28/10/2022

O homem é o lobo do homem

Desde que me aposentei, tenho tido mais oportunidade de aproveitar minha pequena casa, localizada na praia de Graçandu-RN. Passei a ser um iniciante de jardineiro, cuidando de um pequeno jardim que minha esposa fez na frente da casa. Quando chega à noite, fico deitado numa rede, apreciando a natureza pelo conjunto plantas (do jardim da casa), lua e estrelas.

A natureza é maravilhosa, cheia das obras de Deus! “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos” (Salmos 19:1).

Quem não consegue ver a mão de Deus na natureza está cego. O Arquiteto da Vida criou um lugar maravilhoso para a joia de sua criação, que é a humanidade. A natureza é a forma encontrada por Deus, de nos conduzir para mais perto d’Ele. Tudo que ele criou recebe seu amor. Por isso, devemos respeitar a criação e cuidar da natureza. Deus é o verdadeiro dono da terra.

Ele estabeleceu o homem, como dominador e protetor da natureza, mas infelizmente, sua criação, não respeita e cuida da natureza, e nem de seus semelhantes. Na verdade, o que sempre temos visto é o homem se revestir e operar um papel de destruidor do habitat e da comunidade da qual ele mesmo faz parte. Um verdadeiro retrocesso, que poderíamos popularmente definir como o retorno às cavernas.

O ser humano nasce, cresce e se reproduz na sociedade, e nela deve buscar seu progresso como pessoa humana e produzir durante toda a sua vida, de forma incessante ações positivas para que a mesma se mantenha e evolua, mas na prática não é isso que acontece. O que vemos é uma sociedade cada vez mais violenta. Diariamente, atrocidades são noticiadas pelas redes de televisão, rádios e plataformas digitais, como: sequestros, assaltos, violência contra crianças e idosos, feminicídios, assassinatos em série, entre outros, que causam pavor na sociedade.

Simples ações, tornaram-se perigosas para a sociedade, tais como: atender ao celular na via pública, estacionar o carro em frente de casa ou em qualquer local, andar de bicicleta, esperar um ônibus no ponto, andar pelas ruas, deixar as portas e janelas abertas de nossas residências, etc.

Apesar de cada vez, estarmos mais cheios de tecnologia, estranhamente cada vez mais regredimos na área moral, afetiva e espiritual.

Por exemplo, nas redes sociais, percebe-se a falta amor no mundo. As pessoas usam as redes para expor suas imagens e falas, para expressar pensamentos e sentimentos, para fazer movimentos e manifestos, inventar histórias e dividir momentos. Se sentem livres para expressar a sua opinião a partir da máxima de “doa a quem doer”. Essas atitudes de ódio são reflexo de insegurança e inveja. Os ataques de ódio, de desrespeito e de preconceitos mostram claramente o descontrole emocional e a capacidade das pessoas de discernir sobre respeito, empatia, limites de espaço.

O filósofo, teórico político e matemático inglês Thomas Hobbes (1588-1679), foi o responsável por divulgar a célebre frase "O homem é o lobo do homem". A frase usa uma linguagem metafórica, isso é, faz uma comparação com o comportamento animal, para ilustrar aquilo que o filosofo acredita ser a conduta do ser humano de modo geral.  Explorador por essência, aproveitador dos mais fracos, o homem teria por instinto o impulso de usurpar o que é do outro, colocando-se acima dos demais e tendo como prioridade máxima o bem estar individual ao invés do coletivo. Na frase, vemos sintetizada a ideia de que o homem é o seu próprio inimigo, provocando lutas sangrentas e, muitas vezes, matando os seus semelhantes.

Corroborando com a frase de Thomas Hobbes, a cada dia somos bombardeados de notícias trágicas, sórdidas, de uma perversidade que parece não ter limites. Quando achávamos que um fato tinha chegado ao máximo da bestialidade do "fim do mundo", da desumanização do ser humano, eis que surgem novas histórias ainda mais chocantes.

Por exemplo, a guerra que iniciou em 24/02/2022 entre a Rússia e a Ucrânia, que já fez muitos mortos e feridos é uma dessas “desumanização do ser humano”.

