SANFONINHA CHORA CHORA

Em um dos versos do nosso querido Hino Nacional nos diz: “Gigante pela própria natureza. És belo, és forte, impávido colosso. E o teu futuro espelha essa grandeza. Terra adorada[...]. Esse verso ressalta muito bem a variedade de riquezas naturais do Brasil. Acredito que possamos complementar dizendo não só gigante pela própria natureza mas também gigante pela riqueza cultural que temos em todas regiões do Brasil. Por exemplo podemos citar as festas juninas que costumam ser dedicadas aos três santos - Santo Antônio, São João e São Pedro – principalmente no Nordeste do Brasil. Entretanto, apesar das comemorações estarem tão entranhadas na cultura brasileira, é interessante destacar que algumas dessas práticas são heranças absorvidas da tradição portuguesa, em especial os aspectos religiosos.

As festas juninas são conhecidas popularmente por serem de caráter alegre, com brincadeiras, comidas típicas, simpatias, e muito forró. Fogueiras, bandeirolas, quadrilha, fogos de artifício e bandeiras dos santos são alguns dos símbolos de uma festa junina.

A fogueira é um dos elementos de mais destaque nas festas juninas e tem especial ligação com o dia de São João, pois foi por meio de uma fogueira que sua mãe, Santa Isabel, avisou Maria, mãe de Jesus, que o filho tinha nascido. Cada santo junino tem um tipo diferente de fogueira, sendo a de santo Antônio quadrada, a de são João redonda e a de são Pedro triangular. Os balões foram criados para lembrar as pessoas do início da festa. As bandeirolas surgiram por causa dos três santos: são João, santo Antônio e são Pedro, onde estes eram pregados nas bandeiras para serem admirados durante a festa. Os fogos de artifício são usados para espantar os sentimentos ruins, os maus espíritos. A quadrilha é uma forma de agradecimento pelas boas colheitas, feita aos santos juninos. A origem desse tipo de dança é o bailado trazido da França entre o século 18 e 19 e popularizado na sociedade rural. A origem francesa da dança é perceptível através de alguns termos comuns, que são usados nesses momentos pelos narradores das quadrilhas, como “anarriê”, por exemplo, que em tradução livre significa “para trás”.

As simpatias são uma forma de trazer maiores crenças, como sorte na vida e no amor. A maior parte dessas simpatias era de adivinhações, principalmente relacionada com o casamento.

O folcloristas Câmara Cascudo, em seu livro Superstições no Brasil, diz o seguinte: Em noite de São João passa-se sobre a fogueira um copo contendo água, mete-se no copo sem que atinja a água um anel de aliança preso por um fio, e fica-se a segurar o fio; tantas são as pancadas dados no anel nas paredes do copo quantos os anos que o experimentado terá de esperar pelo casamento. (p. 148).

Quem não se lembra da música “Brincadeira Na Fogueira” (1967), do compositor paraibano Antônio Barros: Tem tanta fogueira, tem tanto balão. Tem tanta brincadeira, todo mundo no terreiro faz adivinhação. Meu são João, eu Não. Meu são João, eu Não. Eu não tenho alegria. Só porque não vem. Só porque não vem. Quem tanto eu queria. Danei a faca no tronco da bananeira. Não gostei da brincadeira, Santo Antônio me enganou. Sai correndo lá pra beira da fogueira, vê meu rosto na bacia a água se derramou”. Nessas simpatias, normalmente o coitado do Santo Antônio sempre é sacrificado, sendo colocado de cabeça para baixo até que a pessoa arrume um companheiro.

Segundo a doutora Zulmira Nóbrega em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia o São João é uma festa completa. Ele não é uma festa como o carnaval. No Carnaval você vai, você dança, você se diverte e acabou. O São João tem todo um conjunto de símbolos ali dentro (…) que é a comida típica, a comida de milho, as bandeirinhas, as quadrilhas, o forró, o vestir, as brincadeiras.

Bem, não tem como falar sobre festa junina, é não lembrar de imediato de forró. O forró é uma expressão artística nordestina. Trata-se de uma manifestação cultural bem ampla e que se consagrou como ritmo musical, mas também como um estilo de dança,

Chamado em sua origem de “forrobodó”, o surgimento do forró pode estar relacionado a bailes populares que aconteciam no final do século XIX. Na época, era necessário molhar o piso do local onde essas festas aconteciam, pois era feito de "chão batido", não tendo revestimento, e a dança acontecia na própria terra. Durante a dança, as pessoas costumavam arrastar os pés para evitar que a poeira levantasse. Foi então que surgiu a expressão “rastapé” ou “arrasta-pé”. O ritmo também teve influência de ritmos holandeses e portugueses e das danças de salão europeias.

Uma conhecida anedota diz que a palavra forró teria surgido de uma corruptela de "for all" ("para todos", em inglês) em bailes abertos ao público promovidos por trabalhadores gringos no Nordeste. O mais provável é que seja apenas uma lenda, verossímil por causa do espírito popular do ritmo, e a verdadeira origem tenha a ver com a expressão francesa faux-bourdon (algo como "falso bordão", uma técnica de harmonização musical).

Como um ritmo típico da região nordeste do país, o forró acrescenta a dança e vários instrumentos musicais de forma única em sua composição que são: a sanfona, a zabumba e o triangulo. Podemos ser taxativa ao afirmar que não existe forró sem sanfona, zabumba e o triangulo.

A sanfona não é um instrumento brasileiro, mas foi adotado por nós. Faz parte da cultura brasileira. Lembramos que o mais primitivo ancestral da sanfona hoje conhecida, segundo pesquisadores, surgiu na China, em 2700 a.C., com a denominação de “Cheng”. Suas primeiras características eram de um instrumento de sopro, pois, além de ter um recipiente de ar, canudo de sopro e tubos feitos de bambu, esse instrumento transmitia sons a partir do sopro emitido pela boca.

De acordo com o padre jesuíta Amiot, o Cheng foi levado da China para São Petersburgo, na Rússia. Da Rússia, passou para a Europa, tendo na Alemanha, esse intrigante invento chamado a atenção de muitos curiosos, entre eles o fabricante de instrumentos europeu Friedrich Ludwig Buschman e o austríaco Cyrillus Demien. Em 1822, Ludwig criou um instrumento de sopro um pouco mais elaborado, utilizando ainda o sistema de palhetas; e, sete anos depois, Demien acrescentou o fole àquela engenhoca, patenteando a sua invenção com o nome de acordeão, devido aos acordes obtidos através da manipulação de seus quatro botões. O acordeão foi patenteado por Demian em 06 de maio de 1829 na cidade de Viena.

Os primeiros acordeões italianos foram construídos em 1863 em Castelfidardo, em Ancona, surgindo depois Paolo Soprani e Stradella-Dellapé.

