23/06/2022

Procura-se Gestores Municipais

Nas minhas “andanças” pelo Estado da Paraíba, morei de 1995 a 1997 na cidade de Sumé, onde trabalhei no DER – Departamento de Estrada e Rodagem. Tive a oportunidade de conhecer e fazer amizade com o Sr. Leonardo Guilherme (faleceu em 2018), que foi prefeito de Sumé entre 1977 a 1983. Nas nossas conversas, o Sr. Leonardo gostava de contar um episódio, que ocorreu durante a sua gestão, como prefeito de Sumé.

Vista Cidade Sapé-PB

Participando de um encontro de prefeitos, em Brasília, com a presença de órgãos do governo federal, diversos prefeitos reclamavam nos debates que o dinheiro que recebiam para construir escolas municipais, só permitiam construir uma sala de aula. Quando foi a vez dele falar, ele disse que o dinheiro que recebeu, construiu três salas de aula. Imaginem o “murmurinho” ocorrido neste momento entre os participantes, com esta declaração do Sr. Leonardo Guilherme.

Esse “causo” era de conhecimento da população de Sumé, que teve muito orgulho ter tido um prefeito sério e comprometido, com o bem estar de todos, de uma retidão e honestidade impressionantes. Fato que talvez seja uma exceção, quando se trata da administração municipal dos 5570 municípios brasileiros.

Não tenho dúvida, que os Municípios possam ser considerados o primeiro degrau da organização econômica, política e administrativa de nosso país. 

Infelizmente, o nível de corrupção nas prefeituras brasileira é alarmante. Salvo, pequenas exceções, normalmente o ocupante do principal cargo da gestão municipal, utiliza a administração geral como uma feira de negócios próprios ou permite que terceiros o façam, sem um razoável controle. Pessoas que adotaram a política como profissão ou como um estranho sacerdócio, para o qual não há nem necessidade de fé, nem juramento de sacrifícios. O propósito não é de servir a população do município, nem servir à pátria. Além dos vícios morais, eles carregam a incompetência gerencial. Não mostram para os ofícios públicos a mesma habilidade, enquanto estelionatários.

Além de todos as irregularidades comuns que muitos gestores praticam, tais como: superfaturamento, obras pagas mas jamais executadas, fraudes de licitação, etc…outro grave problema da gestão administrativa municipal, diz respeito as obras inacabadas sob responsabilidade dos governos municipais.  Segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM), existem atualmente no Brasil, pelo menos, 6.932 obras iniciadas entre 2012 e 2021 paradas (contrato sem movimentação há mais de 180 dias). Esqueletos de escolas, unidades de saúde, pavimentação de estradas, canalização de esgoto e iluminação pública. Desperdício de dinheiro público e prejuízo para a população. Muitas são obras inacabadas, apenas porque foram começadas pelo antecessor.

Podemos citar, como exemplo, de um gestão municipal bastante conturbada, a do município de Sapé do Estado da Paraíba. De 1972 a 2020 (desconsiderando o prefeito eleito que tomou posse em 2021), teve 11(onze) prefeitos eleitos pelo voto direto, todavia nesse período, ocorreram afastamento e/ou condenação por improbidade administrativa de 05 (cinco) prefeitos e tendo tomado posse 03 (três) Interventores nomeados pelo Governo do Estado.

Desde que foi concedido o direito dos prefeitos, disputarem suas reeleições (a partir do ano 2000) apenas um prefeito de Sapé utilizou desse instrumento e conseguiu renovar o mandato.

No livro “O processo histórico de Sapé” de autoria do advogado Juraci Marques Ferreira, além de relatar fatos do passado do Município de Sapé, o escritor emiti sua abalizada opinião, dentro do contexto ocorrido com os gestores municipais, nos últimos 48 anos, em que o Município de Sapé se transformou num verdadeiro cemitério de prefeitos. “Eleger-se Prefeito de Sapé nos dias atuais, é simplesmente encerrar a carreira política de maneira altamente melancólica e ainda ter de responder a inúmeros processos na justiça em razão de altos administrativos ilegais, praticados no exercício do cargo”.

