Em um dos versos do nosso querido Hino Nacional nos diz: “Gigante pela própria natureza. És belo, és forte, impávido colosso. E o teu futuro espelha essa grandeza. Terra adorada[...]. Esse verso ressalta muito bem a variedade de riquezas naturais do Brasil. Acredito que possamos complementar dizendo não só gigante pela própria natureza mas também gigante pela riqueza cultural que temos em todas regiões do Brasil. Por exemplo podemos citar as festas juninas que costumam ser dedicadas aos três santos - Santo Antônio, São João e São Pedro – principalmente no Nordeste do Brasil. Entretanto, apesar das comemorações estarem tão entranhadas na cultura brasileira, é interessante destacar que algumas dessas práticas são heranças absorvidas da tradição portuguesa, em especial os aspectos religiosos.
As festas juninas são conhecidas popularmente por serem de caráter alegre, com brincadeiras, comidas típicas, simpatias, e muito forró. Fogueiras, bandeirolas, quadrilha, fogos de artifício e bandeiras dos santos são alguns dos símbolos de uma festa junina.
A fogueira é um dos elementos de mais destaque nas festas juninas e tem especial ligação com o dia de São João, pois foi por meio de uma fogueira que sua mãe, Santa Isabel, avisou Maria, mãe de Jesus, que o filho tinha nascido. Cada santo junino tem um tipo diferente de fogueira, sendo a de santo Antônio quadrada, a de são João redonda e a de são Pedro triangular. Os balões foram criados para lembrar as pessoas do início da festa. As bandeirolas surgiram por causa dos três santos: são João, santo Antônio e são Pedro, onde estes eram pregados nas bandeiras para serem admirados durante a festa. Os fogos de artifício são usados para espantar os sentimentos ruins, os maus espíritos. A quadrilha é uma forma de agradecimento pelas boas colheitas, feita aos santos juninos. A origem desse tipo de dança é o bailado trazido da França entre o século 18 e 19 e popularizado na sociedade rural. A origem francesa da dança é perceptível através de alguns termos comuns, que são usados nesses momentos pelos narradores das quadrilhas, como “anarriê”, por exemplo, que em tradução livre significa “para trás”.
As simpatias são uma forma de trazer maiores crenças, como sorte na vida e no amor. A maior parte dessas simpatias era de adivinhações, principalmente relacionada com o casamento.
O folcloristas Câmara Cascudo, em seu livro Superstições no Brasil, diz o seguinte: Em noite de São João passa-se sobre a fogueira um copo contendo água, mete-se no copo sem que atinja a água um anel de aliança preso por um fio, e fica-se a segurar o fio; tantas são as pancadas dados no anel nas paredes do copo quantos os anos que o experimentado terá de esperar pelo casamento. (p. 148).
Quem não se lembra da música “Brincadeira Na Fogueira” (1967), do compositor paraibano Antônio Barros: Tem tanta fogueira, tem tanto balão. Tem tanta brincadeira, todo mundo no terreiro faz adivinhação. Meu são João, eu Não. Meu são João, eu Não. Eu não tenho alegria. Só porque não vem. Só porque não vem. Quem tanto eu queria. Danei a faca no tronco da bananeira. Não gostei da brincadeira, Santo Antônio me enganou. Sai correndo lá pra beira da fogueira, vê meu rosto na bacia a água se derramou”. Nessas simpatias, normalmente o coitado do Santo Antônio sempre é sacrificado, sendo colocado de cabeça para baixo até que a pessoa arrume um companheiro.
Segundo a doutora Zulmira Nóbrega em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia o São João é uma festa completa. Ele não é uma festa como o carnaval. No Carnaval você vai, você dança, você se diverte e acabou. O São João tem todo um conjunto de símbolos ali dentro (…) que é a comida típica, a comida de milho, as bandeirinhas, as quadrilhas, o forró, o vestir, as brincadeiras.
Bem, não tem como falar sobre festa junina, é não lembrar de imediato de forró. O forró é uma expressão artística nordestina. Trata-se de uma manifestação cultural bem ampla e que se consagrou como ritmo musical, mas também como um estilo de dança,
Chamado em sua origem de “forrobodó”, o surgimento do forró pode estar relacionado a bailes populares que aconteciam no final do século XIX. Na época, era necessário molhar o piso do local onde essas festas aconteciam, pois era feito de "chão batido", não tendo revestimento, e a dança acontecia na própria terra. Durante a dança, as pessoas costumavam arrastar os pés para evitar que a poeira levantasse. Foi então que surgiu a expressão “rastapé” ou “arrasta-pé”. O ritmo também teve influência de ritmos holandeses e portugueses e das danças de salão europeias.
