07/11/2021

Nem tudo que reluz é ouro


Em 15 de novembro de 1889, ocorria na cidade do Rio de Janeiro, capital à época, a Proclamação da República, fato histórico e emblemático da jovem Nação Brasileira.
Fonte: Educamaisbrasil
Primeira constituição republicana (1891).
Fonte: Arquivo Nacional

Em 2022, o Brasil comemora 200 anos de independência.  Durante o Regime Monárquico (1822-1889), o Brasil teve dois Imperadores, 33 Primeiros-Ministros (sempre com alternância de poder entre os Partidos Liberal e Conservador) e uma Constituição (1823). O Parlamento nunca foi fechado e funcionava a pleno vapor, com os parlamentares trabalhando de segunda a sexta e não, como é hoje na república, apenas de terça a quinta. Enquanto, o Regime Republicano, que iniciou em 1889, completará 133 (cento e trinta e três) anos. Todavia, durante o período republicano, já tivemos: 06 (seis) vezes o congresso fechado, seis golpes de Estado, 13 (treze) presidentes que não concluíram o mandato, 19 (dezenove) presidentes eleitos pelo voto popular e 20 (vinte) presidentes não eleitos diretamente, também considerando posse de vice e interinos. Um fato relevante é que nesse período republicano tivemos 06 (seis) Constituições Federais.

Por incrível que pareça, o Estados Unidos como república federativa, em 231 (duzentos e trinta e um) anos, tiveram 01 (uma) Constituição e 45 (quarenta e cinco) indivíduos foram eleitos ou sucedidos ao cargo de presidente.

Será que com base nesses dados, podemos questionar se a república foi a solução para os problemas do Brasil existentes no período monárquico? 

Nos anais da história está registrado que a queda da monarquia foi um golpe de Estado e não uma revolução. Veio do alto escalão do exército. Para ser uma revolução, teria de ser proveniente de quem está fora dos setores de poder do Estado. As pessoas sequer tomaram conhecimento. Sobre isso, disse Aristides Lobo: “os brasileiros não compreenderam e assistiram bestializados à Proclamação da República, pensando que era uma parada militar”.

A primeira fase do regime monárquico é chamado de Primeiro Reinado (1822 -1831). Termina com a abdicação de D. Pedro I. A segunda fase, conhecida como Regência (1831-1840). A última fase, denominada Segundo Reinado (1840 -1889), com D. Pedro II no poder.

Dom Pedro II era um intelectual sensível, valorizava as artes e era poliglota. Nunca aumentou o seu salário, do qual usava parte, para libertar escravos e financiar estudos de brasileiros no exterior. Dizia que a importância do debate democrático estava na liberdade de expressão. Uma vez indagado sobre essa questão, respondeu ao jornalista: “veja meu filho, imprensa é algo muito sério, é o pilar da democracia, e ela não deve ser combatida com ações estatais, deve ser combatida com mais imprensa.”

D. Pedro, d. Teresa Cristina e sua comitiva no Egito.
Acervo da Fundação/Biblioteca Nacional

Uma curiosidade era o famoso “caderninho preto” de D. Pedro II, onde ele anotava o nome dos políticos envolvidos em corrupção, e esses nunca mais conseguiam ocupar um cargo público.

Antes da queda da monarquia, a economia do Brasil era uma das mais estáveis do mundo. Era um exemplo de responsabilidade fiscal. Tinha uma diplomacia vibrante, usada para fins nacionais e não para fins políticos. Mesmo no período da guerra do Paraguai, não enfrentou nenhuma recessão na sua economia.

Ocorreu nesse período o surgimento de indústrias, bancos e usinas financiadas por empreendedores locais, bem como a construção de estradas de ferro, iluminação a gás, encanamento de esgoto e o desenvolvimento da indústria naval. Houve renovação urbana, com ruas largas, hospitais, prisões, pontes, elevadores e túneis. Já havia brasileiros mais ricos que a família imperial. Destacamos na época, a figura do Barão de Mauá: o maior empresário que o Brasil já conheceu.

Outro ponto a ser ressaltado era que as liberdades civis eram profundamente respeitadas: o Brasil, mesmo tendo a Religião Católica como oficial, assegurava constitucionalmente o direito de cada grupo religioso realizar seu culto, seja ele qual fosse.

Mas com o passar do tempo, a monarquia começou a entrar em crise. Essa crise foi gerada por um conjunto de fatores, tais quais: o movimento pelo fim da escravidão, choques com a igreja, o movimento republicano e conflitos com o exército.