Outro triste exemplo de desmando administrativo, tem ocorrido nos últimos 24 anos na gestão administrativa do município de Guamaré-RN. De 1997 a 2021 ocorreram 06 (seis) eleições municipais, sendo duas suplementares. Dois prefeitos foram afastados do cargo por impropriedade administrativa, com condenação judicial, além de um vereador, que assumiu a gestão, por renúncia do prefeito. Em uma das eleições, tivemos a cassação do mandado eleitoral do prefeito e vice eleitos, tendo em vista a desaprovação de contas do vice prefeito, pelo Tribunal de contas, quando foi prefeito em Guamaré-RN. O cargo foi assumido pelo candidato que foi segundo lugar na disputa eleitoral. Em outra eleição, o candidato eleito não chegou a tomar posse, pois a Justiça Eleitoral do Rio Grande do Norte indeferiu o registro da candidatura, tendo em vista que a Constituição da República, veta a permanência de um mesmo grupo familiar na chefia do Poder Executivo, por mais de dois mandatos consecutivos. Uma verdadeira lambança.

Lógico que não podemos generalizar. Tenho certeza que em muitos municípios brasileiros, temos prefeitos que primam pela legalidade e pelo zelo do cargo público.

A instituição da prefeitura de seu encarregado maior, o "prefeito", é algo relativamente novo na história do Brasil. Durante todo o período do Brasil Colônia, a instituição administrativa máxima, no nível municipal era a câmara municipal, que exercia um número muito maior de funções do que atualmente. Era a responsável, por exemplo, pela coleta de impostos e preservação do patrimônio público.

No Brasil Império, a administração pública foi centralizada através da Constituição de 1824. A duração da legislatura foi fixada em quatro anos e o vereador mais votado assumia a Presidência da Câmara. Em tal cargo, o Presidente da Câmara, continuou a ser no entanto, responsável por funções comparáveis as do atual prefeito, além de seus encargos como vereador e como presidente da Câmara dos Vereadores.

Com a Proclamação da República Brasileira em 1889, as câmaras municipais são dissolvidas e seus poderes, alterados. Os presidentes dos estados, são habilitados a nomear os membros do Conselho de Intendência. Tais conselhos de intendência são responsáveis, com exclusividade, pelo poder executivo municipal, separando este poder do legislativo, que continua a cargo das câmaras municipais, uma vez que estas são recompostas.

Com a Revolução de 1930 e o início da Era Vargas, cria-se a figura do prefeito e institui-se a “prefeitura”. O prefeito, a partir da Constituição de 1934, passa a ser escolhido pelo povo.

Após 1988, a descentralização e autonomia municipal consagradas no federalismo brasileiro, foram defendidas como forma de melhorar a gestão local, de promover mais eficiência no uso dos recursos e de ampliação do controle social. O município ampliou suas responsabilidades, sobretudo na implementação de políticas de bem-estar social, e adquiriu respaldo constitucional, para responder por todas as questões que envolvam o interesse local. As prefeituras começaram a decidir o que era melhor para quem residia no município, utilizando os recursos federais, estaduais e municipais, sem que o governo federal tivesse que conhecer, a fundo, a vida de milhares de pessoas que estão distantes de Brasília.

O processo de evolução dos Municípios Brasileiros no que concerne aos recursos financeiros destinados a atender suas necessidades básicas, no curso dos anos, sofreu consideráveis modificações. Durante um vasto período, especialmente na fase conhecida por República Velha, os nossos municípios não recebiam recursos financeiros, nem do governo Estadual, nem tão pouco do Federal.

Se por ventura, o governo federal ou estadual decidisse construir uma obra pública em determinado Município, fazia por sua inteira conta. Não enviava o dinheiro para o Prefeito Municipal fazer o empreendimento, pois não se realizavam convênios de qualquer natureza entre os administradores, coisa que só ocorreu a partir da Constituição Federal de 1946.

Essa situação de penúria dos Municípios só começou a melhorar a partir da vigência da Constituição antes mencionada, porque aquela Carta Magna no seu contexto trouxe dispositivos constitucionais que obrigava os governos da União e dos Estados a repassarem determinados recursos, advindos de recolhimentos de impostos, em favor dos Municípios.

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços (ICMS), só se concretizou a partir da Constituição Federal de 1988. Antes, existia o ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias), de menor abrangência, criado em 1965 e cuja vigência só foi consolidada no ano de 1967.