Somente no final do século XIX é que o acordeão aportou no Brasil, trazida por imigrantes alemães e italianos.  O primeiro acordeão n a chegar ao Rio grande do Sul veio com uma família de imigrantes alemães no ano de 1846 na cidade de São Leopoldo.

Com o aumento de sua popularidade nas regiões nordeste, centro-oeste e sul, o instrumento passou a ser chamado de sanfona.

Particularmente no Nordeste, a sanfona se tornou maestrina do então novo ritmo do forró no início do século XX. 

Quando se fala em sanfona, é comum que o termo “acordeão” logo venha à mente. Em muitos lugares, um nome é mais famoso que o outro e, então, surgem as dúvidas sobre quais são as suas diferenças.

Se modelos equivalentes forem comparados, o acordeão e a sanfona são o mesmo instrumento. Trata-se, apenas, de uma distinção regional no nome do instrumento e que está relacionada ao sotaque. Para algumas pessoas, o acordeão emite o mesmo som em qualquer movimento, enquanto a sanfona traz opções diferentes entre abrir e fechar. Contudo, isso está muito mais ligado ao modelo que à nomenclatura.

Na região sul do Brasil, o mesmo instrumento é conhecido como gaita. Quando o termo é usado nesse contexto, entende-se que não se trata da gaita de boca, e sim de um nome regional para a sanfona.

Os Acordeões ou sanfonas possuem diferenças quanto ao número de baixos, podendo ser de 8, 12, 24, 48, 60, 72, 80 ou 120 baixos. Os baixos são botões tocados com a mão esquerda que exercem função de acompanhamento, tocando notas e acordes num ritmo determinado pelo estilo de música.

A sanfona de oito baixos, também conhecida como pé-de-bode, fole de 8 baixos, fole, harmônica ou simplesmente 8 baixos, faz parte da memória musical e afetiva do Nordeste, verdadeiro patrimônio cultural sertanejo. Considerada pelos sanfoneiros como um dos instrumentos de mais difícil execução, pelo jogo de fole obrigatório, a tradição do fole de 8 baixos é uma arte que atualmente é dominada por poucos. Importante lembrar que a sanfona de Oito Baixos, foi a primeira sanfona aquisição do Rei do Baião Luiz Gonzaga.

É possível dividir a história do forró em duas partes: antes e depois de Luiz Gonzaga. Antes, as matrizes forrozeiras se dispersavam pelos sertões na forma de baiões, xaxados, xotes e outros ritmos, tocados e dançados nos forrós (ou forrobodós). Luiz Gonzaga, o brilhante intérprete e compositor pernambucano, com seu acordeão, suas criações geniais, seus trajes de vaqueiro e seu carisma, ao se tornar um sucesso no Rio de Janeiro, a partir da década de 1940, divulgou como ninguém os ritmos nordestinos – até então desconhecidos por grande parte dos brasileiros – consagrando-os em um único gênero musical que se popularizou como forró. Na década de 1950, Luiz Gonzaga se tornou ícone pela música ‘Forro de Mané Vito’ — desde então, seu nome tem sido lembrado por amantes de forró.

A partir da atuação pioneira de Gonzaga, o forró foi abraçado por diversos outros artistas importantes, como Genival Lacerda, Trio Nordestino, Dominguinhos, Sivuca, Jackson do Pandeiro, Marinês, e consolidado como gênero musical nacional, que evolui, se moderniza, se transforma e cativa – seja na forma de forró tradicional, forró pé de serra, forró universitário ou forró eletrônico – brasileiros de diversas origens e gerações.

Infelizmente, nos últimos anos, as festas juninas pelo país revelou um movimento que vem crescendo e preocupa quem luta para manter vivas as culturas regionais: o crescimento dos shows sertanejos em festas populares que não nada tem a ver com essa modalidade. Isto é, estamos tendo uma descaracterização na festas juninas, principalmente do Nordeste.

Quem vem para o Nordeste em junho vem para ver e ouvir as tradições desse povo que passa a vida inteira alimentando suas raízes em sua poesia, sua música, sua culinária, suas crenças, suas vestimentas. Nada contra os outros gêneros que já têm o ano inteiro à disposição deles, mas é preciso respeito para com o que é nosso.

Festa junina do passado eram momentos ternos de união entre os vizinhos, ruas e até bairros, enquanto que atualmente é uma congregação de interesses comerciais e políticos. Vizinhos se reuniam, dividindo as tarefas. Cada família participava com aquilo que podia. Escolhía-se o vizinho que tivesse o quintal maior para ser montado o arraial. Começava então a preparação da festa. Balões, bandeirinhas, lanternas eram confeccionadas em diversas noites de reuniões. Decidía-se então quem seria o noivo, a noiva, padrinhos, padre etc. Atualmente, vizinho não conhece vizinho. Nas ruas não se pode mais fazer fogueira. Balões, só em sonhos. As festas são organizadas por clubes, escolas e entidades assistenciais. Faz-se shows de pagode, convidam-se grandes astros para incrementarem as festas e assim ganharem mais dinheiro. São festas comerciais. Não há mais inocência, romantismo, cooperação e fraternidade.

As quadrilhas juninas estão se transformando em escolas de samba. As tradicionais roupas de matuto foram substituídas por vestimentas que lembram mais as escolas de samba desfilando na Sapucaí, no Rio de Janeiro. Uma modernização que descaracteriza sua essência cultural. A modernidade tá eliminando a tradição.

Só no Brasil é que a palavra "evoluir" pode significar algo pior, medíocre, algo que perde a qualidade existente. E é exatamente isso que está acontecendo com as festividades de São João no Nordeste do Brasil.

Cada dia que passa vão empurrando o nosso forró para mais longe do lugar que ele merece. O forró é nossa identificação cultural, é o eco do canto do povo desse lugar.

Temos pelo menos uma luz no fim do túnel. Em junho de 2023, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou em regime de urgência a lei Luiz Gonzaga 3083/2023. O projeto prevê destinar 80% de recursos públicos para as festividades juninas em todo o território nacional, visando a valorização do forró, que em 2021 foi declarado Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Com o projeto aprovado na câmara, o próximo passo é a votação

A cultura é dinâmica. As coisas vão evoluir, tomar novos caminhos ao longo dos anos. Não há problema nisso. Mas é evidente que algumas tradições precisam ser preservadas para que não se percam.

O mês de junho é sempre e sempre será vinculado as festividades juninas e consequentemente as música do forró, então, pelo menos nesse momento deixem o nosso verso desfilar pelas ruas, pelos arraiais, pelos espaços de grandes e pequenos polos destinados à verdadeira festa junina.

Lembramos que o Dia Nacional do Forró é comemorado em 13 de dezembro. A data escolhida faz referência ao nascimento do seu principal representante, o cantor, compositor e sanfoneiro Luiz Gonzaga.