O sistema de padroado instaurou uma grave crise entre D. Pedro II e os clérigos católicos brasileiros. Através do sistema padroado, o Imperador tinha o poder de nomear os bispos, exercendo controle sobre a Igreja. Ele ficava encarregado de sustentar o clero, pagando seus salários, patrocinando construções de Igrejas, etc. O estopim da crise foi quando em 1864 o papa Pio IX, através da bula “Syllabus”, proibiu a permanência de membros da maçonaria nos quadros da Igreja. O imperador rejeitou a decisão do papa. Alguns bispos permaneceram fiéis ao Imperador, porém os bispos de Olinda e de Belém expulsaram de suas dioceses os padres envolvidos com a maçonaria. O imperador reagiu com a condenação dos mesmos à reclusão e prestação de trabalhos forçados. Posteriormente, D. Pedro II anulou a decisão. Eles foram libertados e desculpados. Porém, perdeu o apoio fundamental da igreja.

A partir de 1870, o Brasil Imperial começaria a sofrer diversos tipos de oposição ao seu regime e a defesa da instalação de uma República em seu lugar. Os republicanos criticavam a centralização da Monarquia, seu caráter “hereditário”, o poder excessivo nas mãos de Pedro II, a vitaliciedade do Senado e o sistema político em geral. Preocupados com a questão do desenvolvimento e da modernização do país, acreditavam que a monarquia operava como o grande sustentáculo do escravismo.

Uma parcela dos republicanos era influenciada pelo “positivismo” que foi uma corrente filosófica que veio da França, no início do século XIX e entrou no Brasil pelos militares, ganhava espaço junto com o federalismo inspirado nos EUA. Defendiam o fim das tradições monárquicas, pois a sociedade tinha que ser racional, científica e planejada por tecnocratas. Interessante que tentavam disseminar suas ideias a qualquer custo, mas sem sucesso. A população não aceitava isso e eles raramente se elegiam. Destacamos que alguns textos influenciados pelo “socialismo utópico” abraçavam a causa republicana e seus preceitos democráticos como forma de atendimento aos anseios populares.

Com diretrizes confusas, prolixas e completamente utópicas, essa filosofia “positivista” foi a escolhida para representar os anseios de um povo que, até hoje, pouquíssimo ouviu falar sobre ela e o que ela exatamente defendia. O encantamento com essa utopia nas Forças Armadas era tamanho que uma abreviação do seu lema foi colocada na bandeira republicana do Brasil: “Ordem e Progresso”, retirando a esfera armilar, a cruz e os ramos de açúcar e tabaco, que de fato representavam o Brasil e tinham um profundo significado para o seu povo.

Os grandes fazendeiros, extremamente dependentes da mão de obra escrava, entenderam o fim da escravidão(1888) como um ato de traição do Império. Revoltados, fizeram um gigantesco lobby de financiamento ao Partido Republicano e buscaram influenciar a Maçonaria, na ajuda para depor o regime que libertou os escravos do Brasil.

Talvez, o motivo mais importante que determinou a queda definitiva da monarquia no Brasil foi o desgaste entre os militares e o Império. As ideias trazidas da Guerra do Paraguai (1870) só alimentaram a disposição militar em “purificar” os costumes políticos, consolidando a auto imagem do Exército, de salvador nacional. Os militares não sentiram retribuição da parte do governo pelos esforços que haviam prestado à nação. As reivindicações dos militares por melhores salários e maior influência na política resultou em conflitos com a coroa.

Fonte: Assembleia Legislativa SP

Em 14 de novembro de 1889, os republicanos fizeram circular o boato de que D. Pedro II havia mandado prender Deodoro e o tenente-coronel Benjamin Constant, líder dos oficiais republicanos. Os boatos (fakenews?) deram certo e as tropas se rebelaram. Na manhã seguinte Deodoro expulsou o primeiro ministro. O Imperador que estava em Petrópolis, ao receber um comunicado dos golpistas informando sobre a proclamação da República e pedindo que deixasse o pais, não ofereceu resistência e partiu para a Europa.

D. Pedro II cumpriu à risca o que lhe foi ensinado. Morreu em 1891, aos 66 anos. O obituário no jornal The New York Times afirmou que D. Pedro II "foi o mais ilustrado monarca do século”.

O Império Brasileiro era tão democrático, estável e respeitoso para com os seus cidadãos que o Presidente da Venezuela em 1889, Rojas Paul, ao saber do Golpe de 1889, disse: “foi-se a única República do Hemisfério Sul.”

O mais irônico de tudo é que no Hino da Proclamação da República, composto pelo maestro Leopoldo Miguez, existe um verso, que diz: “nós nem cremos que escravos outrora tenham havido em tão nobre País, hoje o rubro lampejo da aurora, acha irmãos não tiranos hostis”. Da a impressão de que os Republicanos foram os responsáveis por libertar os escravos e que instauraram, de imediato, uma república que livrou o Brasil de uma ditadura sanguinária.