A guerra na Ucrânia vem causando uma mobilização internacional, como poucas vezes se viu nas últimas décadas. No entanto, quando comparada com outros conflitos que existem no mundo hoje, há mais mortes e sofrimento humano sendo causados em outras guerras que recebem menos atenção e ajuda internacional. É o caso do conflito do Iêmen, que já dura pelo menos 11 anos. Os números são chocantes: mais de 233 mil mortos e 2,3 milhões de crianças em desnutrição aguda.

As guerras fazem parte da história da humanidade, sendo registradas e estudadas desde a antiguidade.  Raríssimos foram os anos, nos quais nenhuma guerra aconteceu no planeta.

Até onde os estudos arqueológicos podem comprovar, os primeiros grandes exércitos foram os assírios que tinham grandes forças e estratégias, essa civilização que se encontrava na Mesopotâmia e Egito.

Um time de pesquisadores da Universidade de Cambridge acaba de divulgar um estudo sobre fósseis que encontraram em Nataruk, no Quênia. A busca levou os arqueólogos a encontrarem ossadas de homens, mulheres e crianças com sinais claros de violência física, sugerindo que a humanidade está em guerra há pelo menos dez mil anos. Até agora, este é o conflito humano mais antigo de que se tem notícia. 

Um dos conflitos mais longos da história da humanidade foi a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), estendendo-se por 116 anos. Foi motivada pela disputa de interesses entre duas dinastias. Especula-se que causou a morte de 2 a 3 milhões de pessoas.

O Século XIX foi um período transicional extremamente sangrento no campo bélico. No intervalo de cem anos entre a batalha de Waterloo, em 1815, e o início da primeira Guerra Mundial, os conflitos militares se desenvolveram mais rápido e dramaticamente do que em qualquer século anterior.

Uma guerra pode começar pelos mais diversos motivos: honra, glória, liberdade, posse de recursos naturais, sentimento de ameaça... e outras questões, digamos, menos nobres.

Por exemplo, Honduras e El Salvador, guerrearam por causa de uma partida de futebol. O estopim foi causado em 1969, por uma simples partida de futebol entre os dois países. O jogo valia um lugar na Copa do Mundo do ano seguinte. O jogo terminou em 3x2 para os salvadorenhos, e as relações diplomáticas com Honduras foram rompidas. Duas semanas depois, no dia 14 de julho, os combates armados entre as forças militares nacionais começaram, incluindo o uso de armamento pesado, utilizado na Segunda Guerra Mundial.

As guerras, em geral, normalmente são causadas por atitudes gananciosas de governos, país ou governantes. Como exemplo, podemos citar as duas Guerras Mundiais. A primeira, que se estendeu de 1914 até 1918 foi causada por desentendimentos dos países europeus sobre a divisão das colônias africanas na Conferência de Berlim.

O início da Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945) também se dá em situações de ganância. Vale lembrar que a Alemanha foi derrotada na Primeira Guerra, e os vencedores foram bastante gananciosos ao estabelecer a pena para os germânicos no Tratado de Versalhes: uma quantia de dinheiro e outras sanções que a Alemanha simplesmente não poderia arcar sem entrar em uma crise sistêmica.

Enquanto os vencedores achavam que estavam tomando a melhor atitude a se fazer – por confiscar milhões de libras – eles nada mais faziam que ativar no povo alemão um sentimento de revanchismo. Sentimento este que incentivado pela ganância de Hitler, transformou o mundo em uma grande bomba novamente. Mais uma vez, a ganância de poucos resultou na morte de milhões e na destruição de nações inteiras.

A Segunda Guerra Mundial, foi um dos conflitos mais violentos e mais mortal da história da humanidade. Um total estimado de 60 a 70 milhões de pessoas pereceram. Entre as vítimas deste conflito, 62% eram civis, ou seja: pessoas que não tinham nada a ver com a briga além do fato de estarem lá. Além das armas de fogo convencionais, nessa guerra rolou gás mostarda, testes com pessoas em campos de concentração e a última novidade do momento: bombas nucleares.