Com relação à presença do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), teve origem ainda no regime militar, através da Lei Federal 5.172, de 25 de outubro de 1966. Com o Decreto-Lei de n° 1.881, de 27 de agosto de 1981, foi criada a Reserva do FPM e foram estabelecidos os coeficientes em favor dos Municípios, com base no número de habitantes de cada um, concorrendo para que houvesse um melhor disciplinamento na distribuição dos recursos.

Tomando por base essas considerações, há de se admitir que os Prefeitos brasileiros, durante bom tempo, administravam sem dispor de recursos financeiros dos governos estaduais e federais. Na realidade, ainda hoje, alguns municípios têm tanta dificuldade para se sustentar, porque nem deveriam existir, pois não geram receita suficiente para custear os serviços básicos da cidade.

Vale lembrar que seja no âmbito federal, estadual e municipal, cada um dos três poderes possui obrigações diferentes, porém considerando que a gestão municipal seja a base da pirâmide ou melhor dizendo, o primeiro degrau da organização de nosso país, a performance dos governos municipais, influenciam diretamente na vida dos brasileiros.

A péssima gestão municipal atrelada aos desvios de recursos públicos, condena a nação ao subdesenvolvimento econômico crônico.

No Brasil, de vez em quando, é dito que a política é geralmente considerada atividade desabonadora, para quem nela milita. Uma situação dessa natureza põe em risco a causa democrática, pois esta tem nos políticos uma de suas bases primordiais, por serem os representantes da coletividade na órbita do Estado.

Por enquanto, a única saída para que possamos ter bons administradores, é colocar-se através do voto, no lugar de Prefeito pessoas que implantem na administração pública métodos de trabalho impregnados de medidas saneadoras, longe da política paternalista e acima de tudo, voltados para o planejamento, a moralidade administrativa e o completo distanciamento dos chamados “picaretas” incompetentes, que tantos males e entraves já causaram ao Município e a nossa população.

O problema é encontrar candidatos que não tenham os olhos voltados para o próprio umbigo, que tenha competência gerencial para o cargo e que busquem realmente cumprir suas promessas eleitorais, em benefício da população. Enfim, a única solução é continuar procurando candidatos a gestores municipais com essas características. Será que temos? Possivelmente que sim, mas as ideologias políticas e as forças ocultas não deixam serem candidatos.

Parafraseando Jean Jacques Rousseau: o povo brasileiro acredita ser livre, mas estão completamente iludidos, é livre apenas durante as eleições dos membros do executivo e legislativo, pois, eleitos os seus membros, ele volta à escravidão, é um nada. Pelo uso que faz da liberdade, nos curtos momentos em que lhe é dado desfrutá-la, bem merece perdê-la. (Do Contrato Social, Liv. III, cap. 15 - Rousseau).

5 respostas para “Procura-se Gestores Municipais”

  1. WASHINGTON disse:

    Muito bom texto Viana . A tarde maioria dos políticos só visam o próprio bem e esquecem do povo ,das políticas públicas. É fato os desvios de verbas e roubalheiras . Parabéns mais uma vez .

  2. Vera Lucia Araújo de Oliveira disse:

    O assunto é demais importante, mais difícil digerir,se tratando de políticos. Que nós mesmos escolhemos e depois nos decepcionamos. Mas como diz o jurista Calil Simão ” A corrupção social e estatal é caracterizada pela incapacidade moral dos cidadãos de assumir compromissos voltados ao bem comum. Mostram -se incapazes de fazer coisas que não lhe tragam uma gratificação pessoal. ” É decepcionante.

  3. HELMANI DE SOUZA ROCHA disse:

    Como os demais artigos, este também nos traz um rol de informações e de opiniões interessantes. Parabéns meu Ilustre amigo.

  4. Francisco Ivan de Oliveira disse:

    Muito bom Viana.
    Infelizmente a corrupção tornou-se corriqueira na Administração Pública Brasileira.
    Parabéns pelo texto.

  5. Francion Justino de Pádua disse:

    Bom texto, professor Viana.
    O problema é cultural. Lamentavelmente a corrupção que incomoda é a do adversário. Enquanto essa cultura for naturalizada ainda veremos muitos recursos publicista sendo drenados…

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