Uma conhecida anedota diz que a palavra forró teria surgido de uma corruptela de "for all" ("para todos", em inglês) em bailes abertos ao público promovidos por trabalhadores gringos no Nordeste. O mais provável é que seja apenas uma lenda, verossímil por causa do espírito popular do ritmo, e a verdadeira origem tenha a ver com a expressão francesa faux-bourdon (algo como "falso bordão", uma técnica de harmonização musical).
Como um ritmo típico da região nordeste do país, o forró acrescenta a dança e vários instrumentos musicais de forma única em sua composição que são: a sanfona, a zabumba e o triangulo. Podemos ser taxativa ao afirmar que não existe forró sem sanfona, zabumba e o triangulo.
A sanfona não é um instrumento brasileiro, mas foi adotado por nós. Faz parte da cultura brasileira. Lembramos que o mais primitivo ancestral da sanfona hoje conhecida, segundo pesquisadores, surgiu na China, em 2700 a.C., com a denominação de “Cheng”. Suas primeiras características eram de um instrumento de sopro, pois, além de ter um recipiente de ar, canudo de sopro e tubos feitos de bambu, esse instrumento transmitia sons a partir do sopro emitido pela boca.
De acordo com o padre jesuíta Amiot, o Cheng foi levado da China para São Petersburgo, na Rússia. Da Rússia, passou para a Europa, tendo na Alemanha, esse intrigante invento chamado a atenção de muitos curiosos, entre eles o fabricante de instrumentos europeu Friedrich Ludwig Buschman e o austríaco Cyrillus Demien. Em 1822, Ludwig criou um instrumento de sopro um pouco mais elaborado, utilizando ainda o sistema de palhetas; e, sete anos depois, Demien acrescentou o fole àquela engenhoca, patenteando a sua invenção com o nome de acordeão, devido aos acordes obtidos através da manipulação de seus quatro botões. O acordeão foi patenteado por Demian em 06 de maio de 1829 na cidade de Viena.
Os primeiros acordeões italianos foram construídos em 1863 em Castelfidardo, em Ancona, surgindo depois Paolo Soprani e Stradella-Dellapé.
Somente no final do século XIX é que o acordeão aportou no Brasil, trazida por imigrantes alemães e italianos. O primeiro acordeão n a chegar ao Rio grande do Sul veio com uma família de imigrantes alemães no ano de 1846 na cidade de São Leopoldo.
Com o aumento de sua popularidade nas regiões nordeste, centro-oeste e sul, o instrumento passou a ser chamado de sanfona.
Particularmente no Nordeste, a sanfona se tornou maestrina do então novo ritmo do forró no início do século XX.
Quando se fala em sanfona, é comum que o termo “acordeão” logo venha à mente. Em muitos lugares, um nome é mais famoso que o outro e, então, surgem as dúvidas sobre quais são as suas diferenças.
Se modelos equivalentes forem comparados, o acordeão e a sanfona são o mesmo instrumento. Trata-se, apenas, de uma distinção regional no nome do instrumento e que está relacionada ao sotaque. Para algumas pessoas, o acordeão emite o mesmo som em qualquer movimento, enquanto a sanfona traz opções diferentes entre abrir e fechar. Contudo, isso está muito mais ligado ao modelo que à nomenclatura.
Na região sul do Brasil, o mesmo instrumento é conhecido como gaita. Quando o termo é usado nesse contexto, entende-se que não se trata da gaita de boca, e sim de um nome regional para a sanfona.
Os Acordeões ou sanfonas possuem diferenças quanto ao número de baixos, podendo ser de 8, 12, 24, 48, 60, 72, 80 ou 120 baixos. Os baixos são botões tocados com a mão esquerda que exercem função de acompanhamento, tocando notas e acordes num ritmo determinado pelo estilo de música.
A sanfona de oito baixos, também conhecida como pé-de-bode, fole de 8 baixos, fole, harmônica ou simplesmente 8 baixos, faz parte da memória musical e afetiva do Nordeste, verdadeiro patrimônio cultural sertanejo. Considerada pelos sanfoneiros como um dos instrumentos de mais difícil execução, pelo jogo de fole obrigatório, a tradição do fole de 8 baixos é uma arte que atualmente é dominada por poucos. Importante lembrar que a sanfona de Oito Baixos, foi a primeira sanfona aquisição do Rei do Baião Luiz Gonzaga.