O Brasil enviou 20.573 soldados brasileiros à Itália na luta contra o fascismo. Infelizmente, tivemos 450 praças, 13 oficiais e 8 pilotos mortos em ação. Foram aproximadamente 12 mil feridos nos combates.

Os incontáveis relatos e imagens das atrocidades cometidas nas guerras nunca foram suficientes para convencer os governantes a não utilizá-las para conquistar mais poder. Elas continuam sendo o instrumento, pelo qual aqueles que dominam o espaço terrestre tentam impor seu domínio até os dias de hoje. Parece que a humanidade nunca aprende, ou tem memória curta, quando se trata de guerra.

Em 30 de julho de 1932, Albert Einstein, o pai da física moderna, escreveu uma carta para neurologista e psiquiatra austríaco Sigmund Freud, com o título “Por que a guerra?”.  

Einstein questionava se havia alguma forma de livrar a humanidade da ameaça da guerra e chegou a declarar que Freud - por ser o criador da teoria, um estudioso do psiquismo humano e conhecedor da vida instintiva do homem - poderia elucidar e sugerir métodos educacionais que demarcassem caminhos e ações que resolveriam o problema, a ponto de tornar impossível qualquer conflito armado.

Freud, responde a questão a partir de duas das suas inúmeras teorizações sobre a subjetividade humana. Em primeiro lugar, a violência humana é inerente à condição biológica do homem, manifesta-se em todos os conflitos de relação a partir do processo mais remoto de socialização. Em segundo lugar, o homem é mobilizado por dois instintos ou pulsões, cujas atividades são opostas entre si: a pulsão construtiva, erótica ou Eros, que tendem a preservar e a unir, e a pulsão destrutiva, de morte ou Tanatos, que tendem a destruir e matar, os quais agrupamos como instinto agressivo ou destrutivo.

Bem, não sei se Freud consegui responder o questionamento de Einstein, mas me fez refletir sobre a parábola do bom samaritano, (Lucas10:30-35), que fala de pessoas boas e más. Alguns de nós somos como o sacerdote e o levita da parábola, outros como o samaritano, outros como os ladrões e outros ainda como o homem que foi espancado e deixado meio-morto. O samaritano era “bom” porque não desprezou o homem agredido e parou para estabelecer, um relacionamento com ele.

Do ponto de vista psicológico, encarar as pessoas simplesmente como boas ou más é muito simplista. Talvez seja mais fácil pensar assim porque, ao rotular os outros, sabemos em quem confiar e quem evitar. Mas a verdade é que sempre existem possíveis “samaritanos” e “ladrões” entre nós, e cada um de nós tem aspecto de ladrão, de sacerdote e de samaritano. Aqueles que reconhecem e valorizam a sua necessidade básica de se relacionar amorosamente com os outros tendem a ser boas pessoas e a ter um bom comportamento. As pessoas que violam sua natureza essencial de viver um bom relacionamento com os outros comportam-se como más.

Jesus, conhecia profundamente a natureza humana, e por isso pode hoje nos ajudar a compreender o comportamento de todas as pessoas que conhecemos, inclusive o nosso.

A vida é muito complexa. Lidamos o tempo todo conosco mesmos e com os outros em meio às divergências, às dúvidas, às diferenças, ao caos, às contradições, etc. Por isso, um grande desafio para o ser humano é existir e coexistir: escolher e se apegar no que representa um bem para si e para os outros. Ninguém vive sozinho.

É certo que não há sociedade sem violência, seria uma utopia, até porque o desenvolvimento e o progresso geram sim desigualdades, exclusões, fome, miséria e degradação de partes do coletivo social. Porém não deixará de existir a violência se a pessoa humana não for suficientemente tolerante, compreensiva, seguidora de valores e princípios construídos para o bem comum.

Nos últimos tempos, temos o incômodo sentimento de que as expressões públicas de intolerância, só aumentam. Muitas, lamentavelmente, alimentadas por lideranças políticas, religiosas e midiáticas, muito especialmente nos tempos de campanha eleitoral.