Plagiando à música de Luiz Gonzaga “Sanfoninha Choradeira”, digo: “Chora sanfoninha, chora, chora. Chora sanfoninha minha dor. Sanfoninha que toca a alma da gente que permaneça viva nas festas juninas dos nordestinos e no coração de quem lhe tem amor”.

17/04/2023

Até quando vamos brincar de passarinhar indígenas?

O tempo passas mas as lembranças ficam. É nesse contexto, que recordo dos meus primeiros ensinamentos sobre a história do Brasil, ainda no antigo primário (hoje ensino fundamental). Inicialmente, aprendemos que em 22 abril de 1500 os navegadores portugueses descobriram o Brasil. Hoje temos a consciência que na realidade Portugal não descobriu o Brasil, ele ocupou, invadiu, submetendo dessa maneira diversos nativos aqui existentes. Se o Brasil já possuía uma população, não se tratou de uma descoberta, e sim de uma conquista.

O primeiro documento escrito relatando a existência dos nativos é a Carta de Pero Vaz Caminha a El Rey D. Manuel. A primeira referência de Caminha ao gentio da terra é a seguinte "E dali houvemos vista de homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo os navios pequenos disseram, por chegarem primeiro". Informa ainda em sua Carta que os índios " ... não lavram, nem criam", o que contribui para a ideia do índio preguiçoso, que ainda hoje vive no imaginário de muitos. Também é relatado que os índios se espantaram ao entrar em contato pela primeira vez com uma galinha. Não conheciam o cavalo, o boi e a galinha.

Esses nativos trocaram presentes com os lusos sendo que entre os presentes dados pelos primeiros, estavam papagaios e araras que eram espécies de aves totalmente desconhecidos até o momento, pelos navegadores europeus. Ao chegar à Europa, a corte portuguesa ficou impressionada com a beleza das plumas daquelas aves. Por esse motivo, por algum tempo, chamaram a terra de onde aquelas aves haviam sido trazidas de "Terra dos Papagaios".

Que bela terra encontrada pelos irmãos portugueses. Podemos até comparar com o paraíso bíblico.  Um verdadeiro jardim do Éden para cultivar, pescar e viver. Mas infelizmente, assim como relatado no Livro dos Gênesis, apareceram as serpentes em forma de portugueses e fizeram os reais brasileiros sentirem-se nus, e passaram a serem conhecedores do bem e do mal.  

O primeiro contato entre nativos e portugueses foi de muita estranheza para ambas as partes. As duas culturas eram muito diferentes e pertenciam a mundos completamente distintos. Alguns historiadores, caracterizam esse momento como um “encontro de culturas” e outros como um “desencontro de culturas”, visto que as relações foram estabelecidas desde o início, pautadas numa hierarquia, a qual pressupunha a superioridade do homem branco (europeu) em relação ao “outro” dito selvagem/não “civilizado” (indígena).

É nesse cenário, e a partir desse choque de culturas, que se tem início a colonização portuguesa no Brasil, o qual corresponde a um processo massivo de extermínio de povos indígenas, invasões e conflitos entre portugueses e indígenas, doenças contagiosas oriundas de Portugal se espalhando no Brasil e exploração das terras brasileiras. Ou seja, o “descobrimento” do Brasil é um processo marcado pela violência colonial.

No primeiro século de contato, 90% dos indígenas foram exterminados, principalmente por meio de doenças trazidas pelos colonizadores, como a gripe, o sarampo e a varíola. Nos séculos seguintes, milhares de vítimas morreram ou foram escravizadas nas plantações de cana-de-açúcar e na extração de minérios e borracha.

Não podemos esquecer expedições realizadas no século XVIII, denominadas Entradas e Bandeiras, que tiveram como objetivo a captura de índios para o trabalho escravo e a procura por metais preciosos, como ouro, prata e diamante.

O bandeirantismo, foi responsável pela morte e exploração de um grande número de indígenas. Usualmente, livros didáticos, reconstituições históricas, meios de comunicação costumam ressaltar uma imagem heroica dos bandeirantes paulistas que desbravaram os sertões brasileiros. Um verdadeiro genocídio sem controle.

Declarada a independência do país e instalado o regime monárquico, pouco se fez em favor dos povos indígenas. Os Governos, imperial e provinciais, promoveram várias iniciativas no sentido de eliminar os contingentes indígenas, que viviam nas áreas de interesse para o estabelecimento de imigrantes europeus. Nas áreas de colonização europeia, a insegurança provocou diversas interpelações dos governos europeus ao governo brasileiro, reclamando segurança para seus súditos.

A Proclamação da República não alterou de imediato esse quadro. Pelo contrário, acentuou-o. A construção da estrada de ferro noroeste do Brasil, em São Paulo, no início do século, provocou a quase dizimarão a um grupo Kaingang. A violência foi tal que um relato da época informa que o divertimento dos trabalhadores da estrada, aos domingos era brincar de "passarinhar índio” ou seja, matavam os índios da mesma forma em que se caçavam pássaros. É nesse contexto que em 1910, o governo, por iniciativa do marechal Cândido da Silva Rondon, descendente de índios, em tarefa de demarcação das fronteiras, criou o Serviço de Proteção do Índio (SPI) e reservas florestais protegidas, para sobrevivência das aldeias. Em 1967, o SPI foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A trajetória dessas duas organizações oscilava entre proteger os indígenas e favorecer os proprietários fundiários na expansão dos latifúndios.

Durante o Regime Militar, entre as décadas de 70 e 80, a Amazônia passou a ser povoada, por conta do lema “terra sem homens para homens sem-terra”. Também, na fase do “progresso” do Brasil, as regiões aldeadas por indígenas passaram a ser povoadas por fazendeiros, a fim de intensificar a agropecuária. Entretanto, este povoamento foi realizado sem nenhum controle ambiental. Hidrelétricas, rodovias e a agropecuária passaram a ser desenvolvidas, desmatando as florestas e matando indígenas. É a época da Transamazônica, da barragem de Tucuruí e da de Balbina, do Projeto Carajás.

Pela geopolítica traçada pelo governo militar, a Amazônia tinha o papel de fornecedor de matérias-primas, para compensar o déficit do balanço de pagamentos gerado pela aquisição de petróleo, a descoberta aurífera tem papel significativo como garantia de pagamento dos juros da dívida externa do Brasil, bem como para lastrear compras à vista do petróleo importado, uma vez que as reservas cambiais brasileiras se encontravam praticamente esgotadas.

Vale ressaltar que a garimpagem sempre esteve presente na história do Brasil e, encontrou pela frente sociedades indígenas indefesas que constituíram presas fáceis a seu domínio avassalador. Na época das entradas e bandeiras e nas formas posteriores assumidas pela garimpagem, seus reflexos negativos sobre as sociedades indígenas nunca despertaram interesse ou protesto da opinião pública nacional e internacional. Todavia, a intensificação da garimpagem no Brasil no início da década de 80 (descoberta do garimpo de Serra Pelada), segundo ciclo do ouro amazônico e brasileiro, renovada e fortalecida em seu potencial de destruição do meio ambiente com a utilização de potentes equipamentos de extração, principalmente na Amazônia, trouxe, em avantajada escala, o martírio para várias sociedades indígenas; contudo, desta vez, a opinião pública, nacional e internacional, não deixou os índios sozinhos na dor e no infortúnio de que sempre foram vítimas na história do Brasil.