É possível dividir a história do forró em duas partes: antes e depois de Luiz Gonzaga. Antes, as matrizes forrozeiras se dispersavam pelos sertões na forma de baiões, xaxados, xotes e outros ritmos, tocados e dançados nos forrós (ou forrobodós). Luiz Gonzaga, o brilhante intérprete e compositor pernambucano, com seu acordeão, suas criações geniais, seus trajes de vaqueiro e seu carisma, ao se tornar um sucesso no Rio de Janeiro, a partir da década de 1940, divulgou como ninguém os ritmos nordestinos – até então desconhecidos por grande parte dos brasileiros – consagrando-os em um único gênero musical que se popularizou como forró. Na década de 1950, Luiz Gonzaga se tornou ícone pela música ‘Forro de Mané Vito’ — desde então, seu nome tem sido lembrado por amantes de forró.
A partir da atuação pioneira de Gonzaga, o forró foi abraçado por diversos outros artistas importantes, como Genival Lacerda, Trio Nordestino, Dominguinhos, Sivuca, Jackson do Pandeiro, Marinês, e consolidado como gênero musical nacional, que evolui, se moderniza, se transforma e cativa – seja na forma de forró tradicional, forró pé de serra, forró universitário ou forró eletrônico – brasileiros de diversas origens e gerações.
Infelizmente, nos últimos anos, as festas juninas pelo país revelou um movimento que vem crescendo e preocupa quem luta para manter vivas as culturas regionais: o crescimento dos shows sertanejos em festas populares que não nada tem a ver com essa modalidade. Isto é, estamos tendo uma descaracterização na festas juninas, principalmente do Nordeste.
Quem vem para o Nordeste em junho vem para ver e ouvir as tradições desse povo que passa a vida inteira alimentando suas raízes em sua poesia, sua música, sua culinária, suas crenças, suas vestimentas. Nada contra os outros gêneros que já têm o ano inteiro à disposição deles, mas é preciso respeito para com o que é nosso.
Festa junina do passado eram momentos ternos de união entre os vizinhos, ruas e até bairros, enquanto que atualmente é uma congregação de interesses comerciais e políticos. Vizinhos se reuniam, dividindo as tarefas. Cada família participava com aquilo que podia. Escolhía-se o vizinho que tivesse o quintal maior para ser montado o arraial. Começava então a preparação da festa. Balões, bandeirinhas, lanternas eram confeccionadas em diversas noites de reuniões. Decidía-se então quem seria o noivo, a noiva, padrinhos, padre etc. Atualmente, vizinho não conhece vizinho. Nas ruas não se pode mais fazer fogueira. Balões, só em sonhos. As festas são organizadas por clubes, escolas e entidades assistenciais. Faz-se shows de pagode, convidam-se grandes astros para incrementarem as festas e assim ganharem mais dinheiro. São festas comerciais. Não há mais inocência, romantismo, cooperação e fraternidade.
As quadrilhas juninas estão se transformando em escolas de samba. As tradicionais roupas de matuto foram substituídas por vestimentas que lembram mais as escolas de samba desfilando na Sapucaí, no Rio de Janeiro. Uma modernização que descaracteriza sua essência cultural. A modernidade tá eliminando a tradição.
Só no Brasil é que a palavra "evoluir" pode significar algo pior, medíocre, algo que perde a qualidade existente. E é exatamente isso que está acontecendo com as festividades de São João no Nordeste do Brasil.
Cada dia que passa vão empurrando o nosso forró para mais longe do lugar que ele merece. O forró é nossa identificação cultural, é o eco do canto do povo desse lugar.
Temos pelo menos uma luz no fim do túnel. Em junho de 2023, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou em regime de urgência a lei Luiz Gonzaga 3083/2023. O projeto prevê destinar 80% de recursos públicos para as festividades juninas em todo o território nacional, visando a valorização do forró, que em 2021 foi declarado Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Com o projeto aprovado na câmara, o próximo passo é a votação
A cultura é dinâmica. As coisas vão evoluir, tomar novos caminhos ao longo dos anos. Não há problema nisso. Mas é evidente que algumas tradições precisam ser preservadas para que não se percam.
O mês de junho é sempre e sempre será vinculado as festividades juninas e consequentemente as música do forró, então, pelo menos nesse momento deixem o nosso verso desfilar pelas ruas, pelos arraiais, pelos espaços de grandes e pequenos polos destinados à verdadeira festa junina.
Lembramos que o Dia Nacional do Forró é comemorado em 13 de dezembro. A data escolhida faz referência ao nascimento do seu principal representante, o cantor, compositor e sanfoneiro Luiz Gonzaga.
Plagiando à música de Luiz Gonzaga “Sanfoninha Choradeira”, digo: “Chora sanfoninha, chora, chora. Chora sanfoninha minha dor. Sanfoninha que toca a alma da gente que permaneça viva nas festas juninas dos nordestinos e no coração de quem lhe tem amor”.