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Política

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10 de outubro de 2021
4 min de leitura

Aprendemos alguma lição com a Revolta da Vacina ocorrida em 1904?

José Viana

Por José Viana

É natural do Rio de Janeiro. Formado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal da Paraíba e Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Trabalhou 30 anos na Petróleo Brasileiro S.A. Atualmente aposentado.


A charge da revista O Malho, de 29 de outubro de 1904, parecia prever a revolta que se instalaria na cidade poucos dias depois: nem com um exército, o “Napoleão da Seringa e Lanceta”, como muitos se referiam a Oswaldo Cruz na época, conseguia conter a fúria da população contra a vacinação compulsória (Acervo Fiocruz)

Nos últimos tempos tenho intensificado minha leitura sobre História do Brasil e da Humanidade com objetivo de entender um pouco mais da política brasileira nos dias atuais, jogada num fosso profundo de uma crise de intolerância e sem líderes. “Um povo que não conhece sua história está condenado a repeti-la” (filósofo Edmund Burke). Em outras palavras: “Um povo sem história está fadado a cometer no presente e no futuro os mesmos erros do passado” (Historiadora Emília Viotti).

Os acontecimentos na saúde pública me trouxeram a lembrança os fatos ocorridos na Revolta da Vacina, uma insurreição popular ocorrida no Rio de Janeiro no período de 10 a 16 novembro de 1904 contra a vacina anti-varíola. Quando o presidente Rodrigues Alves assumiu o governo, nas ruas da cidade do Rio de Janeiro acumulavam-se toneladas de lixo. Desta maneira o vírus da varíola se espalhava. Proliferavam ratos e mosquitos transmissores de doenças fatais como a peste bubônica e a febre amarela que matavam milhares de pessoas anualmente.

Foto: MultiRio

Era necessário combater o mosquito e o rato, transmissores das principais doenças. Primeiro, o governo anunciou que pagaria a população por cada rato que fosse entregue às autoridades. O resultado foi o surgimento de criadores desses roedores a fim de conseguirem uma renda extra. Devido às fraudes, o governo suspendeu a recompensa pela apreensão dos ratos.

De forma a melhorar o saneamento precário e combater as doenças, o presidente Rodrigues Alves nomeou para diretor geral da Saúde Pública o médico sanitarista Oswaldo Cruz. Uma das propostas do médico para combater a doença foi a vacinação obrigatória contra a varíola, para todo brasileiro com mais de seis meses de idade. Oswaldo Cruz trouxe uma regulamentação ainda mais problemática. O governo passaria a exigir comprovantes de vacinação para que as pessoas pudessem matricular seus filhos nas escolas, começar em empregos, viajar, se hospedar na cidade e, até mesmo, se casar. Quem se negasse a ser vacinado seria multado.

Quando o conteúdo da proposta de Oswaldo Cruz chegou às mãos da imprensa, o povo iniciou a maior revolta urbana do Rio de Janeiro até então. Políticos, militares de oposição e a população da cidade se opuseram a vacina. A imprensa não perdoava Oswaldo Cruz dedicando-lhe charges cruéis ironizando a eficácia do remédio.

Espalhou-se por vários bairros da cidade, o conflito envolveu uma violenta repressão policial. Seis dias após ter sido iniciado, 945 pessoas foram presas, 100 feridos, 30 mortos e 461 deportadas para o Estado do Acre chegava ao fim a Revolta da Vacina. Em decorrência do conflito, o governo suspendeu a obrigatoriedade da vacinação, declarando estado de sítio. Exército, Marinha e Polícia foram para as ruas, repreendendo o conflito, e restabeleceram a ordem no Rio de Janeiro.

Foto: Wikipedia

É interessante observar que durante a Revolta, os militares tentaram usar a massa popular insatisfeita com um pretexto para a tentativa de um golpe, que não obteve sucesso contra o presidente Rodrigues Alves.

Outro ponto importante em ressaltar a falta de tato do governo no esclarecimento acerca da vacina. A grande maioria da população, formada por pessoas pobres e desinformadas, não conheciam o funcionamento de uma vacina e seus efeitos positivos. Numa sociedade onde as pessoas se vestiam cobrindo todo o corpo, mostrar os seus braços para tomar a vacina foi visto como “imoral”. 

Muitos estudiosos apontam que os motivos da Revolta da Vacina, em todas as classes sociais, foram a junção entre a política de tratamento com a população pobre e o sentimento de “invasão dos lares” das famílias mais ricas, obrigadas a se vacinarem.

Movimentos populares como a Revolta da Vacina ajudam a contar a história do Brasil, demonstrando o contexto em que estão inseridos e a maneira como esses conflitos se dão. Mais do que uma insatisfação contra a Lei da Vacina Obrigatória, a Revolta simboliza o período conturbado pelo qual passou o Rio de Janeiro, principalmente pelo caráter higienista e excludente adotado pelos governantes da época. Estes fatos ocorreram em 1904. Aprendemos a lição?

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Comentários 7

  1. José vamilsom pinto

    Parabéns meu amigo 👦, valeu mesmo, gostei muito

  2. Tuerte Amaral Rolim

    Muito oportuno esse importante resgate histórico. Uma comunicação apropriada, transparente e verdadeira é fundamental para superarmos grandes desafios coletivos. O brasileiro terminou entendendo a importância das vacinas tanto que chegamos a erradicar a varíola por vários anos, como também a paralisia infantil. Obviamente a celeuma narrada nesse brilhante resgate histórico, agravada pela situação política daquele momento, foi superada ao longo dos anos e o reconhecimento à ciência e ao Oswaldo Cruz se concretizou. Mas com o passar do tempo e com a evolução das gerações é preciso estarmos sempre compartilhando essa experiência para que ela não venha esmaecer. Nós que herdamos dos nossos pais essa experiência e que participamos de muitas campanhas de vacinação (nossas e de nossos filhos), temos a responsabilidade nos tempos atuais de mantermos a disciplina, contribuindo para que todos sejam vacinados de acordo com o que preconiza a ciência.

  3. Valcimar Meira

    Excelente plataforma amigo, ótimos artigos, enfim um herdeiro espaço para Boa leitura.

  4. Deuslene da Silva Andrade

    Amigo Viana, depois de tantos anos de trabalho, descobri outro lado desse excelente profissional: pesquisador, escritor.
    Parabéns pelo excelente trabalho.

  5. Botelho

    Muito bom Viana,esta história da vacina é perfeita e como você encerra, é a nossa realidade atual

  6. Claudio Luiz Pontes

    Excelentes artigos Viana.
    Continue firme com seu trabalho.
    Parabéns.

  7. Lenilson

    Viva sus.