Espalhados por todo o Brasil, os Povos Indígenas têm fundamental importância na história e na cultura do nosso país. Infelizmente, muitas tribos, influenciadas pela cultura dos brancos, perderam muitos traços culturais. Podemos dizer que foram violentados em seus domínios pela introdução de doenças, que até então desconheciam, tais como o sarampo, a varíola, a gripe, a tuberculose, a sífilis, e a gonorreia.  Os principais problemas que as comunidades indígenas enfrentam hoje são a consequência daqueles que surgiram há anos. Nos dias atuais há problemas como a miséria, o alcoolismo, o suicídio, a violência interpessoal, que afetam consideravelmente essa população.

Infelizmente, a discriminação sistêmica e estrutural contra os povos indígenas tem sido exacerbada em alguns seguimentos da sociedade brasileira.  O pior, que alguns políticos alimentam essa discriminação. Relembrando algumas declarações: "Os índios estão cansados de serem índios. Eles querem beneficiar-se com os programas do Governo" (Ex. Ministro Mario Andreazza - 1973). Neste contexto, não é de estranhar a fanfarronice do Ex. Deputado Gastão Müller (1973): "Se os fazendeiros quisessem, poderiam ter partido para uma luta armada e seria muito fácil vencer os índios". Mas recentemente: “Se eleito, eu vou dar uma foiçada na Funai, mas uma foiçada no pescoço. Não tem outro caminho. Não serve mais" (2018); “Pena que a cavalaria brasileira não tenha sido tão eficiente quanto a americana, que exterminou os índios” (1998). Acredito que este parlamentar tenha feito alusão ao genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos durante o século XIX, que resultou no massacre de milhões e na destruição irreversível de várias culturas. Ou então assistia muitos filmes de bang-bang, também conhecidos como westerns, retratam muito bem este momento da história triste dos Estados Unidos, mostrando o conflito entre índios e colonos americanos. Afirmações como estas, talvez explique os fatos lamentáveis ocorridos com os Yanomamis em seu território. Uma verdadeira crise humanitária, um verdadeiro genocídio.

Lembramos que o tradicional Dia do Índio, comemorado todo 19 de abril, passou a ser chamado oficialmente de Dia dos Povos Indígenas (Lei 14.402, de 2022). A mudança do nome da celebração tem o objetivo de explicitar a diversidade das culturas dos povos originários. O termo ‘indígena’, que significa ‘originário’, ou ‘nativo de um local específico, é uma forma mais precisa pela qual podemos nos referir aos diversos povos que, desde antes da colonização, vivem nas terras que hoje formam o Brasil.

Será que temos motivo para a total celebração da data sabendo que o desaparecimento das línguas e da cultura indígena continua evoluindo no Brasil, principalmente na região da Amazônia? Possivelmente não. Mas é um espaço de reflexão, fazer uma autocrítica, e planejar estratégias de como avançar no total cumprimento da Constituição Federal promulgada em 1988 (primeira a trazer um capítulo sobre os povos indígenas), onde reconhece os "direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam". Eles não são proprietários dessas terras que pertencem à União, mas têm garantido o usufruto das riquezas do solo e dos rios.

Apesar dos defensores dos índios estarem vencendo brilhantemente a batalha ideológica, seus inimigos têm vencido a guerra real que se trava na sociedade brasileira contra os grupos indígenas, despojando-os de seus territórios e mesmo exterminando-os fisicamente. É tempo de transferir a luta do campo puramente ideológico para tentar alcançar alguma eficácia política.

Muito ainda precisa ser feito para amenizar as lutas dos povos indígenas no Brasil. Os direitos dos povos indígenas, ainda são desrespeitados e ignorados pelas forças do Estado, o que abre margem para grandes indústrias hidrelétricas, de mineração e do agronegócio explorarem terras que não as pertencem, reduzindo ainda mais as possibilidades de moradia e alimentação de milhares de indígenas. 

Para além dos desafios territoriais, os povos indígenas enfrentam, ainda nos dias de hoje, problemas com racismo, preconceito, violação aos direitos das mulheres indígenas, falta de acesso à saúde e serviços públicos, além da alimentação escassa e pobre em nutrientes.

A terra é para os povos indígenas, fonte e mãe da vida. O espaço vital a garantia de sua existência e reprodução ou reconstituição enquanto povos. A terra não é, como na mentalidade capitalista, semente fator econômico-produtivo ou um bem comercial, de propriedade individual, que pode ser adquirido, transferido ou alienado, segundo as leis do mercado. A terra, na visão dos povos indígenas, é mais que um pedaço de chão. Não é apenas base de sustento, mas o lugar territorial onde jazem os ancestrais, onde se reproduz a cultura, a identidade e a organização social própria. Não é a terra que pertence ao homem, é o homem que pertence a terra.

É com os olhos fixos no veredito da História, tradução do julgamento de Deus, que o Brasil deve solucionar o problema dos indígenas. Não como problema de segurança nacional e economia, mas como imperativo da dignidade humana e da honra do povo brasileiro.

A preservação do meio ambiente, é uma condição fundamental para a reprodução da vida, nos moldes tradicionais, nas comunidades indígenas.

Há que se considerar então, que existe relação de respeito entre o índio e a natureza, podendo-se afirmar que o índio, para sua sobrevivência, dentro dos métodos tradicionais, não agride o meio ambiente, como faz o homem que vive na sociedade hegemônica. A terra para o indígena é o seu meio de sobrevivência. Sem ela não há vida.

O Marechal Rondo, em trágica profecia, já em 1916, dizia: "Mais tarde ou mais cedo, conforme lhes soprar o vento dos interesses pessoais, esses proprietários - coram Deum soboles (ante a face de Deus) – expelirão dali os índios que, por uma inversão monstruosa, dos fatos, da razão e da moral, serão considerados e tratados como se fossem eles os intrusos, salteadores e ladrões".

