26/08/2022

Do papel a votação eletrônica, uma longa trajetória

Contagem de votos

No período de transição da minha adolescência para juventude, alguns fatos foram por mim esperados com grande ansiedade. Primeiramente meu ingresso na Universidade no início de 1977. Depois, já com dezoito anos, ter obtido o direito de tirar meu Título de Eleitor, deixando de ser “cobra-d’água”, como assim chamavam no interior da Paraíba, quem não podia votar. E por último, ter sido aprovado no exame do DETRAN, que me dava o direito de receber a Carteira Nacional de Habilitação. Infelizmente, ainda tive que esperar um ano para votar pela primeira vez, pois as eleições só ocorreram em 1978.

Daquela época ao momento atual, o processo eleitoral sofreu grandes transformações. Antes, recebíamos a cédula de votação, nos dirigíamos para cabine, e preenchíamos a cédula com o nome, número e a sigla partidária do candidato. Saíamos da cabine e na frente dos mesários, colocávamos a cédula (após mostrar aos mesários o lado das assinaturas) na urna de lona.

Me vem na lembrança a preocupação que meu pai, que foi Juiz de Direito no Estado da Paraíba, tinha com o período de eleições. Principalmente no período de contagem de votos.  Neste momento entrava em cena os “escrutinadores”, que eram cidadãos convocados para trabalhar na apuração dos votos. Imaginem o cuidado da Justiça Eleitoral na escolha desses cidadãos. A apuração, era um trabalho humano que consumia horas e dias para conclusão.

Todavia, a partir das eleições municipais de 1996, com a implantação da urna eletrônica no sistema de votação, o voto sofreu grandes transformações, eliminando a intervenção humana no processo eleitoral, tanto na votação quanto na apuração dos resultados e, consequentemente, o risco de maracutaias e equívocos. Ela foi desenvolvida, justamente porque havia grande descrédito em relação ao sistema anterior, baseado em cédulas de papel.

As principais irregularidades conhecidas em todo Brasil, antes da votação eletrônica, incluíam o preenchimento de cédulas com votos em branco, em favor de um candidato, votos nulos interpretados ao gosto de quem fazia a leitura e a subtração e inclusão de cédulas, também era corriqueira.

Em alguns casos, os problemas começavam antes da apuração. Um exemplo disso era a estratégia do "voto formiguinha". Funcionava assim: um eleitor recebia a cédula do mesário, entrava na cabine de votação e colocava um papel qualquer na urna de lona. A cédula oficial, ainda em branco, era entregue a uma pessoa fora da seção, que assinalava os candidatos desejados e a repassava a outro eleitor. Este tinha a incumbência de depositar a cédula já preenchida na urna, pegar outra em branco e levar novamente ao líder do esquema, e assim por diante. O resultado era a manipulação do pleito.

Havia ainda a tática das "urnas emprenhadas". Como elas tinham apenas um cadeado e lacres de papel, muitas já chegavam "grávidas" à seção, isto é, recheadas de votos.

Ao longo da história das eleições no Brasil, tivemos muitos crimes eleitorais, que foram caracterizados por fraudes, que constam nas legislações eleitorais. Alguns são conhecidos e praticados até hoje.

A primeira eleição realizada no Brasil aconteceu em 1532. Ela ocorreu na vila de São Vicente, sede da capitania de mesmo nome. Durante todo o período colonial, as eleições no Brasil tinham caráter local ou municipal, de acordo com a tradição ibérica.

Até 1821, o voto se dava apenas no âmbito municipal, não existiam partidos políticos, o voto era aberto e as eleições contavam apenas com a participação de homens livres. Eram também marcadas por fraudes.

Já na fase imperial, era possível eleger deputados e senadores das câmaras do Império. Semelhante ao período colonial, as fraudes eleitorais eram frequentes, com o uso de mecanismos como o voto por procuração, no qual o eleitor transferia seu direito de voto para outra pessoa.