Relembrando a frase de Shakespeare na sua obra “O mercador de Veneza: “All that glitters is not gold” (Nem tudo que reluz é ouro), podemos concluir, pelos registros históricos, que o regime monárquico do Brasil, teve no final do século XIX, seus “desencantos”. Afirma a historiador Laurentino Gomes que um dos grandes problemas para a continuidade da monarquia, seria a sucessão, disse: "A impressão que se tem, ao estudar a história do Segundo Reinado, é que D. Pedro nunca acreditou de fato que a filha pudesse assumir o trono. No Brasil, conservador e patriarcal, D. Pedro sabia que o exercício político de Isabel era tarefa difícil".

Independentemente o que poderia acontecer, após a morte de D. Pedro II, o que temos assistido, após o fim da monarquia, é uma sucessão de golpes e contragolpes, de revoluções e reacionarismos, da ascensão vertiginosa de oportunistas famintos de poder e, a depender das necessidades, de sangue, suor e lágrimas. A República pariu o populismo, regimes ditatoriais, os “coronéis nordestinos” e tantos outros que marcam a nossa história como um exemplo de autoritarismo e uso do poder público para fins pessoais ou partidários.

No tempo do Imperador D. Pedro II, éramos reconhecidos no mundo inteiro pela nossa Cristandade, o apego que o nosso governo tinha pela ciência, pela nossa estabilidade e pela sabedoria do nosso Imperador. Nos tempos atuais, somos reconhecidos pelo país da corrupção e de não preservar as suas florestas. Infelizmente, nem pelo futebol somos mais reconhecidos.

Enfim, a monarquia se foi em 1889. O Brasil passou a ser uma República Democrática. Como disse o poeta: um país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. Contemplado com longos quilômetros de praias paradisíacas, animais das mais variadas espécies, uma população pacífica e religiosa, com muitas manifestações artistas e culturais, uma diversidade de riquezas minerais e uma grandiosa Floresta Amazônica. Mas, infelizmente a nossa classe política que é eleita pelo povo, esquecem que eles têm que governar, num regime democrático, conforme foi dito por Péricles, estadista da democracia ateniense do século V a.C: “pelo povo e para o povo”. E não com interesses pessoais ou partidários.

Mas não é ponderável colocar a culpa apenas na classe política. A culpa é de todos nós, brasileiros eleitores e cidadãos, que por vezes nos ocupamos em apontar o dedo para os erros dos outros sem, contudo, consertar os próprios. Refiro-me as maracutaias, termo utilizado para explicar as malandragens e os esquemas praticados para levar vantagem sobre os outros, também conhecido como jeitinho brasileiro. Tais práticas ocorrem praticamente em todos os espaços de relações sociais nesse solo gigantesco de mais de 8 milhões de quilômetros quadrados.

E na hora do voto? De quem nos lembramos quando digitamos os números na urna eletrônica? Seria de alguém que julgamos ser uma boa pessoa para nos representar? Ou votamos apenas por ideologia política? Ou pior, apenas por interesses pessoais?

"Viva o Brasil! Viva a Democracia! Viva a Liberdade!" Gazeta da Tarde, 15 de novembro de 1889.

11 respostas para “Nem tudo que reluz é ouro”

  1. Marco Morais disse:

    Excelente 👏🏻👏🏻👏🏻

  2. Rita disse:

    Amei a aula de história. 👏👏👏👏👏👏👏

  3. Luiz Antônio Costa Carneiro disse:

    Perfeito o artigo caro Viana. O brasileiro, nós, odiamos a corrupção, mas aceitamos passivamente, e quando às vezes cidadãos a praticam, as pequenas transgressões do tipo “jeitinho brasileiro “. Uma música pirata, um ” guaraná ” ali, etc.
    Precisamos resolver ese dilema brasileiro entre o ódio à corrupção e tolerância as transgressões. Em casa, no trabalho, em todo lugar.

  4. Fernanda disse:

    👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻. A triste realidade

  5. Erbio disse:

    Que maravilha, comandante Viana.

  6. Nadja disse:

    Excelente reflexão!!

  7. Washington disse:

    Parabéns Viana . Perfeita aula . Sensacional . Muito bom relembrar e aprender outras coisas .

  8. Albimar Futado disse:

    Parabens pelo blog, amigo. Muito bom e oportuno o seu artigo

  9. Márcio disse:

    Excelente leitura, conteúdo rico em detalhes significantes da nossa história…

  10. Márcio disse:

    conteúdo rico em detalhes significantes da nossa história…

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