18/02/2022

NOSSA VIDA É UM CARNAVAL

Em 1961 meus pais saíram do Rio de Janeiro e foram morar no Estado da Paraíba. Eu tinha apenas 02 (dois) anos de idade. Inicialmente fomos morar em João Pessoa mas devido a profissão do meu pai, residimos nas cidades de Umbuzeiro, Solânea e Monteiro.
Em 1971 fomos morar na cidade de Sapé. Na época, esta cidade era a maior produtora de abacaxi do Brasil. Nessa cidade passei grande parte da minha adolescência e juventude. Nesse período, vários acontecimentos foram marcantes na história de minha vida. Destaco os eventos que ocorriam no Clube Atlético Sapeense, principalmente os bailes, as festas juninas e a festa do Abacaxi. Também ocorriam nesse mesmo clube, jogos de futebol de salão. Pois bem, foi exatamente quando terminou um dos jogos que participei, que iniciei o namoro com uma jovem Sapeense que anos depois tornou-se minha esposa. Porém, não posso deixar de lembrar dos eventos carnavalescos que ocorriam na cidade de Sapé. Nessa época a cidade de Sapé se transformava em um palco de alegria. Vários blocos, durante o dia, animavam a cidade. Eu, por exemplo, fiz parte do Bloco Balança mas não cai e também do Bloco dos Inocentes. Era tradição o envio de convites para residência de amigos e também para residência dos familiares dos componentes do bloco, para que em hora marcada, o bloco visitasse e fizesse uma festa carnavalesca naquela residência. Esse evento ocorria em todos os dias do carnaval. A noite, todos participavam das festas carnavalescas dos clubes da cidade.
Anos depois, já morando em Natal-RN, conversando com o amigo Roberto Rabelo, descobri que por volta dos anos 60, 70, ou até antes disso, esses eventos também faziam parte do período de carnaval de Natal, apenas tinham a denominação de “assaltos de carnaval”.
Bem, deixando as minhas histórias de lado, lembramos que o Brasil em 2021 vivenciou algo inédito. Em decorrência da pandemia de covid-19, as festividades de Carnaval foram canceladas em todos os estados brasileiros.
Desde que os festejos carnavalescos começaram por aqui, eles nunca deixaram de ser celebrados no período que antecede a Quaresma, em fevereiro ou no começo de março.
Este fato derrubou uma citação do escritor Graciliano Ramos que disse: “Se a única coisa que o homem terá certeza é a morte; a única certeza do brasileiro é o carnaval no próximo ano”.
Importante lembrar, que as tentativas de cancelamento ou adiamento do Carnaval ocorreram duas vezes na história do Brasil, porém a população não acatou a mudança e comemorou a festa nas duas datas: a oficial e a nova que havia sido determinada.
A primeira ocorreu também por questões sanitárias, em 1892, quando o país lidava com uma série de doenças, como a febre-amarela. O ministro do interior decidiu mudar a data para 26 de junho. Para o ministro, junho era um mês “mais saudável” do que fevereiro. Porém, não foi respeitado pelos foliões e houve comemoração nas duas datas de Carnaval, um carnaval em fevereiro e outro em junho.
A segunda tentativa de adiamento da festa popular foi em 1912, devido à morte do Barão do Rio Branco, então ministro do Exterior e tido como herói nacional. Ele faleceu uma semana antes das festas. O governo decretou o adiamento do Carnaval para 6 de abril, dois meses depois da data oficial. Em princípio, parecia algo sensato, mas quando chegou o sábado de carnaval, o povo foi para a rua afogar as mágoas e acabou o luto. Mais uma
vez ocorreram dois carnavais no Brasil, em fevereiro e abril. Os registros históricos trazem até uma marchinha que o povo cantava na rua dizendo que, “se o barão morreu e a gente teve duas festas, imagina quando morrer o general”.
As duas guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945) também não impediram a realização do carnaval no Brasil, a despeito de tentativas das autoridades.
Além do fim da Primeira Guerra, 1918 ficou marcado pela gripe espanhola. É fácil presumir que, diante da tragédia, o carnaval não fosse realizado. Mas aconteceu exatamente o contrário. A festa de 1919 é tida, até hoje, como a maior de todos os tempos.
Interessante que o Carnaval não é uma invenção brasileira. Não se sabe exatamente como o Carnaval surgiu. Segundo alguns historiadores, sua origem remonta à Antiguidade.
O Carnaval é uma tradicional festa popular realizada em diferentes locais do mundo, sendo a mais celebrada no Brasil.
A palavra Carnaval é originária do latim, carnis levale, cujo significado é “retirar a carne”. Esse sentido está relacionado ao jejum que deveria ser realizado durante a Quaresma e também ao controle dos prazeres mundanos. Isso demonstra uma tentativa da Igreja Católica de controlar os desejos dos fiéis.
O Carnaval brasileiro começou com o entrudo, festa popular trazida pelos portugueses por volta do século XVII, onde, no passado, as pessoas jogavam uma nas outras, água, ovos e farinha. Também foi influenciado pelas festas carnavalescas que aconteciam na Europa. O entrudo manifestou-se no período do Brasil colônia e também no Império. Em Recife existe até hoje. Nesta festa, os foliões jogavam uns nos outros água, ovos, farinha, pós de vários tipos, como o cal, etc. Como as comemorações fossem ficando cada vez mais violentas, o entrudo acabou sendo proibido. O entrudo acontecia num período anterior a quaresma e, portanto, tinha um significado ligado à liberdade. Este sentido permanece até os dias de hoje.