A primeira Constituição brasileira, outorgada por Dom Pedro I, em 1824, definiu as primeiras normas de nosso sistema eleitoral. O voto nessa época, era obrigatório e censitário, isto é, só tinham capacidade eleitoral os homens com mais de 25 anos de idade e uma renda anual determinada. Estavam excluídos da vida política nacional quem estivesse abaixo da idade limite, as mulheres, os assalariados em geral, os soldados, os índios e - evidentemente - os escravos.

Outra característica, era o voto por procuração, no qual o eleitor transferia seu direito de voto para outra pessoa. Também não existia título de eleitor, às pessoas eram identificadas pelos integrantes da mesa apuradora e por testemunhas. Assim, as votações contabilizavam nomes de pessoas mortas, crianças e moradores de outros municípios.

Em 1881 foi instituído o título de eleitor, a fim de diminuir as fraudes, mas não auxiliou muito, pois não havia foto no título.

Com a Proclamação da República, uma nova Constituição foi promulgada, e o funcionamento do sistema eleitoral brasileiro também sofreu alterações. O Brasil, adotou o sufrágio universal masculino para todos os homens maiores de 21 anos, desde que não fossem soldados rasos. Mulheres, analfabetos, mendigos, jovens com menos de 21 anos de idade, indígenas e integrantes do clero continuavam impedidos de votar. O voto não era secreto.

A República representou um retrocesso, com relação ao Império, em razão da prática do voto de cabresto. As eleições deixaram de ter relevância para a população, eram simplesmente uma forma de legitimar as elites políticas estaduais. Elas passaram a ser fraudadas, descaradamente, de uma maneira muito mais intensa do que no Império. Dessa época vêm as famosas eleições a bico de pena: um dia antes da eleição, o presidente da Mesa preenchia a ata dizendo quantas pessoas a tinham assinado, fraudando a assinatura das pessoas que compareciam.

O período da República Velha, foi marcado por eleições ilegítimas. As práticas do ‘voto de cabresto’, da ‘bico-de-pena’ e da ‘degola’ demonstra como o sistema eleitoral da época estava viciado.

A fraude “bico-de-pena”, consistia em manipulações realizadas pelas mesas eleitorais, que falsificavam assinaturas até mesmo o preenchimento de cédulas que, naquela época, eram usadas penas para poder escrever em quaisquer documentos que fosse. Na prática, inventavam-se nomes, eram ressuscitados os mortos e os ausentes compareciam. Na feitura das atas, a pena toda poderosa dos mesários realizava milagres portentosos.

O termo degola foi utilizado no sentido figurado para retratar a prática fraudulenta das oligarquias brasileiras, que interviram diretamente no resultado das eleições. Aproveitando-se da influência política, os ricos fazendeiros empossavam candidatos que não tinham ganhado democraticamente as eleições e “degolava” os candidatos da oposição, que eram impedidos de usufruir dos seus direitos eleitorais.

O voto de cabresto, foi a ferramenta utilizada pelos coronéis, para controlar o voto popular, por meio de abuso de autoridade, compra de votos ou utilização da máquina pública. As regiões controladas politicamente pelos coronéis eram conhecidas como currais eleitorais, sendo o povo coagido a votar nele ou no seu candidato. Muitas vezes os eleitores vendiam seu voto por pratos de comida, cestas básicas, etc.

Estas práticas de influência corrupta sobre o pleito eleitoral, exercido pelo poder político local desde o alistamento eleitoral até o resultado das urnas, ficou conhecido como ‘coronelismo’.

Com a chegada de Getúlio Vargas ao poder (1930), o país passa por transformações sociais, políticas e econômicas. No campo eleitoral, destaca-se a criação do Tribunal Superior Eleitoral e dos Tribunais Regionais Eleitorais, além da instituição do voto feminino e do voto secreto. Assim, o processo eleitoral, tornava-se mais amplo, transparente e idôneo. Contudo, apesar dos avanços nos primeiros anos de governo, a Era Vargas ficou marcada pelo período do Estado Novo, no qual as eleições foram suspensas. Em 1945, com o fim do Estado Novo, inicia-se a maior experiência democrática até então vivida pelo país.