A intolerância se concretiza em preconceitos, discriminação e ódio de diferentes formas: racismo (contra negros), machismo/sexismo (contra mulheres), classismo (contra pobres), xenofobismo (contra estrangeiros e populações de regiões inferiorizadas), LGBT fobismo (contra pessoas LGBTX), etarismo (conta determinadas idades), contra expressões religiosas, contra opções políticas. Intolerância é coisa de gente que não quer lidar com as diferenças e o direito de ser e existir que é de todos que habitam o mundo. A atitude de tolerância não é “aguentar”, “suportar”, não conseguir evitar o outro diferente, mas é a aceitação do direito que cada um tem de ser aquilo que é e de continuar a ser.

A regra de ouro do cristianismo reflete bem este direito: “Não faça ao outro aquilo que você não quer que façam a você” (Mateus 7.12).

Toda pessoa tem o direito à sua própria vida, porque qualquer guerra, seja por motivações políticas ou religiosas, põe um término à vidas plenas de esperanças, porque conduz os homens individualmente a situações humilhantes, porque os compele, contra a sua vontade, a matar outros homens e porque destrói objetos materiais preciosos, produzidos pelo trabalho da humanidade.

É de suma importância lutar com todos os meios, por um mundo que promova a paz em vez da violência, o amor em vez do ódio, a vida em vez da morte.

Temos que evoluir no perdão, limpando do nosso interior as mágoas, raivas, ódios, invejas, ciúmes, apego aos bens materiais, ao poder que só adoece e infelicita o resgate da fraternidade, da compreensão, da capacidade de viver em paz no ambiente de família, nas escolas, na vida social, no trabalho é o maior sentido da vida. Se não entendermos isso, se não mudarmos os nossos comportamentos e visão egoísta, continuaremos a ter contato com a face mais cruel da existência humana.

Não tenho dúvida que todos esses “desafios” ficam bem claros quando lembramos o que Jesus disse, pouco tempo antes de sua morte, para os apóstolos: “Um novo mandamento dou a vocês: Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros. Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros". (João 13:34-35). Jesus nos pede, sem impor, pois ninguém ama por decreto, é que amemos as pessoas tendo como ponto de referência sua prática de amor. Em resumo, falta amor entre os seres humanos. Como tão bem escreveu Mark Baker: “Jesus, o maior psicólogo que já existiu”.

11 respostas para “O homem é o lobo do homem”

  1. Claudio disse:

    Valeu Viana
    Mais um ótimo artigo.

  2. Fernanda disse:

    👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

  3. Wilson França disse:

    É isso, Viana…Parabéns pela exposição.

    Concordando integralmente com o texto: Quem não ama, uiva (sem espírito) e faz a guerra.

    Um abraço.

  4. Junior Ribeiro disse:

    A praia de Graçandu-RN, me lembrou muito a Baía da Traição-PB (na minha opinião da praia mais bonita da PB).

    Como você bem relatou, as guerras são as ganâncias de poucos que resultam na morte de milhões.

    Mais uma vez, excelente artigo. Parabéns!

  5. Fernando Cassimiro disse:

    Que Deus tenha misericórdia do nosso Brasil.
    Parabéns mestre Viana por mais um belo artigo.

  6. JOÃO WILSON DE LUNA FREIRE disse:

    Parabéns Zé pela brilhante exposição e pela beleza de aula, mergulhei profundamente no assunto, aumentando os meus conhecimentos!👍👍👏👏✌️✌️

  7. Assis disse:

    Grato Viana

  8. Marcus Soares disse:

    Parabéns Viana. Mais um excelente texto, que nos põe a refletir sob a nossa natureza, que até melhor juízo, pouco ou nada evoluiu desde a pré-história. Evoluímos na arte de matar e involuímos na capacidade de amar e respeitar o próximo.

  9. Gibson disse:

    Mestre Viana, belíssima contribuição para nossa sociedade. Que o Senhor te ilumine, para que edite mais peças brilhantes como essa. Abraço forte!

  10. Marlucia Viana disse:

    Que maravilha de texto Viana. Fico maravilhada com o encadeamento de idéias e a profundidade dos conhecimentos usados no decorrer da sua narrativa. Só apreciar!!!!

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