Entrudo


Em países como Itália e França, o carnaval ocorria em formas de desfiles urbanos, onde os carnavalescos usavam máscaras e fantasias.
No Brasil, no final do século XIX, começaram a aparecer os primeiros blocos carnavalescos, cordões e os famosos “corsos”. Estes últimos, tornaram-se populares no começo dos séculos XX. As pessoas se fantasiavam, decoravam seus carros e, em grupos, desfilavam pelas ruas das cidades. Está aí a origem dos carros alegóricos, típicos das escolas de samba atuais. Composta em 1899, a marchinha “Ó Abre Alas” de Chiquinha Gonzaga foi a primeira música feita exclusivamente para uma agremiação carnavalesca.
O carnaval é uma festa que traz um grande sentido de liberdade, uma vez que permite às pessoas reencontrarem suas raízes ancestrais. O fato de se fantasiar nessa ocasião torna a experiência ainda mais interessante. Fantasias são sempre simbólicas e, por isso, dão condições para que as pessoas se expressem através delas, realizando um sonho, se
apresentando como a personagem de um tempo perdido na história, prontas para desempenhar papéis muito distantes de sua realidade existencial. A escolha de uma determinada fantasia desvenda a personalidade e até a intimidade dos indivíduos. Vejamos por exemplo a fantasia de palhaço. Revela alguém que gosta de agradar os demais, muito sociável e extrovertido, acredita que sempre há um jeito de melhorar as dificuldades. Solidário, se identifica com as preocupações dos amigos, gosta de ajudar a quem necessita.
Enquanto parte dos brasileiros ama se fantasiar, sambar e curtir a festa, muitos fazem de tudo para fugir do agito. Quem não gosta de carnaval aproveita o momento para ficar em casa, visitar parentes ou acampar.
Culturalmente o carnaval é percebido como uma festa onde tudo pode. É justamente esse tipo de pensamento presente no carnaval que faz com que muitos romances carnavalescos não continuem quando a festa acaba. Tem pessoas que terminam seu namoro apenas para ficarem livre no carnaval e, depois dos cinco dias de festa, procurarem a ex (ou o ex) para voltar. É claro que existe gente que faz isso e se comporta de maneira descompromissada o ano inteiro, mas durante o carnaval as chances de isso acontecer parecem ser maiores. Estes tipos de situações podem trazer muita decepção para quem criou expectativas de que o relacionamento possa continuar depois da folia.
Quando o Carnaval se aproxima, é hora de se lembrar das boas e velhas marchinhas. As músicas de Carnaval que nunca saem de moda. Algumas delas foram escritas há mais de 100 anos e mesmo assim, elas continuam sendo cantadas pelas novas gerações com o mesmo frescor de antigamente.
Lembrando das emoções no período de carnaval, podemos cantar: “Quanto riso, oh, quanta alegria! Mais de mil palhaços no salão. Arlequim está chorando. Pelo amor da Colombina. No meio da multidão”. Mas não só choram os Arlequins, os Pierrôs também: “Um pierrô apaixonado, que vivia só cantando. Por causa de uma colombina, acabou
chorando, acabou chorando”. Nesse momento vem à lembrança de alguém: “Mamãe, eu quero, mamãe, eu quero. Mamãe, eu quero mamar”. Porém, outros afogam as mágoas de outras formas: ”As águas vão rolar, garrafa cheia eu não quero ver sobrar. Eu passo a mão na saca-saca-saca rolha. E bebo até me afogar”. Desesperadamente alguém diz:
“Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim. Oh! meu bem, não faz assim comigo não. Você tem, você tem que me dar seu coração”. Mas, talvez o problema tenha sido outro: “Se você fosse sincera. Ô, ô, ô, ô, Aurora”. Também existem os liberais ou sabidos: “Este ano não vai ser igual àquele que passou. Eu não brinquei, você também não brincou. Aquela
fantasia que eu comprei, ficou guardada e a sua também, ficou pendurada. Este ano tá combinado, nós vamos brincar separados”. Para diminuir a culpa, sempre tem uma palavra de conforto: "Vem Jardineira, vem meu amor. Não fique triste que este mundo é todo teu. Tu és muito mais bonita que a Camélia que morreu”. Mas, a festa está terminando e
alguém diz: “Ai, ai, ai, ai. Está chegando a hora. O dia já vem raiando meu bem, eu tenho que ir embora”. E ainda complementa: “Moro, em Jaçana. Se eu perder esse trem, que saia agora às onze horas. Só amanhã de manhã”. Quem fica só pode cantar: “Quem parte leva saudade de alguém, que fica chorando de dor. Por isso não quero lembrar, quando partiu, meu grande amor”.
Resumido as emoções do carnaval podemos dizer: “A nossa vida é um carnaval. A gente brinca escondendo a dor. E a fantasia do meu ideal. É você, meu amor”.
Uma observação interessante foi feita por um fotógrafo chamado Adilson Santos: “Quando o carnaval acaba, muitos políticos continuam com suas máscaras”.
Enfim, existem os que amam e os que odeiam Carnaval. De que lado você está? Se dos que amam. Bora pular Carnaval porém não esqueçam: “Se beber não dirija”.

07/02/2022

CANTA CANTA MINHA GENTE DEIXA A TRISTEZA PRA LÁ

Desde criança gosto de música, de instrumentos musicais e de cantar. Com sete anos de idade, residi na cidade de Solânea na Paraíba. Na frente da minha casa, tinha um centro Pastoral onde um conjunto musical da cidade fazia seus ensaios. Sempre que eu podia, ia ver os ensaios. De todos os instrumentos o que eu mais gostava de ver tocar era a bateria. Durante muitos anos de minha vida, disse que ainda compraria uma bateria e aprenderia a tocar, mas ficou apenas em sonho. Aos 10 anos de idade, num evento para comemoração do Dias das Mães no Clube Municipal de Monteiro-Pb, tive a oportunidade de cantar em público. Por incrível que pareça, dentro de determinada categoria, fui o vencedor. Fiquem certos que tinha mais de um concorrente. O melhor foi o prêmio: uma lata de doce. Passados bons anos, já residindo na cidade do Natal –RN, junto com mais dois grandes amigos, Manu e Raimundinho, montamos um trio chamado “Os Teimosos”. O repertório era composto principalmente por músicas de forro de cantores como Luiz Gonzaga, Genival Lacerda, Trio Nordestino e Três do Nordeste, e algumas músicas de cantores nordestinos que gostavam de fazer letras de duplo sentido. Nesse trio, eu era o vocalista. Na verdade, as apresentações eram apenas para nos divertirmos nas festas juninas que eu e minha esposa sempre fazíamos em nossa residência. Importante lembrar que as únicas fãs que tive como cantor, foram minha mãe e minha avó paterna. Como para as mães os filhos são sempre perfeitos e para os avós, os netos são a sua coroa de glória, fica difícil considerar essa opinião. Vocês não acham?

Bem, independentemente de meus dons artísticos, há um ditado popular que diz que “quem canta, seus males espanta”.

O filósofo Platão já dizia “primeiro, devemos educar a alma através da música e, a seguir, o corpo através da ginástica”, destacando a importância dessa arte para a manutenção do conhecimento e da vida.

A música é uma das formas de arte mais apreciadas no mundo. É reconhecida por muitos pesquisadores como uma modalidade que desenvolve a mente humana, promove o equilíbrio, proporciona um estado agradável de bem-estar, influencia no humor, reduz a depressão, tensão e fadiga, facilita a concentração e o desenvolvimento do raciocínio.

Mas, por incrível que pareça tem pessoas que não gostam de música. Na verdade, a ciência criou até um nome para qualificar sua condição; anedonia musical. É uma condição em que o indivíduo é incapaz de sentir prazer ao ouvir música. É um sintoma típico da depressão, também encontrado em alguns tipos de esquizofrenias e no transtorno de personalidade. Quanto ao gosto musical, é algo difícil de ser discutido. Afinal cada um tem o seu. Seja por moda, por influência da família, dos amigos ou qualquer outra coisa, o importante é sentir-se bem ouvindo o seu som.

O nosso Brasil é muito diverso e heterogêneo culturalmente, e apresenta distintos estilos musicais dependendo da região. Cada um deles tem uma história e revelou artistas importantes para a história da música e do Brasil.

Infelizmente nos últimos tempos a música brasileira começou a ficar carente de conteúdo, de mensagens, de poesias ou de rebeldia com justa causa.

Lembramos, por exemplo, da Música Popular Brasileira (MPB), um dos gêneros musicais mais apreciados no Brasil, surgiu em meados da década de 60 como um desdobramento da bossa nova e apresentava influência de diversos estilos musicais, na busca de criar um genuinamente nacional. Com o Golpe Militar de 1964, esse tipo de música também se constitui como um forte instrumento de luta contra a repressão. Com um conteúdo contestador, os músicos se posicionavam de maneira contrária às injustiças sociais e à ditadura imposta no país.