A redemocratização nos anos 1980 diminuiu, mas não anulou as denúncias de fraudes, nem da continuidade de práticas como o voto de cabresto e o abuso do poder econômico.

A promulgação da nova Constituição Federal, tivemos avanços no campo dos direitos civis e sociais, os direitos políticos também foram expandidos, consolidando tanto o voto universal e secreto, quanto a idoneidade das eleições, com o trabalho das Justiças Eleitorais e das urnas eletrônicas (estas implementadas a partir de 1996). 

Com as urnas eletrônicas, e a contagem digitalizada dos votos, o processo eleitoral ganhou confiabilidade na transparência do ato democrático, e rapidez na apuração dos eleitos – virtualmente eliminando a possibilidade de fraudes. Os eleitores tiveram mais segurança ao digitar o voto, tendo a impossibilidade de ele ser adulterado pelo mesário ou qualquer pessoa que se encontre trabalhando durante as eleições. É impossível passar por outra pessoa.

Nos últimos tempos, muito tem se falado sobre a segurança das urnas eletrônicas e do sistema eletrônico de votação, mesmo que tenham se passado 26 anos de sua utilização no Brasil sem quaisquer indícios de fraude.

Recentemente, o plenário da Câmara dos Deputados, rejeitou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/19, conhecida pela PEC do voto impresso. A proposta previa que cada vez que o eleitor votasse na urna eletrônica o voto fosse impresso e, automaticamente, iria para uma outra urna. Pela proposta, o voto continuaria sendo feito por meio de urna eletrônica, mas uma impressora mostraria ao eleitor um recibo em papel do voto, sem passar pela mão do eleitor ou de qualquer outra pessoa. Ressaltamos, que o eleitor não iria pegar o papel do voto impresso e levar para casa como algumas pessoas pensam.

Bem, não sou Jurista e nem Parlamentar para comentar sobre o assunto, porém, tudo tem que ser sempre bem analisado e sem ideologias política para não voltarmos no túnel do tempo. Mas, lembrando do filósofo Heráclito de Éfeso: “A única constante é a mudança”.

Como relatamos, o voto possui uma longa trajetória no Brasil. Nem sempre, ele foi sinônimo de democracia, tendo em vista que foi adotado tanto em momentos de repressão e exclusão política, quanto em momentos politicamente mais abertos e democráticos. Impedir qualquer interferência na vontade do eleitor e garantir o sigilo do voto são preceitos constitucionais.

Do final da república dos coronéis, até os dias de hoje, muita coisa mudou. Hoje o voto não é mais aberto, não há mais como saber em quem o eleitor votou, então é possível escolher de forma livre e direta o candidato preferido. Porém, na prática, podemos identificar situações que nos remetem a um voto de cabresto moderno, mesmo com tantos avanços e conquistas.

Diante da realidade de miséria em que vivem, uma boa parte da população brasileira, muitos “optam” por aquele candidato que possa suprir, suas necessidades básicas, em um curto prazo, por exemplo: entrega de cestas básicas, pagamento de despesas com água e luz, compra de material de construção, promessa de emprego, bolsas sem fundo, entre outros. Tudo isso se configura como um voto de cabresto moderno.

De todo modo, é praticamente impossível imaginar uma democracia sem voto. E para garantir a efetividade desse mecanismo, é essencial que o processo eleitoral seja idôneo, limpo e transparente, e principalmente nos tempos atuais, sem o fraude eleitoral que vem se popularizando, que são as notícias falsas ou as “fake news” como são conhecidas. Essas mensagens vinculadas, principalmente pela internet, com o intuito de fraudar os candidatos adversários, trazendo uma série de inverdades que são construídas e espalhadas por órgãos pagos, pela candidatura oposta.

Enfim, é necessário entender que, para além de um bom processo eleitoral, é preciso haver bons candidatos (muito difícil hoje no Brasil) e bons eleitores. Porém, segundo o professor e historiador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Leandro Karnal, “Não existe país no mundo em que o governo seja corrupto e a população honesta e vice-versa”. Vocês concordam?