Nesse período muitos artistas viram suas músicas na lista de censura da repressão, mas nem por isso eles pararam de produzir suas canções. Em outras palavras, eles utilizaram a arte para mascarar sua militância contra a política da época.

Muitas dessas músicas tornaram-se um marco de uma época que o Brasil não pode esquecer. Pra Não Dizer que Não Falei das Flores (Geraldo Vandré) tornou-se um hino de resistência dos movimentos contra à ditadura militar brasileira. Porém, por conta do enorme sucesso, a canção foi proibida pelos militares. A letra da música incitava o povo a resistir, unir forças contra a violência e opressão de um governo: “Nas escolas, nas ruas, campos e construções. Somos todos soldados, armados ou não. Caminhando e cantando e seguindo a canção. Somos todos iguais. Braços dados ou não”.

A música Cálice, lançada por Chico Buarque em 1973 é uma das músicas mais fortes e significativas do período da ditadura militar. A letra faz alusão a oração de Jesus Cristo dirigida a Deus no Jardim do Getsêmane: “Pai, afasta de mim este cálice”. Contudo, para quem lutava pela democracia, o silêncio também era uma forma de morte. Muitas pessoas foram caladas e mortas, por pensarem diferente do governo e por lutarem para serem escutadas.

Saindo desta área de músicas de protesto, podemos ressaltar algumas músicas de cantores da MPB com letras e mensagens belíssimas, tais como: Como uma Onda no Mar e É preciso saber viver. Na música Como uma Onda, há uma verdade que sempre pulsa em frente a nossa visão, mas que insistimos em menosprezar: a de que tudo é efêmero e tem prazo de validade. A metáfora do oceano e da onda tem sido muito utilizada para ilustrar a verdade do ciclo de nascimento, vida e morte em que tudo na natureza está submetido. Uma primeira interpretação da onda no oceano vem no sentido da sua curta duração. Lulu Santos, inspirado, escreveu sua música com os seguintes versos: “Nada do que foi será do jeito que já foi um dia; tudo passa e tudo sempre passará; a vida vem em ondas como um mar; num indo e vindo infinito; tudo que se vê não é igual ao que a gente viu a um segundo; tudo muda o tempo todo no mundo...”.

Os versos da música “É preciso saber viver”, retratam a importância da persistência, principalmente quando pedras surgem em nosso caminho. Para os compositores, viver é saltar e não ter medo da queda, é não sofrer, mas aceitar a dor: “Quem espera que a vida. Seja feita de ilusão. Pode até ficar maluco. Ou morrer na solidão. É preciso ter cuidado. Pra mais tarde não sofrer. É preciso saber viver. Toda pedra no caminho. Você pode retirar. Numa flor que tem espinhos. Você pode se arranhar. Se o bem e o mal existem. Você pode escolher. É preciso saber viver”.

Assim como a MPB, o forró que é um nome utilizado para descrever diferentes estilos musicais, como o xote, o baião, o arrasta-pé e o xaxado, no início dos anos 70, também buscando fugir da censura da ditadura de 64, vários compositores lançaram músicas de forró com duplo sentido. Eram letras maliciosas e, quase sempre, com cunho sexual, ainda que de forma disfarçada, mas cujas rimas deixavam claro o objetivo das composições.

As primeiras músicas representantes dessa “moda”, duplo sentido, mas não escancaradas, foram “Ovo de codorna” e “Capim Novo”, gravadas por Luiz Gonzaga, além de “Procurando tu” e “Você tá boa”, grandes sucessos do repertório do Trio Nordestino.

Neste período o cantor compositor e sanfoneiro pernambucano José Nilton Veras, mais conhecido pelo apelido Zenilton, ganhou fama pelo teor humorístico de suas letras. “Capim Canela” iniciou a série de músicas de sucesso: “é só capim canela, é só capim canela". Depois veio, Bacalhau à Portuguesa: “Eu quero cheirar seu bacalhau/ Maria, quero cheirar seu bacalhau”. Em 1982, Zenilton lança o LP com o nome Grilo dela, com a música Cri-Cri: “Peguei, peguei, peguei o grilo dela”.

A alagoana Clemilda, foi um dos ícones do Forró de duplo sentido. Um dos principais sucessos foi: Prenda o Tadeu, “Seu delegado prenda o Tadeu. Ele pegou a minha irmã e... crau”.

Independentemente do período da história, as músicas de forro sempre se destacaram pelo sucesso regional apresentado em suas letras, principalmente mostrando a realidade da vida do sofrido povo nordestino. O chamado forró tradicional ou forró pé-de-serra, terá sempre como seus maiores representantes os pernambucanos Luiz Gonzaga e Dominguinhos, os paraibanos Jackson do Pandeiro e Sivuca. Não tenho dúvida que a música “Asa Branca” de Luiz Gonzaga deva ser considerada o Hino dos Nordestinos.

Quero destacar a música de forro “A natureza das coisas”, lançada em 2007 pelo pernambucano Accioly Neto. Essa música me chamou atenção por representar o cotidiano da vida de todos: “Amanhã pode acontecer tudo, inclusive nada. Se avexe não. A lagarta rasteja até o dia em que cria asas. Se avexe não. Que a burrinha da felicidade nunca se atrasa. Se avexe não. Amanhã ela para na porta da sua casa”. A natureza não tem pressa. Sem pressa, calma! Tudo a seu tempo. A natureza é sábia e não há nada por acaso. É preciso que façamos a nossa parte e o resto virá no seu tempo devido. A música termina dizendo: “Se avexe não. Toda caminhada começa no primeiro passo. A natureza não tem pressa, segue seu compasso. Inexoravelmente chega lá. Se avexe não. Observe quem vai subindo a ladeira. Seja princesa ou seja lavadeira. Pra ir mais alto, vai ter que suar”.

Um dos cantores e compositores mais conhecidos no Brasil, o Rei Roberto Carlos, mostrou em diversas músicas que a sensualidade pode existir nas músicas, sem precisar da apelação. Roberto Carlos, possui músicas carregadas de um romantismo erótico, que falam sobre a intimidade de casais na cama (ou em outros cantos da casa), que passaram a proliferar em seu repertório a partir dos anos 1970.

 Com “Proposta”, ele inaugurou sua face “cantor de motel”. Feita em parceria com Erasmo, a música descreve um convite tentador à amada: “Eu te proponho/ Te dar meu corpo/ Depois do amor/ O meu conforto…”.

Dois anos depois, Roberto voltou ao tema erótico com “Seu Corpo”. A música, ainda mais sensual que “Proposta”, descreve uma viagem quase cinematográfica pelo corpo nu da amada, no qual ele se perde para se encontrar: “No seu corpo é que eu encontro/ Depois do amor o descanso/ E essa paz infinita/ No seu corpo minhas mãos/ Se deslizam e se firmam/ Numa curva mais bonita...”

Apesar de todas essas sugestões líricas e imagéticas, Roberto percebeu que nunca havia usado a palavra “sexo” em nenhuma de suas músicas. Decidiu, então, dar esse passo à frente na canção “O Côncavo e o Convexo”, que relata o encaixe perfeito entre os corpos de dois amantes. E nela finalmente, aparecia a palavra tabu: “Cada parte de nós, tem a forma ideal/ Quando juntas estão, coincidência total/ Do côncavo e o convexo/ Assim é nosso amor no sexo”.

Quanto ao samba, entendo que vale o que dizia Dorival Caymmi, “quem não gosta de samba, bom sujeito não é. É ruim da cabeça ou doente do pé”.

A história do samba se mistura com a história do Brasil de diversas maneiras e gerou vertentes e mais vertentes, como a Bossa Nova, o pagode e muitos outros, o que faz com que ele seja muito popular até hoje e uma parte da identidade nacional brasileira. Diversos músicos brasileiros foram responsáveis por popularizar o ritmo, tais como: Noel Rosa, Cartola, Pixinguinha, Martinho da Vila, etc.

Vamos dar ênfase aos compositores Cartola e Gonzaguinha. Cartola que ficou conhecido por grandes sucessos como ‘As Rosas Não Falam’ e ‘O Mundo é um Moinho’, que trazem a essência de suas dores e questões existenciais da época, traduzidas da realidade em forma de versos poéticos que são acompanhados por combinações harmoniosas e expressivas de sons e samba raiz.

“Queixo-me às rosas, mas que bobagem! As rosas não falam!” A história desta canção é muito curiosa. Um dia Dona Zica, esposa de Cartola, recebeu de presente um ramalhete de rosas. Plantou no fundo de seu jardim e no dia seguinte ficou surpresa ao ver que muitas rosas já haviam desabrochadas. Chamou Cartola e perguntou para ele sobre o fato. O poeta respondeu que não sabia, afinal, as rosas não falam! Após dizer isso, Cartola percebeu que poderia fazer uma letra e ficou com aquela frase na cabeça. Pegou seu violão e em poucos minutos a música já estava pronta.

A letra da canção não tem muito a ver com a história que inspirou o compositor. Na canção, um homem está desconsolado por não ter o amor de sua amada. Resolve queixar-se para as rosas, entretanto as queixas não adiantam em nada, afinal as rosas não falam.

A canção “O que é o que é”, do compositor Gonzaguinha, reflete sobre a forma como cada um pode encarar seu dia a dia, sobre os prazeres e as dores de se estar e de se sentir vivo, além da esperança por dias melhores. Fala que a felicidade está na maneira como se vê a vida, como as crianças, que, em sua pureza, dizem: “é bonita, é bonita e é bonita”. A música é toda cheia de significados e reflexões. Isso porque Gonzaguinha também era poeta e tinha o dom das palavras. Ele sabia dizer muito de forma simples: “Eu fico com a pureza da resposta das crianças. É a vida, é bonita. E é bonita. Viver e não ter a vergonha de ser feliz. Cantar, e cantar, e cantar. A beleza de ser um eterno aprendiz. Ah, meu Deus!” Encontramos facilmente o mesmo mote de sofrimento de amor em basicamente todos os gêneros da música popular brasileira, como nas canções de axé, samba, bossa-nova, forró e rock. Contudo, apesar da liberdade exercida pelo tema entre os gêneros musicais brasileiros, o sertanejo atual abraçou a sofrência como a tábua de salvação do momento. As músicas de sofrência, em geral, falam de histórias de amor que já terminaram – e não foi de uma boa maneira – e de pessoas que sofrem com saudade de ex. Esse estilo não agrada a todas as pessoas, mas é bastante popular e suas letras sempre se encaixam na vida de alguém que está passando por um término.

Na análise das relações entre as antigas canções de amor e as atuais vem da expressão cunhada por Lupicínio Rodrigues: dor de cotovelo. Tal expressão tem sua origem exatamente na posição de abandono que aqueles que sofrem de amor ficam quando estão no bar. Ao se apoiar sobre a mesa, enquanto consome alguma bebida alcoólica, os cotovelos são castigados pelas longas horas em tal atividade. Hoje, esse termo cedeu espaço ao termo sofrência. É mais comum entre a juventude, principalmente, ouvir que alguém “está na sofrência” do que está com dor de cotovelo.

 Contudo, o termo cunhado por Lupicínio não foi excluído totalmente pela geração “sofrente”. Nela, ele se encontra sob nova versão: a dança. Muito característica, a dança “sofrente” é um tanto contida, com passos curtos, sem se deslocar muito do lugar. No entanto, o que é mais singular na dança é a posição dos braços.

Em nosso passeio musical, colocamos apenas alguns estilos musicais e fizemos algumas interpretações de canções. Mas como existem muitos gêneros musicais, possivelmente cada brasileiro tenha seu gosto e sua lembrança. A música nos conecta a momentos. Quando ouvimos uma canção, automaticamente ela nos lembra alguém, algum lugar ou situação. E isso nos traz proximidade, mesmo que em pensamento. Poucos acordes são suficientes para iniciar uma viagem no tempo e trazer ao presente lembranças já esquecidas.

Hoje em dia temos músicas que não passam sentimento ou admiração alguma, vivemos numa época em que o ridículo é muito bem aceito. O problema é que atualmente muitas músicas não têm a intenção de tocar a alma do homem. Independentemente dessa tortuosa situação que a música brasileira está passando, a música brasileira tem uma bela história e continua revelando importantes artistas.

O surgimento exato da música ainda é um mistério entre os historiadores e cientistas que debatem até hoje quando os primeiros instrumentos musicais foram criados. Mas se há um consenso entre todos, é de que a música existe há tanto tempo que não conseguimos imaginar nossas vidas sem ela. Imaginem um mundo sem festivais, shows, bares com uma boa banda, ou baladas para dançar até clarear o dia? Agora imaginem um filme ou série favorita sem a trilha sonora para acompanhar?

Segundo a poetiza Neusa Marilda Muxxi, a primeira nota musical que ouvimos foi no ventre de nossa mãe. O tum...tum...tum...do coração dela era a canção especial com que a vida nos brindava naquele momento.

O mundo é nosso palco. A vida é nossa arte, nossa música. Nós somos os músicos. Protagonistas que somos, devemos escolher o que queremos tocar e apresentar sempre um show inesquecível! Ouça... faça da vida um belo espetáculo musical! (Maykira).

Assim sendo, e lembrando de uma música do cantor Martinho da Vila, podemos dizer: “Canta canta, canta minha gente, deixa a tristeza pra lá. Canta forte, canta alto. Que a vida vai melhorar!”