12 respostas para “Do papel a votação eletrônica, uma longa trajetória”

  1. Botelho disse:

    Já gostei muito de política, hoje não quero ouvir nem falar , excelentes abordagens sobre o tema e a última frase r( Leandro Karnal) resume tudo.

  2. Claudio disse:

    Parabéns Viana. Como dizia Aristóteles que o homem e um ser político, e devemos participar cada vez mais, pois a política define o nosso presente e futuro como nação.
    Trabalhei como escrutinador, mesário, presidente de seção eleitoral no sistema impresso e com as urnas eletrônicas e posso afirmar que o sistema atual e muito mais seguro que o voto impresso.
    A dúvida sobre a lisura do sistema atual e só na cabeça dos incapazes e mal intencionados com a democracia e o voto livre.
    Ótimo artigo

  3. Leickton disse:

    Olá amigo!
    Um belo texto de reflexão sobre a história das eleições no Brasil.
    Porém, uma tristeza ver todo o período em que a corrupção nos votos era clara e “tranparente” e, o povo não tinha noção do prejuízo da impraticabilidade da democracia.
    Um abraço.

  4. Junior Ribeiro disse:

    Excelente.

  5. Maria Elisa Alencar . disse:

    Eu ,já fui uma eleitora nata e me orgulhava também ,do meu título .Achava a minha participação tão importante .Um voto faria a diferença .
    Depois amadurecendo ,pude entender que governar um país não era brinquedo , nem gritos , nem faixas e bandeiras de partidos .
    Conheci o sistema ,por acompanhar os fatos ,e estou vendo o meu país afundando ,afunilando e dando brechas a outros países .
    Nasce o mangue da discórdia , do mau caratismo, patas e patolas se quebrando , estranhos contos de terror .
    Uma falta de respeito ,com a vida .
    Onde chegaremos ? Tem que haver no mínimo amor a pátria .
    Que o nosso voto ,seja consciente .
    Que o amor entre os políticos se estenda ao povo ,para o povo .
    Chega de corrupção. ..
    Valorizarmos o homem ,que vai governar esse lindo ,amado país ,chamado Brasil .
    Aprendamos a letra do nosso hino nacional .
    “Dos filhos desse solo ,és mãe gentil .
    Pátria amada BRASIL “…

  6. JOÃO WILSON DE LUNA FREIRE disse:

    Parabéns pelo texto através dos tempos!
    Peço desculpas a todos! Não confio na transparência das urnas eletrônicas.

  7. Fernanda disse:

    Excelente abordagem 👏🏻👏🏻👏🏻 Muito necessária

  8. Erbio Ferreira disse:

    Parabéns, meu irmão Viana’

    Concordo plenamente!

  9. Gibson disse:

    Abordagem bastante esclarecedora nesse período de muitas Fake News .

  10. David Paulino disse:

    Uma verdadeira viajem por nossa história política.

  11. Marcus Soares disse:

    Como sempre um texto rico em história. Nos tempos atuais da era digital, os vilões desta época conhecidos como hackers obrigam uma eterna vigilância nos sistemas concebidos nestas plataformas. Quem não conhece um amigo ou parente que teve sua conta surrupiada ou seus dados invadidos. Da mesma forma as urnas eletrônicas estão sujeitas à fraudes e a impressão do voto como comentado no texto seria um excelente antídoto conta esta prática. Parabéns Viana!!!

  12. Vera Lucia Araújo de Oliveira disse:

    Tudo que você descreveu é verdade José Antonio, não tem jeito, a pouca vergonha continua, e quem confiar? Nos políticos corruptos ou no povo que se troca por simples trocado, gasolina ou futuro cargo administrativo, e assim vamos levando essa política vergonhosa. Até o nome de Jesus entrou no meio dessa sujeira.
    Só espero quem fizer errado pague, Deus tarda mas não falha.

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